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Descoberta do bóson de Higgs foi avanço importante para a ciência em 2012

Kathy Sykes*

The New York Times

04/01/2013 06h00

As coisas que deixam os cientistas animados — como uma partícula minúscula que custa US$10 bilhões para ser localizada, por exemplo — geralmente não significam nada para o resto das pessoas. É hora de os especialistas aprenderem a se comunicar com o público, e o público aprender a entendê-los.

Explicações claras sobre o bóson de Higgs, também chamado de “partícula de Deus", são tão difíceis de encontrar como ela própria, que finalmente foi detectada em julho — e, apesar da grande cobertura da imprensa, muita gente ainda não entende seu significado e importância.

E isso faz diferença? Faz, sim.

A ciência tem um impacto profundo na sociedade, influenciando culturas, vidas e economias. Os cientistas podem estar tentando criar uma nova vida, melhorar o desempenho de nosso cérebro e nosso corpo, criar novos materiais ou avaliar as mudanças climáticas, não importa, somos todos afetados. Por isso, precisamos entender o trabalho deles.

Quando há países ao redor do mundo gastando US$10 bilhões para procurar o bóson de Higgs, todos nós temos o direito de saber em que esse dinheiro está sendo usado e como podemos nos beneficiar. Os problemas econômicos fazem com que esse tipo de gasto seja difícil de justificar; assim, os cientistas precisam explicar muito bem o valor potencial de seu trabalho se quiserem continuar sendo financiados.

O principal argumento para que o governo continue investindo em pesquisas básicas — motivadas por curiosidade, sem nenhum impacto à vista — é que as descobertas passadas acabaram sendo aproveitadas para melhorar a nossa vida. As pesquisas sobre mecânica quântica, na primeira metade do século 20, foram motivadas por curiosidade. Os cientistas queriam explicar o comportamento das partículas subatômicas (como elétrons, fótons e quarks) que compõem todos os tipos de matéria.

Graças à sua exploração, pudemos chegar à tecnologia do mundo moderno: transistores e microchips, celulares e computadores, laser e aparelhos de tomografia. A descoberta de uma nova partícula, décadas depois de ter sido prevista por Higgs, preenche uma lacuna fundamental no entendimento do Universo. Sabe-se lá aonde isso pode nos levar?

Há também o prazer da ciência em si. O ser humano é curioso. Em todos os cantos do mundo as pessoas se perguntam sobre o funcionamento e a origem do cérebro e do corpo, da Terra e do Universo. Mesmo que você tenha detestado ciências na escola, pode se maravilhar com a beleza dos anéis de Saturno vistos pelo telescópio, ficar fascinado com o frenesi das formigas trabalhando ou imaginar como se forma um raio. A capacidade de formular perguntas, mesmo sem saber a resposta, observar e testar o resultado encontrado são habilidades que nos ajudam a viver — e combinadas a uma cabeça aberta para esperar o inesperado, são as características principais de um cientista.

Na última década, os especialistas do Cern, a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear onde o colisor foi montado e a partícula foi finalmente detectada, melhoraram sua relação com o público  e até criaram um rap que se transformou em viral, com frases como “as coisas que ele revela vão acertar a sua cabeça”, e animações engraçadas para explicar as noções de física de seu trabalho. Sua pesquisa ganhou grande atenção da imprensa, mas, mesmo assim, poucos deles conseguiram transmitir com clareza o significado daquele projeto.

Bóson tem utilidade?

Por que o bóson de Higgs é importante? Encontrar a partícula era descobrir a peça essencial que faltava para entender por que as coisas são como são.

Os cientistas não sabiam bem por que as partículas têm massa. Você pode não ligar para isso, mas, da mesma forma que aconteceu com o entendimento da mecânica quântica, a resposta tem uma grande influência na forma que os cientistas encaram algo tão fundamental sobre a massa, os blocos de matéria, os blocos de que somos feitos, os planetas e as estrelas. Deve afetar a nossa vida diária, só não sabemos ainda como.

Peter Higgs sugeriu que a massa pode ser explicada através de um novo elemento, que seria o bóson de Higgs. Algumas das partículas fundamentais que compõem o universo praticamente não a “sentem”, pois passam voando sobre ela, o que significa que têm pouca ou nenhuma massa; outras, que a “sentem” melhor, têm massa maior. Encontrar o bóson significa comprovar esse entendimento.

Se removermos tudo de uma área do espaço, ainda assim o bóson de Higgs permanece. Ele está em todo lugar, mas não só mais uma partícula no “zoológico” das partículas subatômicas; é ele quem dá massa a todas elas. Se aumenta a massa de uma, aumenta de todas. Estava presente frações de segundo depois que o universo foi criado. É a partícula inicial que, de certa forma, define todas as outras. Talvez seja por isso que o vencedor do Prêmio Nobel, Leon Lederman, o chamou de “partícula de Deus”.

O bóson soluciona um grande mistério na compreensão fundamental do universo. É incrível que tenha sido previsto há quase 50 anos. Os cientistas não puderam provar sua existência na época, mas achavam que ele estava ali, já que havia sugestões matemáticas sobre o fato: para manter a simetria das equações que descreviam as partículas, era necessária uma outra, nova e totalmente diferente de tudo o que já se tinha observado. Parecia uma ideia maluca; na época, muitos acharam mesmo que era.

O conceito de simetria parece quase romântico, mas parte da beleza da física é que a matemática pode revelar segredos e a busca pela simplicidade e equilíbrio pode ser o meio mais eficiente de descobrir o que acontece, não só aqui na Terra, mas em todo o universo. É arrepiante pensar que, com toda a confusão da vida e da existência, algumas equações elegantes podem transcender o tempo e o espaço.

Curiosidade dos leigos 

Cientistas, em geral, são seres otimistas e imaginam apenas os benefícios que suas descobertas podem trazer, mas a ciência nem sempre leva as coisas boas. A decisão a respeito do uso da ciência não deveria ficar a cargo de cientistas e políticos; quem trabalha de perto num tópico, cercado de pessoas na mesma situação e com pontos de vista semelhantes, geralmente se esquece de fazer as perguntas mais básicas. São os leigos que sugerem formas de tornar os impactos da ciência mais aceitáveis e imparciais e detectam os problemas que possam surgir. É por isso que os cientistas e o público precisam se comunicar.

Sociedades e cidadãos precisam compreender a ciência o suficiente para definir quais os projetos que são bem-vindos e quais precisam de cautela e monitoramento constante. Precisam ajudar a fazer com que as perspectivas de benefícios da ciência melhore a vida de todas as pessoas e não só as dos ricos.

Esse caso aconteceu no Reino Unido, em 2008, durante discussões sobre como novas substâncias chamadas “nanomateriais”, feitas de matéria numa escala semelhante a dos átomos, podiam ser aplicadas à medicina. Em um debate público organizado por um grupo científico, um grupo bastante diverso de leigos analisava os projetos que deveriam ser custeados. Durante vários meses, estudaram várias propostas e discutiram suas opiniões com os pesquisadores. Os cientistas ficaram animados com os “teranósticos”, através dos quais dispositivos implantados no paciente poderiam diagnosticar e tratar a doença nas pessoas automaticamente, dando insulina para a diabete, por exemplo.

Os leigos se mostraram os menos entusiasmados porque achavam que as pessoas precisam se manter no controle de sua saúde, aprendendo como o corpo se comporta, para poderem monitorar e controlar suas doenças em vez de serem cuidados por máquinas. Também se mostraram menos empolgados em relação ao desenvolvimento de nanomateriais a serem usados em hospitais como superfícies autolimpantes. Eles só queriam boas regras de higiene e hospitais limpos. O que os entusiasmou foram as sugestões de novas formas de prevenção de doenças e diagnósticos precoces.

Os cientistas e investidores não tinham pensado nessas questões. No fim, foi um grupo de cientistas que decidiu quais propostas seriam financiadas — e não foram aquelas sobre as quais os representantes do público manifestaram preocupação ou dúvida.

Os especialistas, instigados por uma questão da imprensa, criança ou adulto, podem abrir uma nova área de pesquisa ou debater um conceito bem estabelecido. Meu colega Paul Valdes, professor de modelagem de clima da Universidade de Bristol, conta que uma questão da imprensa o fez criar um método completamente novo de modelagem de climas passados que já havia resultado em cinco artigos e novas parcerias.

Durante minha pesquisa de doutorado, estudando um plástico biodegradável espantoso feito por bactérias em vez de petróleo, um grupo de cientistas americanos descobriu que poderia fazer com que plantas crescessem nele. Colocaram dois genes diferentes da bactéria em duas plantas e as “acasalaram”. O resultado foi o crescimento de pequenos nódulos de plástico em suas folhas. Isso foi em 1995, muito antes das preocupações do público com as sementes geneticamente modificadas.

Nenhum cientista das várias disciplinas ou países que participaram das conferências a que assisti sobre o tema questionaram se aquela era uma boa ideia. Todo mundo estava empolgado demais com a perspectiva de tornar o plástico mais viável economicamente. Comecei a pensar no fator “e se” quando uma mulher, numa das palestras que eu ministrava, perguntou o que aconteceria se os genes que fizeram as plantas desenvolver plástico fossem enxertadas com outras espécies. Naquele momento, percebi a importância de manter uma perspectiva mais ampla sobre o meu trabalho e a ciência em geral.

Entre os diferentes usos para esse plástico, vendido com o nome de Biopol, incluem suturas internas que são biodegradáveis.

* Kathy Sykes é professora de Ciências na Universidade de Bristol