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Da previsão do tempo a estudo de satélites: como a ciência usa balões

Soldado dos EUA soltando balão meteorológico de navio - Marinha dos EUA
Soldado dos EUA soltando balão meteorológico de navio Imagem: Marinha dos EUA

Leon Ferrari

06/03/2023 09h59

Nas últimas semanas, China e Estados Unidos trocaram acusações de espionagem, mas com um tipo de espião um pouco inusitado: um balão. Um objeto inflável chinês foi detectado e derrubado no espaço aéreo americano. Posteriormente, o país asiático, além de negar a prática ilegal, disse que vários desses artefatos vindos EUA já foram avistados sobrevoando seu território.

Se, de fato, os balões foram usados para espionagem não está claro, mas a importância desses artefatos para ciência, por outro lado, é incontestável.

Mais baratos e versáteis, podem ser usados por diversas áreas, da meteorologia à engenharia, ajudando a coletar dados da troposfera e, até mesmo, da estratosfera. O uso mais corriqueiro desses instrumentos pela ciência traz um resultado que usufruímos diariamente: a previsão do tempo.

Cientistas usam balões meteorológicos, de látex e enchidos com gás hélio, que costumam ter uma sobrevida de algumas horas antes de estourar (de 3 a 6, em geral), para coletar dados da troposfera (camada mais baixa da atmosfera terrestre, que vai até cerca de 15 km, onde ocorrem os fenômenos meteorológicos), com uma radiossonda acoplada no objeto flutuante.

A sonda recolhe dados sobre temperatura, umidade e vento. "Essas informações meteorológicas obtidas no perfil da superfície até mais ou menos 10, 12 quilômetros são importantes para iniciação de modelos meteorológicos, que hoje também contam com as informações de satélite com dados de alta resolução.

São informações muito importantes para previsão do tempo, por exemplo, mas também localmente para determinar as condições atmosféricas de estabilidade e instabilidade que vai conduzir a chuva", afirma o professor Augusto José Pereira Filho, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

A Estação Meteorológica de Altitude (EMA), de responsabilidade da Força Aérea Brasileira (FAB), localizada no Aeroporto do Campo de Marte, em São Paulo, por exemplo, lança diariamente dois balões: às 9h e às 21h.

"A finalidade das sondagens é realizar a observação do ar superior, para que possam ser emitidos alertas em situações necessárias, como em casos de formações de gelo e de ventos fortes em altitude", explicou o Comando da Aeronáutica, em nota.

O tamanho do balão utilizado é de 1,5 metro, quando inflado em superfície, e ele pesa cerca de 2 quilos com a radiossondagem. Feito de um material chamado neoprene, alcança altitudes próximas a 30 quilômetros.

O equipamento é inflado com gás hidrogênio, em vez de hélio, de acordo com o Comando da Aeronáutica. O que faz os balões voarem é a força de empuxo, que resulta da diferença entre a massa de ar deslocada e a massa total do objeto. "O balão (meteorológico) quando está aqui na superfície tem o tamanho de alguns metros cúbicos, mas quando chega lá na estratosfera fica tão grande que acaba explodindo e caindo", diz Pereira Filho.

E antes que você se desespere, pensando que uma radiossonda - ou outro instrumento de medição científica - em alta velocidade possa cair na cabeça de alguém, dentro do balão há um paraquedas esticado. Quando o balão atinge o tamanho máximo e estoura, o paraquedas fica livre, abre e reduz a velocidade de queda da carga, embora, mesmo sem esse recurso, a chance de atingir uma pessoa seja baixa.

Além da meteorologia

Embora os balões meteorológicos sejam os mais comuns e lançados diariamente, outras áreas podem se beneficiar de dados coletados por esse tipo de objeto.

O engenheiro Marcus Cisotto, da Divisão de Pequenos Satélites, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), conta que sua equipe usa balões para testar cargas úteis que serão utilizadas, depois, em nanossatélites. "É muito mais barato fazer um teste utilizando balão do que um satélite", afirma. Ele diz que o último pode ser 100 vezes mais caro do que o primeiro.

Ilustração da Nasa mostra possível visual do balão de 150 m de largura ascendendo à atmosfera - Laboratório de imagem conceitual do Centro Goddard de Vôos Espaciais da Nasa / Michael Lentz - Laboratório de imagem conceitual do Centro Goddard de Vôos Espaciais da Nasa / Michael Lentz
Ilustração da Nasa mostra possível visual do balão de 150 m de largura ascendendo à atmosfera
Imagem: Laboratório de imagem conceitual do Centro Goddard de Vôos Espaciais da Nasa / Michael Lentz

A agência espacial americana (Nasa) tem um departamento específico para coletar dados espaciais e terrestres, o Balloon Program Office. Eles, porém, utilizam outros tipos de balão que não o meteorológico, os de pressão zero (abertos na parte inferior e com dutos abertos pendurados nas laterais para permitir que o gás escape e evitar a pressão dentro do balão) e os de superpressão (completamente selados sem dutos abertos). Eles são feitos de polietileno, uma espécie de plástico fino.

Enquanto os meteorológicos têm a capacidade de elevar cargas entre 1 e 3 kg, esses outros tipos podem conseguir levantar quase 4 toneladas, carregando instrumentos maiores, como telescópios, por exemplo.

A duração antes de explodir varia de 3 horas até cem dias, a depender do tipo de missão e tamanho (além, claro, das condições que enfrentará durante o voo). Capaz de cruzar fronteiras e durar uma série de dias no céu, o balão chinês muito provavelmente é do tipo pressão zero, conforme especialistas ouvidos pelo Estadão.

Em relação à não comunicação da perda de controle do objeto pelos cientistas asiáticos (algo possível e ligado às limitações deles), eles classificam o evento como "raro".

Limitações

Os balões, enquanto instrumento científico, apresentam algumas limitações. O trajeto que seguem é determinado pelas correntes que existem na atmosfera. Mesmo com grande conhecimento das condições atmosféricas, existe um grande grau de incerteza sobre os caminhos que eles vão seguir.

"O mecanismo (deles) é subir e descer. Esses balões não têm aerodinâmica para voar, são feitos para flutuar", afirma Cisotto, do Inpe. Como, em geral, há interesse em recolher a carga útil do balão, sistemas de localização são acoplados, como o GPS. Em balões maiores, há mecanismo para destruí-los por meio de telecomando, caso não sigam a rota pretendida.

No caso de balões meteorológicos, conforme Pereira Filho, professor da USP, outra limitação ocorre quando o objeto adentra nuvens. "A nuvem tem mais umidade dentro dela e isso pode alterar as medições."

Regras

Soltar balão no Brasil é considerado crime. Em 2017, a Força Aérea Brasileira informou, em seu site, que a soltura desses objetos coloca em risco as aeronaves e pode ser enquadrada como crime conforme estabelecido no artigo 261 do Código Penal. A prática também pode ser considerada crime ambiental à luz do artigo 42 da Lei de Crimes Ambientais.

Em nota, o Comando da Aeronáutica explicou que, com "exceção dos balões utilizados exclusivamente para fins meteorológicos, que obedecem às disposições previstas em legislação específica, nenhum balão livre não tripulado deverá ser operado sem a aprovação prévia do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea)".

"No que se refere à aplicação de sanções ao usuário que descumpra a legislação vigente, o Comando da Aeronáutica, por meio da Junta de Julgamento da Aeronáutica (JJAER), e após o devido processo administrativo, possui a competência para aplicar multas e suspensões", disse o comando.

"Caso a presença de balões livres não-autorizados pelo Decea venha a causar perigos para terceiros, a FAB tem a competência para iniciar as Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo Brasileiro." Cisotto conta que, para os lançamentos feitos por sua equipe, é preciso pedir autorização ao Centro Regional de Controle do Espaço (CRCEA) e à coordenação com o Aeroporto de São José dos Campos, próximo do local de lançamentos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.