"É verdade esse bilete"

A psicologia explica por que acreditamos em notícias falsas do WhatsApp

Bruna Souza Cruz Do UOL, em São Paulo iStock

Se está na internet, é verdade? Em 2018, essa máxima foi atualizada para: se recebi no WhatsApp, deve ser verdade. O ano da eleição presidencial no Brasil deu novos contornos à desinformação, que virou uma arma eleitoral e teve o nosso mensageiro mais querido como grande aliado.

Foram mais de 4,5 milhões de notícias falsas espalhadas apenas entre julho e setembro. Desse total, 2,2 milhões eram sobre política, outras tantas eram sobre temas de saúde, como vacinas, e promessas de dinheiro fácil, segundo relatório da empresa de cibersegurança PSafe.

Estudos provaram que, uma vez que o boato é lançado na rede, é muito difícil conter o seu impacto. Quem acreditou vai continuar acreditando --na maioria das vezes, não há checagem profissional que salve.

E há uma explicação psicológica para isso.

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São tantos sentimentos...

As notícias falsas geram diferentes e intensos sentimentos em quem as recebe --os mais comuns são raiva, surpresa, indignação, repulsa. A estratégica de propagação de boatos é aproveitar dessas nossas reações para nos influenciar.

Em vez de disseminar feitos e propostas, as campanhas políticas passaram a investir para distribuição de mensagens difamatórias contra os adversários, exatamente por que numa eleição qualquer informação é facilmente desconstruída, mas as fofocas pegam.

As notícias falsas são capazes de confirmar nossas fantasias mais básicas, como as de perseguição, conspiração, megalomania, ciúmes. Toda vez que isso é feito temos um sentimento reassegurador de que, em meio ao caos, incerteza e complexidade do mundo, no fundo 'eu sabia'

Christian Ingo Lenz Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP

A engrenagem humana

A gente acredita no que a gente já acreditava

Nós temos a tendência de reforçar as nossas próprias crenças e a desconsiderar opiniões divergentes. Se o grupo é de direita e você é de esquerda, você cai fora (e vice-versa). Se o grupo diverge sobre um tema, é mais fácil vazar do que ficar brigando. Então, é esperado que algumas pessoas acreditem em notícias que digam o que elas querem ouvir, mesmo que a mensagem seja absurda.

Ela é "estudada", então fala a verdade

Segundo a psicologia, também acreditamos mais em quem está em uma posição hierárquica considerada superior. Ou que fala e escreve com essa autoridade. Você deve conhecer alguém que parece saber o que está dizendo. Isso serve para relações entre pais e filhos, familiares, chefes e funcionários, políticos e eleitores. O ambiente virtual representa o que acontece fora dele.

A fake news reforça ideias pré-existentes. Caso um fumante receba uma mensagem dizendo que fumar dá câncer, provavelmente vai buscar subterfúgios para discordar: 'Ah! Eu tenho um tio tem 90 anos que fumou a vida inteira e não morreu. Esse cara que falou isso é mentiroso'

Marcelo Luis Barbosa dos Santos, pesquisador na Universidade Finis Terrae (Chile) e consultor em Tecnologias de Comunicação e Democracia

Se fala mal, a pessoa acredita mesmo que se desminta. Mas quando a notícia é boa e o UOL corrige, a pessoa confia porque já pensa que política não pode ter notícia boa. A correção não altera de forma expressiva a crença, mas deixa as pessoas mais céticas à verdade

Felipe Nunes dos Santos, pesquisador da UFMG e autor do estudo sobre impacto da checagem nas fake news

Baixa auto-estima da nação

O complexo de vira-lata do brasileiro é real e reflete-se na política, afirma Andréa Jotta, psicóloga do laboratório de estudos de psicologia e tecnologias da informação e comunicação da PUC-SP.

Culturalmente, o brasileiro é aquele que não valoriza o próprio o país. Tudo de fora é melhor. A expressão "complexo de vira-lata" foi usada por Nelson Rodrigues e define a inferioridade da nação perante ao resto do mundo. Acredita-se que ela tenha surgido após da derrota desastrosa do Brasil na final da Copa de 1950.

Aliado a isso, há uma necessidade de heróis salvadores. Sabe aquele sentimento forte de que precisamos de alguém que vai conseguir resolver todos os problemas, que vai acabar com a corrupção e vai melhorar a saúde? Só um herói (ou alguém com essa representatividade) teria a capacidade e os poderes mágicos para resolver tamanha bagunça. Isso é uma construção social.

Por isso, um candidato que se coloque na posição de liderança, de autoridade, consegue convencer, explica Jotta. Nessa linha, muitas notícias falsas são criadas propositalmente para se aproveitar dessa necessidade.

Quem eu admiro também só fala a verdade

Você acredita que a uva passa no arroz é a melhor coisa do mundo, mas tem vergonha de dizer. Quando alguém que você confia e admira defende isso publicamente, o que acontece? Uns continuam escondendo que concordam, mas uma parcela se sente representada, livre e autorizada a sair "do esconderijo".

Essa relação de influência pode ser exercita sobre qualquer assunto. Do futebol a questões políticas. Artistas, celebridades, youtuber, políticos tem mais voz em processos assim.

Todo mundo está falando. Não tem como ser mentira

É muito mais difícil questionar um assunto se muitas pessoas estão falando sobre ele.

A fake news no Brasil via internet utiliza uma estratégia muito boa de marketing. Muitas delas são disparadas ao mesmo tempo em diferentes canais de informação. WhatsApp, Facebook, Twitter, sites. Para a viralização da informação falsa, é um pulo. Questionar a veracidade de fotos, vídeos, áudios diante da velocidade com que elas se propagavam é até difícil, pois parece tudo verdade.

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A culpa é sempre do outro

Existe um conceito na comunicação chamado third person effect (efeito de terceira pessoa), que também nos ajuda a entender o poder da desinformação. É a personificação do "Não caio nessa. Nenhuma notícia falsa vai me atingir".

O efeito de terceira pessoa é uma linha de estudo que diz que tendemos a achar que anúncios e mensagens persuasivas disparadas em massa não nos afetam. O impactado é sempre o outro.

A mesma coisa acontece com as mentiras espalhadas nos grupos de WhatsApp. Ninguém acha que cai nesse papo, mas elas não param de se espalhar e influenciar os debates.

O motor da mentira no mundo virtual é complexo, e as estratégias de convencimento são poderosas.

O WhatsApp é a bola da vez

O lance no WhatsApp é que ele é rede social fechada, onde você troca mensagens e ninguém as vê. Só no Brasil, o serviço tem mais de 120 milhões de brasileiros todos os dias. Concorda que ele é realmente um ótimo meio para espalhar boatos?

O WhatsApp serve para tudo: passar piada, fake news, conversar com os outros. Ele é como se fosse a internet toda para um nicho de pessoas, que só tem aceso a ele

Andréa Jotta, psicóloga da PUC-SP

Temos salvação?

"Nossa vulnerabilidade subjetiva passa por esta nova forma de linguagem envolve rapidez e seletividade de leitura, impessoalidade e horizontalização de parâmetros de autoridade", lembra Dunker.

Claro, a culpa não é da tecnologia. Mas ela potencializa e ajuda a propagar muitas das nossas "loucuras". Os padrões de comportamento do ser humano podem muito bem ser usados para diversos interesses, especialmente no marketing e na política. Por isso, é preciso, cada vez mais, nos alfabetizarmos digitalmente. 

Jotta defende que, no Brasil, existe uma falta de estímulo ao desenvolvimento de senso crítico da população. O que piora tudo, pois só pela educação e amadurecimento desse aspecto questionador é que o problema pode ser amenizado, segundo ela.

Cabe a todos que têm acesso, o papel de questionar um fato, pesquisar se ele é verdadeiro e replicar os aprendizados.

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