As pessoas que caçam objetos radioativos em prédios, lojas e estacionamentos
Tudo começou com um vídeo online. Andrew Walker assistiu a um colecionador de objetos radioativos ostentando itens com urânio que tinha adquirido ao longo dos anos. Para Walker, buscar tais peças no ambiente poderia ser um hobby pouco comum e interessante. Por isso, decidiu comprar um contador Geiger (equipamento que mede radiações).
Logo ele percebeu que a radioatividade está em toda parte. A primeira medição elevada que ele registrou foi no estacionamento de um restaurante fast-food mexicano em Idaho, nos EUA.
"Eu notei que, quando estacionamos, meu contador Geiger disparou", lembra ele. Algo por perto estava estimulando as minúsculas partículas subatômicas de radiação em quantidades acima do esperado - e, embora não tenha descoberto o que era, Walker registrou a atividade invisível. Depois disso, ele começou a procurar outros exemplos intrigantes.
Sua busca por objetos radioativos ainda é um hobby. Durante o dia, Walker é um projecionista de cinema e cineasta, e não um cientista. Mas ele curte dividir alguns de seus achados no Twitter e Instagram, onde discute a atividade com outros curiosos.
A radioatividade é algo com o qual convivemos constantemente - ela sempre está presente em quantidades relativamente pequenas e naturais. Ao redor do mundo, níveis acima da média de radioatividade são encontrados em várias praias e solos específicos, entre outros lugares.
Além disso, a maior parte do concreto é radioativo, embora seus níveis variem. Nos EUA, é possível testar o nível de gás radônio em sua casa - que se forma lentamente a partir de materiais de construção radioativos. Até o corpo humano é levemente radioativo, já que contém elementos como potássio-40, que se decompõe.
Walker vive em Bozeman, no estado de Montana, nos EUA. E ele descobriu um fato histórico curioso: escombros contendo pequenas quantidades de urânio e rádio foram misturados ao concreto usado em construções de Idaho. Ele se pergunta se não foi isso que provocou a reação no restaurante mexicano.
Cidades desertas
Walker gosta de planejar viagens a áreas próximas onde acredita que pode encontrar algum material interessante. Se isso acontece, ele então documenta sua descoberta. Há várias minas de urânio (e agora cidades desertas de mineração de urânio) nos EUA, e Walker visitou algumas delas em suas viagens.
Ele também começou a frequentar lojas de antiguidades. "Em todas por onde passei, sempre consegui encontrar algo radioativo", diz ele.
Esses itens incluem vidraçaria da "Vaseline" (uma marca de produtos à base de petróleo), que contém urânio e é de uma cor amarela-esverdeada impressionante. Ele também encontrou plásticos laranja-avermelhados e tigelas tingidas com uma tinta à base de urânio. As diretrizes do governo americano desaconselham o uso desses itens para manusear alimentos ou bebidas, embora o risco à saúde de simplesmente possuir tais objetos seja insignificante.
Há ainda relógios com uma tinta que brilha no escuro e contém rádio. Tais objetos são relativamente seguros, desde que não sejam desmontados, mas as mulheres que os produziam em fábricas muitas vezes seguravam os pincéis com os lábios. Elas acabaram ingerindo pequenas quantidades de tinta radioativa, o que as levou a desenvolver doenças graves, como câncer ósseo nas mandíbulas.
Por isso, Walker tenta não se colocar em situações de risco desnecessárias. Com relação à sua louça levemente radioativa, ele afirma: "Se as peças não fossem radioativas, eu provavelmente não as teria comigo, mas elas estão escondidas".
Ainda assim, seu novo hobby tem intrigado amigos e familiares. "Eles perguntam por que estou indo a esses lugares explorar essas coisas", conta com uma risada. "É algo que me interessa; é simplesmente fascinante".
Ele até encontrou alguns pontos de referência, incluindo prédios públicos como estações de trem, onde as telhas produzem níveis ligeiramente elevados de radioatividade - por terem sido feitos, provavelmente, com corantes ou esmaltes radioativos.
Contadores Geiger são fáceis de fazer - tão fáceis que, inclusive, alguns entusiastas montam os seus próprios equipamentos e buscam fontes de radioatividade para testá-los. Já Walker preferiu comprar um por US$ 1.300 (R$ 4.900), um medidor da RadEye que detecta radiação alfa, beta e gama.
O radiologista Nick Evans, da Universidade de Nottingham Trent, no Reino Unido, ressalta que a radioatividade pode ser medida de várias formas. Uma abordagem é observar a taxa de decomposição do núcleo do átomo ao longo do tempo; a unidade internacional usada para isso é o Becquerel. Mas alguns optam por medidas em Sieverts (na verdade, Microsieverts ou Millisieverts).
Essa última é a medida usada por Walker. Ele explica que a forma padrão de fazer a leitura é segurar o contador a um metro de distância da fonte para medir corretamente a radioatividade.
Alta energia
O que é fascinante nas expedições de Walker é a facilidade com que ele achou tantos exemplos radioativos. Evans diz que isso ocorre em parte por conta do legado de indústrias que capitalizaram a radioatividade até décadas após sua descoberta, no final do século 19. Ela rapidamente entrou na composição de novos produtos, estranhos e maravilhosos.
"Era muito, muito diferente do que qualquer coisa", diz Evans. "Era meio místico, e as pessoas obviamente queriam testar tudo o que pudessem com aquilo, até brincar, se quisessem".
Algumas das invenções dos fabricantes são incompreensíveis hoje. Por exemplo, o supositório radioativo, um tratamento lançado sem evidências científicas. Claro que há formas mais seguras de restaurar a normalidade de seu "vigor viril", como era anunciado. Mas esse não foi o único produto com uma dose de átomos se decompondo destinado a pacientes. Também havia a pasta de dente e o preservativo radioativos.
"Não tenho ideia do raciocínio por trás disso", diz Evans sobre o preservativo. "Eu tenho uma lata dele - não que eu os use, devo dizer".
E persiste ainda hoje a noção de que doses altas de radioatividade pode fazer bem ao corpo. Há um spa nos alpes austríacos de Bad Gastein onde as pessoas podem visitar túneis úmidos de uma antiga mina de ouro e suar para expelir suas doenças enquanto respiram o gás radônio.
Muitos cientistas queixam-se da desconfiança instintiva do público com relação a qualquer coisa radioativa. A ansiedade provocada é exagerada, argumentam alguns. De fato, perigos como a poluição não geram a mesma comoção, embora ela provoque a morte de milhões de pessoas por ano. Enquanto isso, um estudo descobriu que apenas 190 pessoas morreram entre 1980 e 2013 vítimas de superexposição à radiação.
Walker diz que muitos medos lhe parecem cada vez mais "irracionais" graças a suas explorações. Pois suas caminhadas e visitas a lojas de antiguidades mostram como a radioatividade é onipresente.
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