De bonés, cabeças baixas e roupas escuras, um grupo de homens avança por vielas estreitas. Entre paredes sem reboco e roupas nos varais, chegam a uma porta amarelada pelo tempo, num corredor coberto por um telhado esburacado. "Polícia!", o primeiro deles grita, antes de chutar a porta e invadir o cômodo apertado. Os outros entram, aos gritos de "deita" e "no chão". A câmera vem logo atrás. "Algema todo mundo", diz o líder da operação, o delegado Carlos Alberto da Cunha, conhecido nas redes sociais como Delegado da Cunha.
Poderia ser real, mas a cena foi toda simulada e, sem explicar que era encenação, exibida na internet e na TV aberta para milhões de brasileiros. O caso foi investigado pelo Ministério Público e serve para ilustrar um novo desafio gerado pela tecnologia.
Começou com Da Cunha o fenômeno dos policiais youtubers, que usam da carreira como servidores para faturar na internet com vídeos de abordagens violentas, reacts de partida de videogame ou bastidores de operações. Desde então, o limite entre o que é serviço público e entretenimento anda embaçado.
Depois de escapar de uma denúncia de peculato (quando o funcionário público se apropria de bem por conta do cargo que ocupa), Da Cunha decidiu oficialmente "blogueirar", nas palavras dele. Abriu uma empresa de conteúdo, contratou equipe profissional e ganha dinheiro com cursos de defesa pessoal e podcast. Também anunciou planos políticos, mas saiu do afastamento voluntário que pediu depois de ser tirado das ruas e voltou para a Polícia Civil de São Paulo.
Segundo a Corregedoria de SP, seu salário como delegado é de R$ 10.470 mensais líquidos, mas ele fatura R$ 500 mil por ano com um canal no YouTube que tem 3,66 milhões de inscritos. Gasta R$ 14 mil por mês com a equipe de filmagens.
O sucesso desses canais é tanto que a corporação, que antes fazia vista grossa, agora anda incomodada e tenta limitar o alcance desses influencers de farda e arma na mão.
Da Cunha, por exemplo, está sendo investigado agora por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.
Mas, para fugir das regras, muitos deles estão deixando o serviço. Foi o que aconteceu com Gabriel Monteiro, outro policial youtuber muito conhecido. Ele foi expulso da Polícia Militar do Rio de Janeiro, readmitido e logo pediu para sair. Na última eleição, foi eleito um dos vereadores mais votados da história da cidade e hoje usa do cargo para chama a atenção com supostas fiscalizações agressivas a órgãos públicos.