Ainda é cedo para usar aspirina contra o câncer, dizem especialistas
O que você faria se descobrisse que um comprimido vendido sem receita em qualquer farmácia por cerca de R$ 0,35 ajuda a prevenir o câncer? Se você tem casos da doença na família, provavelmente sairia correndo para comprar um estoque, certo?
A hipótese não está longe de virar realidade: na última semana, dois estudos publicados em revistas científicas conceituadas apontaram que o consumo regular de ácido acetilsalicílico (a popular aspirina) é capaz de reduzir o risco de desenvolver certos tipos comuns de tumor e também evitar que células cancerosas se espalhem pelo corpo.
Antes de tomar o remédio por conta própria, porém, saiba que ainda é cedo para determinar que a aspirina previne o câncer. Especialistas ouvidos pelo UOL Ciência e Saúde são unânimes em afirmar que os resultados das pesquisas são promissores, mas precisam ser referendados por outros estudos.
Além disso, eles lembram que nenhum remédio deve ser utilizado sem orientação médica. Toda droga tem seus efeitos colaterais e com o ácido acetilsalicílico não é diferente: a substância pode causar úlceras e sangramentos gastrintestinais (veja aqui como a apirina age), o que faz o produto ser contraindicado também nos casos de dengue.
Anti-inflamatórios e câncer
A equipe do médico Peter Rothwell, da Universidade de Oxford, mostrou que doses baixas de aspirina consumidas diariamente por pelo menos três anos podem reduzir o risco de câncer em cerca de um quarto – 23% para os homens e 25% para as mulheres. A chance de morrer pela doença também pode cair 15% - ou 37%, caso o remédio seja consumido por pelo menos cinco anos.
Para Rothwell, que participou dos estudos divulgados na semana passada, qualquer pessoa com histórico familiar de câncer deveria conversar com seu médico sobre a possibilidade de tomar o remédio regularmente.
A associação entre anti-inflamatórios como a aspirina e a prevenção do câncer não é novidade. Outros estudos já haviam mostrado o potencial do analgésico para evitar tumores no intestino. E a própria equipe de Rothwell já havia comprovado antes o benefício do remédio para a prevenção do câncer, só que apenas em pacientes que faziam uso do produto há uma década.
O oncologista Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, explica que estados de inflamação crônica podem ter relação com alguns tipos de tumor, daí a utilidade do ácido acetilsalicílico. Pólipos intestinais, por exemplo, são ricos na enzima COX-2, substância que é inibida pelo ácido acetilsalicílico (veja quadro abaixo).
Hoff reforça que ainda é cedo para usar a aspirina com esse fim, mas concorda que o potencial existe. Ele conta que o próprio Icesp iniciou uma pesquisa para checar os benefícios da aspirina em pacientes com câncer de intestino. “Parte dos pacientes vai receber ácido acetilsalicílico e a outra parte, placebo”, afirma. Os resultados só devem sair dentro de alguns anos.
Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clinica (SBOC), também acha que ainda é cedo para receitar a aspirina como preventivo. “Ainda não há uma definição clara de qual seria a droga mais adequada, qual dosagem com maior nível de benefício ou por quanto tempo utilizar, e também devem ser pesados seus riscos”, opina.
Como funcionam a dor, a inflamação e a aspirina
A dor é algo que sentimos no cérebro. Digamos que você dá uma martelada no dedo. A parte atingida tem terminações nervosas - pequenos detectores que sentem coisas como calor, toques e agressões. O tecido danificado no dedo também libera algumas substâncias químicas que fazem com que essas terminações nervosas registrem o choque com intensidade ainda maior.
Algumas dessas substâncias químicas são as prostaglandinas, e as células funcionais nos tecidos danificados levam essas substâncias a usarem uma enzima chamada ciclooxigenase 2 (COX-2), produzida principalmente em tecidos que sofreram algum dano. A enzima pega as substâncias químicas que ficam soltas nos tecidos e as transforma em prostaglandinas.
O médico Anthony Wong, toxicologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, mostra que a cautela não é exagerada. Ele lembra que foi justamente durante estudos em larga escala realizados para confirmar o benefício de anti-inflamatórios contra o câncer que se constatou o risco cardíaco do remédio Vioxx, há alguns anos. O produto acabou sendo retirado do mercado pelo fabricante.
O toxicologista faz outras observações importantes: os estudos apontam para uma redução de risco, e não uma garantia de que a doença vá ser evitada. Ele ressalta, ainda, que turbinar a quantidade de remédio não aumenta a eficácia, o que, aliás, é outro ponto alto do estudo. “O interessante é que foi usada uma dose baixa, que não causa efeitos colaterais”, comenta. Os testes envolveram 75 mg de aspirina, sendo que a versão infantil do produto tem 100 mg.
Benefícios para o coração
Você já deve ter ouvido falar que 162 a 325 mg de ácido acetilsalicílico administrados nas primeiras 24 horas depois de um infarto do miocárdio reduzem pela metade o risco de morte ou de ocorrer um segundo infarto. Se não ouviu, é bom guardar na memória.
“A aspirina é um medicamento extraordinário por sua ação antiplaquetária”, explica o médico Ari Timerman, coordenador de ações sociais da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Em português claro, é como dizer que a substância ajuda a afinar o sangue. E é justamente por isso que não deve ser usada por conta própria: “Nosso organismo é um equilíbrio entre coagulação e anticoagulação”, previne o cardiologista.
Em pacientes idosos, por exemplo, que muitas vezes têm sangramentos ocultos no intestino, o uso da aspirina pode agravar o problema. E há risco até de deflagrar hemorragias cerebrais.
A Bayer, empresa que fabrica a centenária Aspirina, faz questão de frisar que o produto desenhado para uso contínuo – a Aspirina Prevent – só é vendido com receita médica. Trata-se do mesmo princípio ativo, só que em doses menores. Para os pacientes que usam o remédio, fica a esperança de evitar não apenas o infarto, mas também o câncer.
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