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Cientista juntou mais de um milhão de besouros para formar coleção do Museu Nacional

O entomologista Miguel Monné dentro do maior armário compactador da coleção de insetos que ficava no Museu Nacional - Marcela Monné/Divulgação/Estadão Conteúdo
O entomologista Miguel Monné dentro do maior armário compactador da coleção de insetos que ficava no Museu Nacional Imagem: Marcela Monné/Divulgação/Estadão Conteúdo

Giovana Girardi

Em São Paulo

11/09/2018 13h17

No começo dos anos 1990, o pesquisador Miguel Monné cumpria uma agenda rigorosa aos fins de semana. Ele ia até a casa do amigo Carlos Alberto Seabra na Praia do Flamengo e cuidadosamente transferia besouros, abelhas, gafanhotos e percevejos da coleção do médico apaixonado por insetos para caixas que seriam levadas para o Museu Nacional.

O trabalho levou três anos, rendeu a Monné calos nas pontas do polegar e do indicador - que ele gosta de mostrar, lembrando a árdua tarefa de puxar e espetar os alfinetes em cerca de 1,5 milhão de bichos - e foi o que deu impulso para que a coleção de entomologia do museu carioca se tornasse uma das maiores da América Latina.

Atualmente com cerca de 5 milhões de exemplares, representava um quarto dos 20 milhões de itens abrigados no museu. A coleção estava em sua maior parte em dois armários compactadores dentro do palácio que sucumbiu com o incêndio no dia 2. Há pouca esperança de que algo tenha se salvado.

Talvez um pouco menos da metade da coleção era de besouros - cientificamente chamados de coleoptera, a especialidade de Monné -, muitos coletados por ele. Agrônomo de formação, o pesquisador uruguaio, hoje com 80 anos, se especializou em zoologia e em taxonomia. E foi no Museu Nacional, onde passou metade de sua vida, que ele fez carreira.

E herdeiros. Suas duas filhas se formaram em Biologia e a mais nova, Marcela, de 47 anos, é hoje curadora da coleção de coleoptera. Foi ela que conversou com o Estado sobre como a história do pai e de sua família se mistura à do museu. Ainda abalado com o incêndio, Monné não está atendendo à imprensa, mas já pensa com Marcela em planos para continuar.

"É um sentimento de luto, de tristeza profunda, com um pouco de raiva. Não é só nosso local de trabalho. É um patrimônio do Brasil. Tínhamos o privilégio de estar lá todos os dias", conta Marcela. "Ele me disse: 'Eu tenho 80 anos, minha preocupação é com a nova geração, que tinha possibilidades incríveis de estudo nesse acervo e que agora se perdeu", afirma. "Ele sente muito pelo trabalho da vida, mas considera que não era algo dele, era para todos, para a ciência."

Tesouro

Foi nas pesquisas feitas com a ajuda da coleção, explica Marcela, que se descobriu, por exemplo, que cerca de 30% das espécies animais que existem no País são de besouros. "A coleção tinha espécies ameaçadas de extinção e exemplares que o professor Monné e Seabra coletaram em locais que hoje estão devastados, não existem mais como matas. Tem cidade em cima. No museu tinha material coletado há 50 anos. É um registro histórico único", diz a pesquisadora.

Muitos exemplares armazenados ainda não tinham nem sequer sido identificados. "Não só de besouros, mas também de outros grupos. Poderiam ser algumas milhares de novas espécies para a ciência."

A grande preocupação de pai e filha agora é conseguirem, com a comunidade científica do museu, se reerguer. "O que precisamos é de um prédio próprio seguro, para poder continuar realizando nossas pesquisas." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.