Demônios, dragões e vampiros: os eclipses solares despertam imaginação
Um dragão comeu o Sol - ou talvez tenha sido um sapo gigante ou mesmo um demônio... Quem sabe um vampiro? Quando o céu escurecia em pleno dia, as sociedades antigas atribuíam os eclipses solares --como o que vai ocorrer nesta segunda-feira (21) e poderá ser visto de forma parcial no Brasil-- às mais vorazes criaturas.
Antes de desenvolverem a ciência, os humanos se valiam de superstições para explicar fenômenos aterrorizantes como a noite repentina em pleno dia, a queda das temperaturas e o silêncio dos pássaros durante um eclipse total do Sol.
Durante a antiguidade na China, as pessoas batiam panelas para assustar o dragão que havia engolido o Sol. Os aborígenes australianos tinham um xamã que lançava pedras sagradas e bumerangues no demônio.
"Em geral, na era pré-científica os eclipses solares eram considerados um mau agouro", comenta Robert Massey, diretor-executivo interino da Real Sociedade Astronômica de Londres.
"Isso não é surpreendente; se não sabiam o que estava acontecendo, é fácil imaginar porque se preocupavam tanto", disse à AFP.
Quando se pôde prever de maneira precisa o trajeto da Lua em torno da Terra e desta em torno do Sol, e as distâncias entre os três corpos, os eclipses totais se tornaram menos alarmantes.
Mas este processo levou milênios.
Os eclipses solares totais são um enigma difícil de se resolver, já que, para que estes aconteçam, é necessário um alinhamento raro entre o Sol, a Lua e a Terra.
A Lua orbita a Terra em um ângulo ligeiramente inclinado, de modo que, na maioria das vezes, passa ou muito em cima ou muito embaixo para cobrir o Sol.
Mas mais ou menos uma vez a cada 18 meses, nosso satélite passa no plano exato para bloquear a luz do Sol e projetar a sombra sobre nosso planeta.
Caçadores de eclipses
Para observar duas vezes o fenômeno no mesmo lugar, é necessário esperar centenas de anos, o que complicava os primeiros esforços para decifrar estes acontecimentos.
Segundo os registros, há 4.000 anos já haviam sido feitas várias tentativas, muitas das quais fracassaram.
Os estudiosos chineses Hi e Ho, conhecidos como os "astrônomos bêbados", foram executados por ordem do imperador quando falharam em prever um eclipse no ano 2137 a.C.
O historiador grego Heródoto assegurou que o filósofo Tales de Mileto previu um eclipse em 585 a.C. que paralisou uma sangrenta batalha. Os astrônomos modernos duvidam que fosse possível fazer este tipo de cálculos naquela época.
Mas à medida que o conhecimento avançou, as previsões dos eclipses ganharam em exatidão, já na Idade Média.
"No Renascimento, definitivamente desde a invenção do telescópio e com o trabalho de Copérnico, é difícil acreditar que houvesse muita gente que ainda considerasse os eclipses como um evento particularmente aterrador", indicou Massey.
O astrônomo Nicolau Copérnico, que morreu em 1543, formulou um mapa do universo com o Sol, e não a Terra, em seu centro.
Nos séculos 17 e 18, os astrônomos Johannes Kepler, Isaac Newton e Edmond Halley puderam determinar a mecânica do Sistema Solar.
Isto tornou possível prever em que parte da Terra determinado eclipse seria visível, abrindo uma nova era de caçadores de eclipses.
Durante centenas de anos, os eclipses foram a única forma de observar a atmosfera do Sol, sua coroa, e para aprender sobre sua temperatura, sua composição e suas propriedades magnéticas.
A coroa, que é invisível pelo brilho do próprio Sol, aparece durante os eclipses como anéis de luz em volta do disco negro provocado pela sobreposição da Lua.
"Aterrorizantes"
Atualmente os cientistas podem usar instrumentos como o coronógrafo para este estudo.
"No entanto, um fenômeno denominado difração borra a luz perto do disco no coronógrafo, o que faz com que seja difícil obter fotos nítidas das partes internas da coroa", segundo a Nasa.
"Assim, os eclipses solares totais continuam sendo a única oportunidade de estudar estas regiões de forma muito detalhada sob a luz visível", indicou.
Em 1919, um eclipse total permitiu ao astrônomo britânico Arthur Eddington confirmar a teoria geral da relatividade de Albert Einstein.
Equipes implementadas no Brasil e na Ilha do Príncipe compararam a posição das estrelas perto do Sol com fotografias anteriores das localizações, concluindo que a gravidade do Sol curva a luz quando passa, como havia indicado Einstein.
Atualmente, os cientistas podem prever eclipses com uma precisão de menos de um segundo, de acordo com a ESA (Agência Espacial Europeia).
"Os eclipses podem ser vistos como uma celebração do racionalismo", declarou a ESA em um documento.
A Nasa publicou em seu site uma lista de "equívocos sobre os eclipses" - entre eles, que o fenômeno cause danos aos fetos, envenene a comida que é cozinhada enquanto ocorrem e traga azar e doenças.
"Os eclipses solares totais são aterrorizantes, e sua coroa fantasmagórica esverdeada parece assustadora, de modo que é natural que as pessoas criem histórias de medo em torno deles", admitiu a agência espacial.
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