Metas voluntárias para reduzir emissões podem ser solução para combater aquecimento global, acreditam especialistas
As negociações da 17ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-17) começaram com expectativas de se acertar uma prorrogação do Protocolo de Kyoto, que expira em dezembro de 2012. Mas as dificuldades em dividir as responsabilidades entre países ricos e emergentes, agravadas pela crise econômica europeia, criam uma atmosfera de incertezas. Para especialistas, a solução pode estar nas metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa e não em um acordo legal e global.
A extensão do Protocolo de Kyoto esbarra na dissidência de países membros, particularmente do Canadá, do Japão e da Rússia, que se recusam a aceitar um segundo período caso grandes emissores, como China e Estados Unidos, não se comprometam com metas obrigatórias de redução. E esse comprometimento não parece próximo.
Por outro lado, praticamente todos os países apresentam metas de redução voluntárias, o que pode sinalizar uma predisposição para assumir, no futuro, responsabilidades de caráter obrigatório.
Em artigo publicado na Nature em novembro deste ano, Eliott Diringer, vice-presidente executivo do Centro para o Clima e Soluções de Energia (C2ES), destaca a importância dessas metas unilaterais e ressente que elas tenham sido deixadas de lado por tanto tempo.
“Com o início das negociações de Kyoto, há 16 anos, a comunidade internacional decidiu que os compromissos legalmente vinculantes eram a resposta para as mudanças climáticas. Essa mentalidade vinculante-ou-nada tem predominado desde então, e o resultado frequentemente tem sido nada”.
Diringer apresenta exemplos de medidas de redução voluntária bem-sucedidas em países ricos e em desenvolvimento. É o caso da China, que vem investindo no mercado de energia limpa e atualmente produz cerca de 50% das turbinas eólicas e dos painéis solares vendidos no mundo. É o caso também da Alemanha e o Reino Unido, que chegarão a 2020 com taxas de redução mais altas que as impostas pela União Europeia.
Segundo Carlos Rittr, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia da WWF-Brasil, as discussões em torno das metas voluntárias são promissoras, sobretudo porque, desde a COP-15, em 2009, as grandes economias emergentes vêm procurando mostrar para a comunidade internacional seu empenho na mitigação do aquecimento global.
“A gente não pode trabalhar com a hipótese de rebaixamento de expectativas. Esse é o momento de dar o exemplo de que, para a crise ambiental, também haverá o esforço dos governantes, também haverá o aporte de recursos, também haverá o compromisso dos países desenvolvidos e dos países de economia média”, diz a ex-ministra Marina Silva.
Mecanismos de monitoramento
Mas, além de se comprometerem com metas unilaterais, os países emergentes precisarão aceitar se submeter a mecanismos de monitoramento das emissões de carbono. Tais mecanismos, que ainda precisam ser operacionalizados, permitirão fazer uma contabilidade única dos esforços globais de redução a cada dois anos, assim como verificar se as partes, incluindo os países desenvolvidos, estão atingindo os índices de cortes declarados.
A discussão em torno desses mecanismos também oferece boas perspectivas, pois “a governança dos participantes da convenção sobre esse tipo de decisão é grande, diferentemente do que ocorre com as metas de redução, que já chegam consolidadas e raramente podem ser mudadas”, explica o consultor do Ministério do Meio Ambiente para assuntos de sustentabilidade, clima e floresta, Tasso Azevedo.
Azevedo acredita ainda em “um segundo período do protocolo modificado, contando com um número menor de países”. “O representante do grupo da África foi enfático ao dizer que as nações africanas não permitirão que o Protocolo seja enterrado em solo africano”, relata o coordenador da WWF, para quem a recusa de alguns países não inviabiliza um segundo período.
Veja abaixo a opinião dos especialistas sobre as principais questões:
Os especialistas
Carlos Rittr coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia da WWF-Brasil | Centro para o Clima e Soluções de Energia (C2ES) | Elliot Diringer Think-tank de meio ambiente | Pedro Torres coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil | Tasso Azevedo consultor do Ministério do Meio Ambiente para assuntos de sustentabilidade, clima e floresta |
Extensão do Protocolo de Kyoto
Carlos Rittr | Mesmo que alguns países recusem um segundo período, existe um cenário favorável para que a extensão aconteça. “As pressões são grandes. Os países mais vulneráveis ao aquecimento global têm sido firmes nos seus posicionamentos. O representante do grupo da África foi enfático ao dizer que as nações africanas não permitirão que o Protocolo seja enterrado em solo africano”. |
C2ES | Caso as negociações de um novo acordo legalmente vinculante para 2020 avancem em Durban, a probabilidade de que o Protocolo seja estendido aumenta. “Esse compromisso político asseguraria a sobrevivência de Kyoto em bases de transição, enquanto as partes trabalhariam num acordo sucessor”. |
Elliot Diringer | Embora constitua um acordo multilateral emblemático, o Protocolo tem se configurado mais como um impeditivo que um meio para fazer progressos. Assim, o grande problema que se coloca não é o fim de Kyoto, “mas a mentalidade ‘legalidade-ou-nada’, que tem impedido as partes de chegarem a novos mecanismos multilaterais para enfrentar as mudanças climáticas. Mais importante que assegurar a sobrevivência de Kyoto é construir algo melhor para substituí-lo”. |
Pedro Torres | É difícil esboçar um cenário para o futuro do Protocolo. “Está tudo muito em suspenso. É possível ter esperanças, mas não devemos apostar todas as fichas nesse tema, como fizemos em Copenhagen [COP-15, de 2009], para não correr o risco de sair novamente sem compromissos. A Conferência precisa ir além de Kyoto e avançar em outros pontos, como as discussões sobre o Fundo Verde e sobre um novo compromisso legalmente vinculante”. |
Tasso Azevedo | O momento é desfavorável a um segundo período de Kyoto. “Não há elementos que nos credencie a crer na extensão do Protocolo. No modelo atual, com os países atuais, só com um novo período, é muito improvável. Pode ser que surja um Kyoto modificado e com menos países desenvolvidos”. Mas as chances de extensão aumentam bastante caso a conferência avance no estabelecimento de uma meta global de longo prazo, que traduza, em redução de emissões, o que foi decidido na Conferência de Cancún, em 2010 (COP-16): limitar o aquecimento global a 2º¬C. “Todos os documentos da reunião poderiam se resumir em uma frase: que os países concordam que nossa meta é reduzir as emissões globais em 80% até 2050”. |
Novo acordo climático
Carlos Rittr | Há um clima propício ao processo de negociação de um novo acordo para o pós-2018. “O que a gente vê é uma disposição para o diálogo. Se houver um segundo período de Kyoto, aumenta a possibilidade de os emergentes aceitarem discutir compromissos mandatórias para o final da década, e vice-versa. Um fator depende do outro: se tem progresso de um lado tem do outro”. Além disso, a viabilização de um novo acordo passa pelo compromisso dos países emergentes com metas de redução voluntárias, que sinalizem a disponibilidade para assumir, no futuro, responsabilidades de caráter obrigatório. “Essa é uma discussão promissora, pois desde a COP-15, em 2009, as grandes economias emergentes vêm procurando mostrar para a comunidade internacional seu empenho na mitigação do aquecimento global”. |
C2ES | As partes devem se empenhar em fazer progressos de médio-prazo, mesmo que as questões legais de longo-prazo permaneçam estagnadas. Um excelente resultado para Durban envolveria conduzir as discussões a partir dos entendimentos alcançados em Cancún e Copenhagen, a fim de “cimentar uma nova fase na evolução do regime de clima: tomar providências para ampliar cada vez mais a estrutura internacional – e, consequentemente, os esforços nacionais – enquanto se trabalha em torno de um novo acordo mandatório abrangente”. |
Elliot Diringer | Acordos multilaterais de longo-prazo não surgem nem entram em ação rapidamente, pois envolvem um longo processo de negociação e ratificação. Por isso, em Durban, as partes deveriam se concentrar em questões mais simples, como a ampliação dos mecanismos de transparência e o apoio financeiro aos países em desenvolvimento. “Apesar de pequenos, esses passos podem nos levar para além do ciclo recorrente de falsas expectativas e fracasso”. |
Pedro Torres | “O mais provável é que não saia um acordo legalmente vinculante da Conferência, mas que haja avanços nas discussões no sentido de estabelecer um acordo legalmente vinculante para 2015”. E, independentemente disso, “os países devem se comprometer com uma agenda nacional forte, voltada para uma economia de baixo carbono. Cada país deve fazer a sua parte”. |
Tasso Azevedo | O comprometimento com uma meta global de longo prazo facilitaria todo o processo de negociação em Durban, pois permitiria estabelecer as bases de um novo acordo, que abrangesse países desenvolvidos e em desenvolvimento e distribuísse as responsabilidade de forma equitativa, conforme a capacidade de cada parte. No entanto, a probabilidade de que essa meta seja traçada e convertida na baliza de um novo acordo é muito baixa, embora não seja nula. “Antes de Copenhagen, se dizia que era impossível definir o limite de 2ºC para o aquecimento global. Mas foi definido. É uma questão política, de como a negociação vai andar”. |
Mecanismos de monitoramento
Carlos Rittr | É preciso operacionalizar a forma de monitorar as emissões de carbono dos países em desenvolvimento a cada dois anos, como foi acordado em Cancún. “Isso permitirá fazer uma contabilidade única dos esforços globais de redução. A gente tem que sair de Durban com a sinalização de que esses países estão dispostos a registrar suas ações e a aceitar a implementação de métodos de monitoramento e verificação”. |
C2ES | Os mecanismos para aumentar a transparência das ações de combate ao aquecimento global devem ser encarados como prioridade. Em Cancún, foram acordadas uma série de medidas para melhorar o sistema de mensuração, registro e verificação das ações de mitigação dos países em desenvolvimento. “Em Durban, as partes precisam começar a implementar essas medidas estabelecendo normas e prazos para dar início aos relatórios”. |
Tasso Azevedo | A discussão em torno desses mecanismos oferece boas perspectivas, pois “a governança dos participantes da convenção sobre esse tipo de decisão é grande, diferentemente do que ocorre com as metas de redução, que já chegam consolidadas e raramente podem ser mudadas”. |
Fundo Verde
Carlos Rittr | Diante da crise econômica europeia, um dos desafios da Conferência é deliberar sobre fontes alternativas de recursos, que possibilitem capitalizar o Fundo Verde e atingir o montante de US$ 100 bilhões até 2020, conforme foi definido em Copenhagen. Destacam-se duas propostas: a taxação sobre transações financeiras internacionais, uma espécie de IOF global, e a taxação sobre transporte aéreo e marítimo internacional. “Todo mundo sabe que mais de 100 países dependem do suporte internacional para reduzir as emissões. Acho que dá para avançar nesse diálogo. É possível sair de Durban com a indicação de que a gente vai alcançar esse objetivo nos próximos anos”. |
Tasso Azevedo | Dificilmente Durban resultará numa definição sobre quem contribuirá com quanto para capitalizar o Fundo, mas é possível avançar em outros aspectos. “Não é um bom momento para distribuir responsabilidades, mas é uma boa hora para avançar na governança, como é que vai funcionar, como os recursos vão ser desenbolsados e alocados etc.” |
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