A primeira vez que minha avó falou sobre o pai dela também foi a última. Dono de alambique, um dia bebeu muito e, com o cair da noite, deitou-se na beira de um riacho para nunca mais levantar. Sem dizer quantos anos ele tinha, se tinha morrido faz tempo ou onde tudo aconteceu, dona Luzia dos Anjos Freitas, 94 anos, encerrou assim a história do antepassado mais longínquo de que tenho notícia.
Casos como o meu são uma maldição a que está fadada boa parte dos afrodescendentes do país. Bisnetos e tataranetos dos africanos sequestrados de suas terras na maior migração já vista na história da humanidade, eu e 56% do país, ou seja, aqueles que se autodeclaram negros, compartilhamos de um passado inexplorado — afinal, o Estado brasileiro despiu essas pessoas de sua história, cultura e etnia e se dedica com afinco ao esquecimento de suas memórias.
Há, porém, uma lembrança difícil de apagar: aquela transmitida de geração em geração no genoma de cada ser humano. Aproveitando que nunca foi tão barato e fácil obter uma análise do próprio DNA no Brasil, Tilt distribuiu testes genéticos para 20 personalidades descobrirem, no projeto Origens, as regiões do mundo de onde saíram seus materiais genéticos.
Do vereador paulistano Fernando Holiday à ex-ginasta olímpica Daiane dos Santos, e do sambista Péricles às jornalistas Maju Coutinho e Aline Midlej e às escritoras Conceição Evaristo e Eliana Alves Cruz, todos disseram que conhecer origens há tanto esquecidas transmite uma sensação incomparável de pertencimento.