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De hacker a palestrante da Nasa, brasileiro estará na festa dos 50 anos da chegada do homem à Lua

Wanderley de Abreu Junior foi convidado a fazer um curso na Nasa depois de hackear sistema da agência espacial, aos 19 anos - Divulgação
Wanderley de Abreu Junior foi convidado a fazer um curso na Nasa depois de hackear sistema da agência espacial, aos 19 anos Imagem: Divulgação

Edison Veiga - De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

15/07/2019 10h35

Wanderley de Abreu Junior foi convidado a fazer curso na Nasa após invadir site da agência espacial americana em 1997.

Um recorrente meme que circula pelas redes sociais de tempos em tempos traz alguma inovação ou gambiarra tupiniquim e a provocativa legenda: "o brasileiro precisa ser estudado pela Nasa".

Wanderley de Abreu Junior parece ser a personificação literal disso, no bom sentido. Esse engenheiro mecatrônico e empresário carioca, hoje com 41 anos, tinha 12 quando ganhou um modem de aniversário dos pais. Computador ele já tinha um desde os 6 anos. O adolescente tornou-se um hacker. E, em 1997, aos 19, invadiu nada menos do que o sistema da Nasa, a agência espacial americana.

"Eles ligaram para meu pai, dizendo que haviam descoberto a invasão", recorda ele. Wanderley de Abreu, o pai, um engenheiro do Exército brasileiro, assustou-se com o telefonema. Deu bronca no filho, disse que ele seria preso ou, na melhor das hipóteses, jamais poderia pisar em solo norte-americano.

Mas a chamada telefônica não era uma ordem de prisão nem uma notificação de processo judicial. Era um convite: a Nasa queria saber mais do brasileiro. Na realidade, notando a invasão, decidiram convidar Abreu Junior para fazer um curso na instituição, uma espécie de rehab para hackers. Era uma troca: ele explicaria as fragilidades do sistema da Nasa, as falhas de segurança que possibilitavam que gente como ele hackeasse tudo. E aprenderia o que havia de mais moderno nos laboratórios de informática da agência.

Agora, 22 anos depois, Abreu Júnior é um dos participantes de evento organizado pela empresa Google em parceria com a Nasa para celebrar os 50 anos da chegada do homem à Lua, em Nova York, nos Estados Unidos. Ele vai fazer uma palestra no evento no próximo dia 19.

Como sua empresa, a Storm Group, já tem uma parceria com a Nasa - por meio de um programa que facilita a transferência de tecnologia para startups com o objetivo de criar produtos e serviços -, Abreu Junior vai apresentar exemplos de inovações criadas pela corrida espacial que, depois, foram incorporadas ao dia a dia das pessoas. Entre os exemplos, estão o teflon, o velcro, os óculos escuros com proteção ultravioleta, os sensores de incêndio e os monitores cardíacos.

Ele conversou com a reportagem da BBC News Brasil:

BBC News Brasil - A palestra será aberta ao público em geral? Será possível assistir online?

Wanderley de Abreu Junior - Infelizmente, não. O evento será fechado para uma plateia de cerca de 200 pessoas convidadas pelos organizadores - o Google, a Nasa e a Organização das Nações Unidas.

BBC News Brasil - Em que consiste a parceria de sua empresa com a Nasa?

Abreu Junior - A Nasa lançou um programa para facilitar a transferência de tecnologia para startups, com o objetivo de criar produtos e serviços por meio de licenciamento de patentes. Esse acordo foi assinado com a New York Space Alliance (NYSA), responsável por selecionar as startups que farão parte da iniciativa. E nós fomos uma dessas empresas selecionadas para participar do programa.

BBC News Brasil - Você foi um hacker durante a adolescência, tendo invadido diversos sistemas, do Detran ao site da Nasa. De que maneira ter sido hacker ajudou na sua vida profissional hoje?

Abreu Junior - Isso me ajudou quando montei a minha empresa, a Storm, por conta da reputação que eu tinha. Mas, de fato, tudo começou quando ainda estava na faculdade. Eu fazia engenharia mecatrônica (voltada para a criação de projetos de sistemas eletromecânicos automatizados, controlados por computador) no Rio e trabalhava com segurança e tecnologia. Por um tempo, estagiei no Ministério Público do Rio de Janeiro, ajudando a procurar pedófilos e outros criminosos na internet. Comecei a me especializar e, quando percebi, atuava em uma área que nenhuma empresa no Brasil atendia. Foi esse o impulso para abrir a Storm.

BBC News Brasil - Como foi ter invadido a Nasa?

Abreu Junior - Foi em 1997. Minha galera entrava no IRC, que era um tipo de webchat. O domínio de onde você estava entrando aparecia no nome de usuário, e o status do negócio era entrar com um domínio poderoso, como Nasa.gov ou Pentagon.mil. Em alguns acessos eu tinha máquinas em todos os top level domains: .br, .edu., .gov, .mil, .mil.br. Tinha para mais de 10 mil máquinas hackeadas. Estabeleci metas cada vez mais complicadas, até que comecei a mirar no BlueMountain, um supercomputador do governo americano. Eu sabia que um dos caras do Flight Center da Nasa tinha acesso a ele. Então eu "sniffei" a rede, ou seja, decodifiquei as senhas, e dei a sorte de ele se logar no BlueMountain. Instalei no supercomputador um sistema chamado SETI@home, cujo objetivo era procurar extraterrestres.

BBC News Brasil - Extraterrestres?

Abreu Junior - Eu não tinha nenhum interesse excepcional por ETs, só queria ser notado de alguma forma. Esse programinha fica rodando na máquina, processando pacotes, e tinha um campeonato para ver quem processava mais. Só que um dia eu tinha mais pacotes rodando no BlueMountain do que a IBM inteira.

BBC News Brasil - E você interferiu em mais alguma coisa no sistema da Nasa?

Abreu Junior - Apenas coloquei o sistema SETI@home, de busca de extraterrestres. Não mexi em nada nem fui atrás de informações importantes. Acho inclusive que foi por isso que acabei sendo chamado para fazer o curso e para me aproximar deles. Eles descobriram a invasão, fizeram contato e chamaram para o curso, que durou três meses e foi focado em proteção de sistemas. Uma espécie de "reabilitação para hackers".

BBC News Brasil - Como foi esse primeiro contato com a Nasa?

Abreu Junior - Quando o governo americano descobriu, eu tinha 19 anos e já era estudante da primeira turma de engenharia mecatrônica da PUC-Rio. Foi meu pai quem atendeu a chamada da agente americana. Ela explicou o que eu havia feito, e fez uma proposta: "A gente tem um programa para garotos como ele. Ele vem para cá, aponta quais foram as falhas que permitiram que ele invadisse os computadores e conserta o que fez.

Mas também visita o laboratório de Los Alamos e Maryland, faz um curso e sai com um certificado da Nasa". É óbvio que meu pai brigou comigo, disse que eu ia ser preso, ou pior, não ia poder entrar nos Estados Unidos para estudar. Mas foi bom para mim. Só que vale deixar bem claro que antigamente não tinha nenhuma lei que dissesse: "Você não pode acessar esse computador". Depois criaram o Digital Millennium Copyright Act, que estabeleceu os crimes cibernéticos, teve o 11 de Setembro. Hoje em dia, se você hackear a Nasa vai ser preso.

BBC News Brasil - De forma geral, como você vê a atuação dos hackers contemporâneos brasileiros, hoje?

Abreu Junior - A cena hacker se tornou bem mais ampla do que era há vinte anos. Sites como wikileaks comprovam a importância deste movimento nos dias de hoje. Ao passo que os próprios governos mantém equipes de "black hats", que são os "hackers do mal", para proteção e espionagem.

BBC News Brasil - O termo hacker está em evidência atualmente no Brasil por conta de uma questão de ordem política (o vazamento de suposto conteúdo de mensagens de autoridades judiciais brasileiras, entre elas o atual ministro da Justiça, quando ainda era juiz federal). Gostaria de saber sua opinião sobre a atuação de hackers como um todo: de que maneira eles podem atuar como ativistas, em busca de transparência e, até mesmo, de forma investigativa? Qual o limiar entre o ativismo e a criminalidade, em sua opinião?

Abreu Junior - Na essência, as duas atividades constituem práticas criminosas. Contudo, neste caso, o "hackerativismo" constitui-se em divulgar informações relevantes à sociedade, que foram escondidas por seus autores de forma gratuita e irrestrita. É diferente do criminoso comum, que se vale de chantagem para obter vantagens com estas informações, que são pessoais e privadas, como os nudes por exemplo.

BBC News Brasil - Como surgiu o convite para palestrar nas comemorações dos 50 anos da chegada do Homem à Lua?

Abreu Junior - Minha empresa faz parte de programa de transferência de tecnologia para startups, com o objetivo de criar produtos e serviços por meio do licenciamento de patentes da agência espacial americana. Um de nossos projetos foi selecionado para representar esta parceria, o software NeuroScan, que combina uma série de soluções de inteligência artificial e visão computacional com tecnologia baseada na Nasa, usando recursos da nuvem para construir uma enorme e poderosa base de dados de padrões e conteúdo de busca. Também tem solução incorporada para mercados de conteúdo de mídia para marca d'água e rastreamento de distribuição de conteúdo ilegal.

BBC News Brasil - Na sua palestra, você vai falar sobre como tecnologias desenvolvidas na corrida espacial acabaram, depois, sendo incorporadas ao dia a dia das pessoas. Poderia dar alguns exemplos desses produtos?

Abreu Junior - Podemos citar diversas tecnologias desenvolvidas e/ou aperfeiçoadas para viabilizar a chegada do Homem à Lua, entre elas: óculos escuros com proteção ultravioleta, teflon, velcro, substituição das válvulas por transistores, e na sequência os circuitos integrados, alimentos desidratados e congelados, monitores cardíacos, roupas antichamas, sensores de incêndio e tintas e revestimentos à prova de fogo.

O velcro, hoje em dia algo trivial e em todos os lugares, foi fundamental na corrida espacial, pois na ausência de gravidade todos os objetos precisavam estar fixados, inclusive para evitar acidentes.

O teflon, famoso por estar nas frigideiras, foi importantíssimo: revestia a pintura da nave e a roupa dos astronautas, pois é uma substância que isola o calor - estava apresente também revestindo o cabeamento das naves e para vedações, pois é à prova de corrosões. O monitor cardíaco, autoexplicativo, era a forma de acompanhar a saúde dos astronautas - hoje em dia, tão aprimorados, estão no pulso das pessoas.

BBC News Brasil - Em sua opinião, qual desses avanços tecnológicos é o mais importante para a vida contemporânea?

Abreu Junior - Eu citaria os avanços da microeletrônica. Resultaram em celulares e aplicativos. Foram a base para todos os avanços tecnológicos que temos atualmente.

BBC News Brasil - De acordo com suas pesquisas, qual avanço tecnológico desenvolvido na corrida espacial que poderia ter sido incorporado ao dia a dia da população mas acabou não sendo?

Abreu Junior - Apesar dos inúmeros avanços incorporados ao dia a dia da população, como a popularização dos microssatélites, causada pelo barateamento dos custos de colocá-los em órbita, a tecnologia de propulsão de foguetes e o turismo espacial ainda não estão disponíveis para a população em geral ou para empresas.