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Conheça a história de Henry Bates, naturalista que passou 11 anos na floresta amazônica

Por Sean B. Carroll*

The New York Times

19/02/2010 19h54

No verão de 1859, um inglês chamado Henry Walter Bates voltou para casa após 11 anos se aventurando pela vasta floresta amazônica, trazendo espécimes de mais de 14 mil espécies que havia coletado.
Seu timing foi misterioso. Assim que Bates dedicou-se a organizar e descrever sua enorme coleção, foi publicada a obra “A Origem das Espécies”, de Darwin, o que deu a Bates uma ideia completamente nova sobre o que ele tinha visto na selva.

Ele foi capaz de proporcionar algumas evidências novas e oportunas em favor da seleção natural, pois ela explicava um fenômeno que ele tinha observado bem de perto – que o intrigava, e continua a prender a atenção de naturalistas até hoje: a grande semelhança de alguns animais com objetos vivos ou inanimados.
É uma pena que o trabalho de Bates seja tão pouco conhecido, não só por seu valor, mas também por ter sido realizado a um custo pessoal considerável. Ele tinha viajado à América do Sul com Alfred Russel Wallace, que viveria para sempre à sombra de Darwin como a outra pessoa que desenvolveu a teoria da evolução pela seleção natural.

Bates e Wallace chegaram juntos ao Brasil em maio de 1848, mas se separaram depois de aproximadamente um ano explorando a Amazônia, supostamente para “cobrir um território maior”. Essa foi, provavelmente, uma forma cavalheiresca de dizer que, após uma convivência muito próxima, um irritou ao outro.
Depois de um ano sozinho, Bates quase desistiu. Ele não recebia dinheiro de seu agente na Inglaterra (que deveria vender os espécimes enviados por Bates da Amazônia). Suas roupas estavam em farrapos. Ele não tinha mais sapatos – “uma grande inconveniência em florestas tropicais”, apontou ele. E quase todo seu dinheiro tinha sido roubado.

Quando estava planejando deixar o Brasil, Bates contraiu a febre amarela e ficou doente demais para viajar. Isso foi sorte, tanto para Bates quanto para a ciência. Enquanto se recuperava, ele recebeu dinheiro de seu agente – junto a notícias de que suas coleções eram um sucesso na Inglaterra. Ele deu meia-volta e mergulhou na selva por mais oito anos.

Em seu retorno à Inglaterra e no encontro com a grande obra de Darwin, Bates logo descobriu que havia percebido algumas coisas que Darwin não mencionava, mas que poderiam sustentar a controversa nova teoria. Bates escreveu ao famoso naturalista: “Acho que tive um vislumbre do laboratório onde a Natureza fabrica suas novas espécies”.

Darwin ficou muito entusiasmado. A crítica vinha atacando “A Origem das Espécies”. Ele estava ansioso por ouvir quaisquer evidências recentes que esse audaz explorador, recém-regresso da vida selvagem da América do Sul, pudesse oferecer.

Em “A Origem das Espécies”, Darwin se apoiou fortemente na analogia entre a seleção artificial dos humanos, por traços desejáveis na criação de animais, e a seleção natural por características na vida selvagem. Agora Bates tinha um corpo de evidências completamente novo para a seleção natural selvagem.

Bates explicou a Darwin que havia descoberto muitas instâncias nas quais um animal, completamente inofensivo e comestível, lembrava alguma espécie repugnante, não-comestível, nociva ou venenosa. Ele observou moscas que se pareciam com abelhas, besouros que se pareciam com vespas, e até mesmo lagartas parecidas com víboras. Ele se referiu a isso como “semelhança análoga”, ou “analogia mimética”.

Bates deduziu que a mímica dos desprotegidos proporcionava uma vantagem, ao deixá-los parecidos com espécies que sabem se defender. Ele concluiu que os muitos casos que havia observado não eram meras coincidências, já que as formas imitantes somente ocorriam na mesma área geológica das espécies que imitavam. Ele considerou o fenômeno, chamado até hoje de mimetismo batesiano, “a prova mais maravilhosa da teoria de seleção natural”.

Alguns naturalistas, menos científicos e mais sentimentais, estavam inclinados a ver essas semelhanças entre espécies como uma mera tendência da natureza à beleza e ornamentação, e não a consequência da batalha da natureza. Bates os refutou apontando outros tipos de imitações, como mariposas e lagartas que se pareciam com dejetos de pássaros. Ele perguntou, onde está a beleza nisso?

Existem boas evidências experimentais para o mimetismo batesiano – e para as vantagens obtidas por animais inócuos que lembram outros mais bem protegidos. Porém, até recentemente, havia poucos testes sobre como realmente funcionaria a imitação de fezes de pássaro, espinhos, galhos ou rochas. O desafio é distinguir se a artimanha é uma questão de camuflagem, com o predador não sendo capaz de identificar o animal, ou um caso de disfarce, com o predador enxergando o imitador, identificando-o erroneamente como algo não-comestível e o ignorando.

Recentemente, os biólogos John Skelhorn e Graeme D. Ruxton, da Universidade de Glasgow, e seus colaboradores Hannah M. Rowland e Michael P. Speed, da Universidade de Liverpool, criaram um teste desse tipo usando as lagartas imitadoras de galhos da mariposa brimstone, e jovens mariposas de espinhos como presas.

Para que o disfarce funcionasse, um predador precisaria ter tido alguma experiência com os objetos sendo imitados. Assim, os cientistas dividiram jovens galinhas em diversos grupos – um grupo foi exposto a um ramo de espinheiro, que é um lar comum para elas. Outro grupo foi exposto a um galho de espinheiro que foi coberto de fios coloridos, para alterar sua aparência. Um terceiro grupo foi exposto apenas a uma jaula de testes vazia.

Em seguida os grupos foram, um após o outro, divididos em três – um recebendo uma única lagarta brimstone, um recebendo uma única lagarta de espinhos, e o terceiro recebendo um simples galho de espinheiro em jaulas antes vazias. Os pesquisadores mediram o tempo que levava para que os pintos – com diferentes experiências anteriores – atacassem as lagartas, ou bicassem o galho.

Mesmo quando as lagartas eram os únicos objetos à vista, as aves que haviam sido expostas a galhos de espinheiros demoraram muito mais para atacar as lagartas ou o galho, diversos minutos em média, comparado a apenas alguns segundos para as aves que não haviam encontrado o galho de espinheiro ou sido expostas ao galho embrulhado em fios coloridos.

O experimento demonstrou que as aves que tinham encontrado galhos de espinheiro identificaram erroneamente as lagartas disfarçadas como galhos, mesmo de perto e em plena vista. O disfarce parece ser uma estratégia de defesa bastante disseminada. Skelhorn e seus colegas apontaram que ao menos 50 espécies de mariposas e borboletas britânicas lembram objetos inanimados em algum ponto de seu ciclo de vida.

As criaturas da selva que encantaram Bates usam o que é hoje reconhecido como quatro estratégias distintas para não ser comido – mimetismo; camuflagem, conhecida como crypsis; a exibição de cores de advertência; e o disfarce em objetos não comestíveis.

Quando o artigo científico de Bates foi publicado, descrevendo diversos tipos de imitações, Darwin lhe disse que aquele era “um dos artigos mais impressionantes e admiráveis que já li em toda minha vida”, e que “isso terá um valor duradouro”. Um elogio profético, vindo daquele que talvez seja o naturalista mais lido daquele e de qualquer século.

*Sean B. Carroll, biólogo molecular e geneticista, é autor de “Remarkable Creatures: Epic Adventures in the Search for the Origin of Species” (Criaturas Admiráveis: Aventuras Épicas em Busca da Origem das Espécies, em tradução livre).
 

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