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Bola de cristal: um cientista prevê o futuro

Michio Kaku

The New York Times Syndicate

02/01/2014 06h00

Sigo sempre dois critérios para fazer minhas previsões: a obediência às Leis da Física e a existência de protótipos que demonstrem a “prova do princípio”. Entrevistei mais de 300 dos maiores cientistas do mundo, e muitos me permitiram até entrar em laboratórios onde o futuro está sendo inventado. Suas conquistas e sonhos são esclarecedores, e das conversas que tivemos, aí vai uma ideia do que esperar para as próximas décadas:

1. Os computadores vão desaparecer
Segundo a Lei de Moore, o poder de processamento dos computadores dobra a cada ano e meio; isso significa que, daqui a dez anos, os chips vão custar o equivalente ao papel reciclado. A computação como a conhecemos hoje vai desaparecer; os equipamentos estarão em toda parte e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum; onipresentes, mas escondidos, mais ou menos como a energia elétrica e a água encanada. A nuvem nos seguirá silenciosa e continuamente, realizando nossos desejos a qualquer hora, em qualquer lugar.

2. A Realidade Aumentada será a realidade do dia a dia
Você se lembra do filme “Matrix”, no qual as informações virtuais apareciam para ajudar na realidade do dia a dia? Nem tudo é invenção de Hollywood - como as lentes de contato que permitem acesso à Internet, por exemplo, oferecendo a biografia do interlocutor e legendas caso ele fale outro idioma. (Aposto que os universitários em temporadas de provas serão os primeiros a acabarem com os estoques.) Elas certamente vão revolucionar a vida de atores, políticos, cirurgiões, turistas, soldados e astronautas fornecendo mapas, roteiros, discursos e gráficos num piscar de olhos. Literalmente.

3. A rede cerebral ampliará a Internet
Nas próximas décadas, controlaremos os computadores com a mente, não mais com o mouse.  A União Europeia e os EUA estão investindo milhões de dólares para mapear as conexões nervosas do cérebro naquele que é o grande projeto do futuro da ciência. Isso poderia facilitar a vida de quem sofre de doenças mentais e permitir que deficientes controlem computadores, games, aparelhos eletrônicos, cadeiras de rodas e próteses mecânicas com o pensamento.

Como nos filmes de ficção científica, através da internet poderemos conquistar a telepatia (contato de uma mente para outra) e a telecinesia (controle da mente sobre os objetos) para adquirir lembranças, criar uma rede cerebral (recordações e emoções enviadas pela rede), registrar pensamentos e até sonhos. Provas básicas de princípio de tudo isso já foram realizadas.

O impacto social será enorme. Se as lembranças puderem ser transferidas, os desempregados poderão aprender novas habilidade num dia só; os universitários vão aprender dormindo; o Facebook será repleto de emoções e os filmes oferecerão sentimentos e emoções, não só imagens e sons.

4. O Capitalismo será aperfeiçoado
Estamos nos encaminhando para o “Capitalismo perfeito”, no qual as leis de oferta e procura se tornarão exatas simplesmente porque todo mundo conhecerá tudo sobre um produto, serviço ou cliente. Saberemos com precisão onde a curva de uma se encontrará com a da outra, o que tornará o mercado infinitamente mais eficiente.

Um a um, os setores multibilionários estão sendo digitalizados. Primeiro foi a indústria fonográfica, cujos custos caíram e a eficiência e a competitividade aumentaram. Infelizmente, muita gente apostou que o público continuaria comprando música à moda antiga ? e o resultado é que a Apple passou a controlar um grande quinhão. Em resumo: as empresas são livres para ignorarem a digitalização, sim; como também o são para pedirem concordata. Quem não se adaptar e surfar na maré digital, vai se afogar.

Agora é a vez da imprensa. Na década futura, será a hora da educação, da Medicina e dos transportes.

5. Os robôs se tornarão comuns
Depois de alguns alarmes falsos, a inteligência artificial aos poucos começa a fazer parte da nossa rotina. Médicos e advogados robóticos logo poderão fornecer dados confiáveis a qualquer hora do dia numa linguagem acessível.

Com a digitalização dos transportes, carros sem motorista, guiados por GPS e radar, estarão por toda a parte. “Acidente de trânsito” e “engarrafamento” vão se tornar expressões arcaicas. Milhares de vidas serão salvas todos os anos.

O setor de automatização pode se tornar maior do que a indústria automotiva de hoje. O Japão, que fabrica trinta por cento de todos os robôs, já está produzindo enfermeiras para cuidar da população de idosos. Aliás, não só enfermeiras como empregadas, cozinheiras, músicos e secretárias que podem fazer parte da nossa vida.

Porém, os humanoides ainda não podem pensar. Os robôs de hoje e dos próximos anos não poderão exercer a criatividade nem a imaginação, ou a experiência, a análise, o bom senso nem a liderança. Pelo menos durante as próximas décadas, essas características continuarão sendo exclusivamente humanas.

6. Órgãos e partes do corpo poderão ser substituídos
Órgãos e partes do corpo cansados e doentes poderão ser substituídos como acontece hoje em dia com as peças de carros. Atualmente já é possível desenvolver pele, cartilagem e vasos sanguíneos a partir das células do próprio paciente; no futuro, os cientistas desenvolverão fígados e rins. E a expressão “falência de órgão” vai deixar de existir.

7. Os pais vão poder “projetar” os filhos
Daqui a algumas décadas os pais vão poder escolher as características de seus filhos. A sequência do nosso genoma poderá ser registrada a um custo inferior a US$100. Muitos genes danificados e defeituosos poderão ser sanados através de terapia, o que pode levar a uma “melhoria genética”. Atualmente já é possível isolar determinadas características para gerar ratos com boa memória e força física.

Esse é um aspecto que lida com o patrimônio genético da raça humana, ou seja, é preciso haver um debate ético rigoroso sobre os limites de aplicação dessa tecnologia.

8. A Medicina cibernética prolongará vidas
O processo de envelhecimento pode ser retardado. Hoje já sabemos que ele nada mais é que o acúmulo de erros nos níveis celular e genético. Nossa vida poderá durar mais se corrigirmos os mecanismos naturalmente encontrados nas células. Por exemplo, somos 98,5% geneticamente idênticos ao chimpanzé, mas vivemos muito mais que eles ? e em breve poderemos estender esse período muito mais.
Enquanto isso, chips de DNA, dispostos em locais estratégicos como na privada e no espelho do banheiro, poderão detectar traços de proteínas cancerosas ou colônias de células doentes anos antes da formação do próprio tumor. Com esses sensores analisando nossos fluidos corporais constantemente, “câncer” talvez se torne uma palavra rara.

Graças à nanotecnologia, os cientistas poderão mirar as células cancerosas individualmente para eliminá-las, uma a uma, evitando assim o uso de quimioterapia. (Uma vez que há centenas de tipos de câncer, talvez não seja possível encontrar a cura para todos ? mas ele passará a ser visto como um resfriado, não totalmente curável, mas tolerável.)

Os aparelhos de ressonância magnética que enchiam salas inteiras já diminuíram radicalmente; no futuro, serão do tamanho de um celular, semelhantes aos Tricorders de “Jornada nas Estrelas” e capazes de analisar doenças pela simples aproximação ao corpo humano.

9. Os ditadores serão os grandes perdedores
A revolução digital dá poder aos mais necessitados, principalmente os que vivem em sistemas ditatoriais. A Internet liberta no sentido que prova que as pessoas não precisam viver como escravas. Os ditadores, que sempre temeram a rede, serão os grandes perdedores.

Em geral, as democracias não entram em guerra entre si. Pense nos conflitos históricos; todos foram entre reis, rainhas, tiranos e ditaduras, mas nunca entre dois países propriamente democráticos. Isso porque eles são mais lentos para se enfurecer e hesitantes em começar esse tipo de disputa; afinal, o eleitor não quer sacrificar seu filho pela glória de um líder megalomaníaco. Com certeza não nos livraremos das guerras, mas elas acontecerão em menor número.

10. O Capitalismo intelectual substituirá o capitalismo comercial
Já acontece uma mudança histórica na qual o capitalismo tradicional, em que há troca comercial, está senso substituído pela versão intelectual, com base no conhecimento. O custo da alimentação em relação à renda, por exemplo, vem caindo consistentemente há 150 anos. Séculos atrás o rei da Inglaterra provavelmente não teria condições de comer o que você jantou ontem. Os países que investem somente na agricultura certamente verão a economia encolher.

Já aqueles que utilizam esse comércio como meio para alcançar uma economia mista devem ficar mais ricos.

Rumo ao futuro

Como alcançaremos tudo isso no futuro? O segredo é valorizar a importância da ciência e de sua propagação, pois ela é o motor da prosperidade.

Os líderes na China e Índia já perceberam que aliada à tecnologia, ela leva ao sucesso e à riqueza; por outro lado, muitos países ocidentais formam seus universitários com ensinamentos que eram úteis para a vida em 1950 e hoje só os levam para as filas de emprego.

Anos atrás, muito se temeu a “divisão digital” ? que nunca aconteceu porque o computador foi ficando cada vez mais acessível. O verdadeiro problema não é esse; são os empregos. Milhares de vagas não conseguem ser preenchidas atualmente porque os funcionários não têm educação técnica nem científica. Como disse Winston Churchill: “Os impérios do futuro serão os impérios da mente.”

(O Dr. Michio Kaku, professor de Física Teórica no City College de Nova York, é autor do ainda inédito “The Future of the Mind: the Scientific Quest to Understand, Enhance and Empower the Mind.”)