Personagens com apelo infantil atraem crianças para alimentos ricos em gordura e sódio, diz Idec
Empresas de alimentos usam o apelo de personagens infantis para atrair crianças para comidas que são gordurosas e que contêm muito sal. Todos os 44 produtos, de 26 marcas, analisados pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) utilizam esta tática e 37 apresentam quantidade elevada de nutrientes não saudáveis.
O instituto analisou, além da qualidade nutricional dos alimentos, a embalagem e constatou a falta de clareza nos rótulos.
Apesar de todos estarem corretos segundo as normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Idec ressalta que os produtos, por serem destinados a crianças, deveriam conter as informações nutricionais para os pequenos e não para adultos, seguir porções equivalentes nas diversas marcas e informar que o consumo excessivo de gordura, sódio e açúcar pode causar danos à saúde.
O consumo de alimentos com tais características nutricionais contribui para o aumento de peso e as doenças associadas à obesidade, como o diabetes tipo 2 e a hipertensão. Em 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Bolachas e macarrão instantâneo
Entre biscoitos, bolinhos, cereais matinais, pós para preparo de sobremesas, salgadinhos e macarrões instantâneos, estes últimos obtiveram os piores resultados, pois combinam elevadas quantidades de sal, gordura saturada e calorias.
Um pacote com 85 g de Nissin Miojo Lámen Turma da Mônica, por exemplo, tem 1.999 mg de sal (cinco vezes mais que o estabelecido como excessivo, proporcionalmente) e 7,6 g de gordura saturada. A embalagem ainda indica que uma porção do miojo representa 19% do total de energia que se deve consumir num dia; mas o dado é para adultos. Para uma criança de 6 anos, a porção do macarrão representa 25,8% das calorias. Por isso, é melhor pensar duas vezes antes de trocar a macarronada pelo miojo, ela é mais saudável e menos calórica.
“Apesar de a agência reguladora possuir referências de consumo diário de acordo com a faixa etária das crianças, lamentavelmente não obriga que as empresas as sigam para rotular os produtos destinados a elas”, reclama Silvia Vignola, sanitarista e coordenadora da pesquisa.
Em relação ao sódio, pelos critérios da Anvisa, o alimento é saudável se tiver 400 mg por 100 g do produto. No entanto, boa parte dos itens pesquisados, proporcionalmente, ultrapassa muito essa dose. É o caso dos salgadinhos (como Yokitos sabor queijo, que contém 190 mg em apenas 25 g) e dos cereais matinais (como Sucrilhos Kellogg’s, que tem 182 mg em uma porção de 30 g).
Gordura saturada e trans
No quesito gordura saturada, os principais vilões são os biscoitos e bolinhos. Ainda de acordo com a classificação da Anvisa, um alimento já é considerado rico em gorduras quando apresenta 5 g em 100 g do produto.
Um pacotinho de Passatempo lanchinho wafer sabor morango de 40 g, por exemplo, concentra 6,3 g de gordura. O bolinho Ana Maria de chocolate com recheio sabor baunilha não fica muito atrás: tem 5,6 g de gordura saturada em uma porção de 60 g (um bolinho e meio).
Os biscoitos Animal sabor chocolate e Nikito recheado sabor chocolate, além de gordura saturada, contêm gorduras trans em suas porções: 1,5 g (11 unidades) e 1,8 g em 30 g (3 unidades), respectivamente. Esse tipo de gordura é muito prejudicial à saúde, pois eleva os níveis de colesterol ruim – como faz a saturada – e diminui os de colesterol bom. A Anvisa estabelece que um alimento não é saudável se contiver 0,6 g de gorduras trans em 100 g.
Vignola afirma que devido a todos esses problemas, que começam com a desobrigação de indicar a quantidade de açúcar, as regras de rotulagem são insuficientes para garantir informação clara ao consumidor. “Embora as empresas atendam às normas da Anvisa, a apresentação das informações nutricionais é confusa e imprecisa, o que denota que a legislação necessita ser revista”, conclui.
A classificação do Idec usa o semáforo nutricional, (Traffic Light Labelling), proposto pela agência reguladora de alimentos do Reino Unido, que por meio das cores verde, amarela e vermelha indica se a quantidade de nutrientes presente no alimento é baixa, intermediária ou elevada.
Fonte de vitaminas
Mais um alerta do Instituto é que os pais não devem se iludir com expressões como ‘fonte de vitaminas’ ou ‘rico em nutrientes’, já que “isso não significa que o alimento seja saudável, pois os supostos benefícios não suplantam os malefícios que o excesso de sal, açúcar e gorduras representa”.
Outro importante fato destacado pelo Idec é que geralmente as crianças consomem mais do que as porções indicadas no rótulo (que ainda variam de peso de produto para produto).
Por exemplo, os biscoitos Turmix sabor chocolate indicam seu valor nutritivo com base numa porção de 30 g, que equivale a apenas duas bolachinhas do pacote. Para a sanitarista, a informação sobre porção é, na maioria das vezes, irreal. “Porções de um bolinho e meio ou duas bolachas e meia acabam por ‘mascarar’ a qualidade nutricional dos alimentos. A porção deveria ser definida a partir da média de consumo daquele produto. Mas como a norma da Anvisa não é clara, hoje ela é indicada de acordo com o que convém para a empresa”, diz.
O Idec informou as empresas sobre o resultado obtido na avaliação nutricional e questionou os critérios para o estabelecimento das porções. Só 12 responderam. A grande maioria disse apenas que segue a legislação em vigor. As empresas Bimbo, Casa Suíça, Pepsico e Yoki mostraram-se preocupadas em redefinir o perfil de seus produtos para torná-los mais saudáveis, e afirmaram que vêm reduzindo a quantidade dos nutrientes que são prejudiciais à saúde quando consumidos em excesso.