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Movimento nos EUA busca recuperar as antigas brincadeiras infantis

Por Hilary Stout

The New York Times

21/01/2011 13h38

Alguns dias atrás, Sarah Wilson falava com orgulho, quando declarou: "Minha casa está um pouco bagunçada".

Wilson mora em Stroudsburg, Pensilvânia, uma pequena cidade na região de Poconos Mountains, e por vários dias sua casa fica repleta de fantasias, canetas coloridas e outros artefatos das brincadeiras de seus dois filhos pequenos, Benjamin, de 6 anos, e Laura, 3. "Eu deixo eles bagunçarem o lugar, porque é para isso que ele serve", disse ela.

Wilson adotou um crescente movimento para restaurar a descuidada atividade da brincadeira à vida das crianças. Seu interesse foi estimulado no ano passado, enquanto ela conhecia a escola primária local, alguns meses antes de matricular Benjamin. Ela ainda se lembrava de sua própria sala do jardim da infância, em 1985: havia uma caixa de areia, blocos e brinquedos. Essa que ela visitava, porém, tinha uma parede de computadores e pequenas mesas.

"Hoje não existe mais a brincadeira imaginativa, o faz-de-conta", disse ela, com um suspiro.

Há vários anos, vem aumentando o número de estudos e estatísticas sugerindo que a cultura do "brincar" está desaparecendo nos Estados Unidos. As crianças passam tempo demais na frente de uma tela, lamentam os pais e educadores - uma média de 7 horas e 38 minutos por dia, segundo uma pesquisa realizada no ano passado pela Kaiser Family Foundation. Apenas uma em cada cinco crianças mora perto de um parque ou playground, segundo um relatório de 2010 produzido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, deixando-as ainda menos inclinadas a brincar ao ar livre.

Por trás dos números não está apenas o comportamento das crianças, mas também o dos adultos: o pai digitando furiosamente em seu Blackberry, estressado demais pelo trabalho para tolerar jogos barulhentos no ambiente. Fins de semana tomados por futebol, lacrosse e outras ligas de esportes, todas organizadas e dirigidas por pais. Toda a lista de aulas (xadrez, caratê, chinês, é só falar) e o dever de casa começando nas séries mais novas. Some a isso todas as preocupações de segurança dos pais, que afetam até mesmo os verdadeiros crentes, como Wilson.

"As pessoas têm medo de deixar seus filhos na rua, mesmo onde eu moro", disse ela. "Se quero que meu filhos saiam de casa, tenho de ir com eles".

Kathy Hirsh-Pasek, psicóloga desenvolvimentista da Universidade Temple, na Filadélfia, concluiu: "Brincar é simplesmente algo natural para animais e humanos; mas, de alguma forma, nós retiramos isso das crianças".

Pouco tempo para brincadeiras parece estar no final da lista de preocupações da sociedade, mas, os cientistas, psicólogos, educadores e outros que constituem o movimento "brincar", dizem que a maioria das habilidades sociais e intelectuais necessárias para o sucesso na vida e no trabalho são desenvolvidas inicialmente nas brincadeiras da infância. Através das brincadeiras, as crianças aprendem a controlar seus impulsos, solucionar problemas, negociar, pensar de maneira criativa e trabalhar em equipe - como quando cavam juntas numa caixa de areia, ou constroem um forte com as almofadas do sofá.

Videogame não conta

Os especialistas definem o "brincar" como um jogo, ou atividade, iniciado e comandado por crianças. Então, o videogame não conta, segundo eles, exceto talvez por aqueles que envolvem criar algo, e também não contam os brinquedos educacionais que fazem coisas como cantar o ABC ao pressionar de um botão.

Grande parte do movimento focou no valor educacional da brincadeira, além de esforços para restaurar o recreio ao currículo do jardim da infância e da escola primária. Mas os apoiadores estão começando a buscar os pais, reconhecendo que, para o movimento funcionar, as atitudes parentais também precisam evoluir - começando com disposição para tolerar um pouco mais de imprevisibilidade na agenda das crianças e um pouco menos de estrutura em casa. Construir aquele forte, por exemplo, provavelmente envolverá desmontar o sofá e esvaziar o armário de roupa de cama (um lençol faz um excelente telhado).

Para tentar abarcar mais pais, uma coalizão chamada "Play for Tomorrow" (brincar pelo amanhã, em tradução livre) organizou, no último outono, o que se tornou um gigantesco dia de brincadeiras no Central Park. O evento, conhecido como "The Ultimate Block Party" (a melhor festa de rua, em tradução livre), oferecia jogos de adivinhação, montes de massa de modelar, giz, blocos de montar, quebra-cabeças e muito mais. A Fundação Nacional de Ciência foi intimamente envolvida, explicando aos organizadores - e enfatizando aos pais - o valor científico e educacional por trás de cada uma das tarefas selecionadas. Os organizadores esperavam atrair 10 mil pessoas ao evento. Mais de 50 mil compareceram.

"Ficamos extasiados", disse Roberta Golinkoff, psicóloga desenvolvimentista da Universidade de Delaware e cofundadora do evento ao lado de Hirsch-Pasek. Agora, as duas estão negociando com outras cidades - Toronto, Atlanta, Baltimore e Houston, entre elas - para organizar eventos semelhantes, além de tornar o encontro no Central Park um acontecimento anual.

O objetivo, de certo modo, é retornar aos velhos tempos.

Papel dos pais

"Quando eu estava crescendo, havia uma cultura de infância que era mantida pelas crianças", disse Jim Hunn, vice-presidente de ações de massa da KaBOOM, um grupo sem fins lucrativos que comanda a redução do que eles mesmos chamam de "déficit de brincadeiras". Ele contou ter aprendido jogos como o de capturar a bandeira com outras crianças. Para reviver essa cultura, segundo ele, "os pais precisam se reafirmar neste processo e ensinar as brincadeiras às crianças. É crucial que os pais tomem uma atitude e saiam para brincar com seus filhos".

Porém, estimular as brincadeiras pode ser incrivelmente desafiador para os pais. Emily Paster, mãe de dois filhos em River Forest, Illinois, tenta desencorajar o tempo de tela e estimular seus filhos a brincar com a imaginação. Isso costuma funcionar bem com sua filha de 7 anos, que fica feliz em brincar com bonecas durante horas. Mas seu filho de 4 anos é outra história, especialmente nos meses de frio, quando ele fica enfurnado em casa.

"Quando quer brincar, ele sempre quer que eu brinque com ele", disse Paster. "Ele possui um milhão de brinquedos. Todo tipo de trem que você pode imaginar. Mas o que ele realmente quer é um parceiro. Se eu precisar fazer alguma coisa - cozinhar, lavar roupa, atender o telefone -, isso se torna algo muito complicado".

Estimular irmão e irmã a brincarem juntos só vai até aí. "É como se houvesse uma bomba-relógio", afirmou Paster. "Um deles vai decidir que acabou antes que o outro esteja pronto". Algumas vezes, uma tela de televisão é uma alternativa necessária, mesmo que indesejável.

"Quando eu preciso fazer alguma coisa, esta é a única forma: 'Aqui está o Leapster'", admitiu ela, referindo-se a ao dispositivo similar a um vídeo para crianças com idade pré-escolar.

Mas, assim que se acostumam com ele, disse Hunn, as crianças passam a comandar suas próprias brincadeiras.

No vasto mundo dos esportes infantis organizados, alguns pais-treinadores estão captando a mensagem de afastamento.

Outros eventos

Existem mais esforços formais, além das iniciativas da Ultimate Block Party. A US Play Coalition, um grupo de médicos, educadores e pessoas envolvidas com parques e recreação, está programando uma conferência em fevereiro, na Universidade Clemson, sobre o valor das brincadeiras ao ar livre. A KaBOOM construiu 1.900 playgrounds em todo o país, principalmente em bairros de baixa renda, e ajudou a organizar, em setembro, "Dias de Brincadeiras" em 1.600 comunidades. Eles também incorporaram ferramentas "faça você mesmo" em seu site, para ajudar os pais a organizar espaços recreativos em seus próprios bairros. Outro site programado para entrar no ar nesta primavera, o LearningResourceNetwork.net, pretende criar uma ampla fonte educacional para pais e professores.

"Nosso primeiro grande impulso será nas brincadeiras", afirmou Susan Magsamen, diretora executiva do grupo.

Uma parte importante do movimento está ensinando as próprias crianças a como brincar. Uma criança média de 3 anos consegue pegar um iPhone e habilmente rolar pelo menu de aplicativos, mas quantas crianças de 7 anos conseguem organizar um jogo de futebol com os amigos da vizinhança?

Com isso em mente, no evento do Central Park, os pais receberam um "livro de brincadeiras" de 75 páginas, delineando pesquisas sobre o "brincar" e oferecendo sugestões de atividades divertidas - coisas que as gerações passadas faziam sem precisar de estímulo, e que podem evocar, nos pais de hoje, sentimentos de identificação e nostalgia.

"Suba no sofá com seus amigos e finja que está navegando num barco a uma terra distante", diz uma ideia. Outra, da seção de brincadeiras construtivas: "Coloque um brinquedo no chão e descubra como construir uma ponte passando sobre ele, usando blocos de montar".

"Crie bonecos com recortes de revistas e jornais velhos", sugere uma terceira, "e deixe sua imaginação voar!"