Clique Ciência: por que não existe um asfalto à prova de buraco?
Já pensou como seria transitar em ruas lisinhas, sem buracos ou irregularidades, e nunca correr o risco de perder o controle do carro porque a pista virou uma piscina? Infelizmente, o sonho dourado dos motoristas brasileiros ainda está bem longe de virar realidade.
Por mais que os engenheiros estejam sempre em busca de compostos mais resistentes, ainda não existe um revestimento à prova de buracos ou que dispense a manutenção das vias. E, ainda que existisse, uma pista ultrarresistente e, ainda por cima, antiderrapante seria inviável economicamente, considerando o tamanho da malha rodoviária.
Mas é possível, sim, pavimentar ruas e estradas sem que seja necessário fazer remendos o tempo todo. Basta investir no que está abaixo da camada de piche que enxergamos na pista.
"A espinha dorsal do pavimento é o solo compactado, ou seja, o que está abaixo do revestimento asfáltico", explica o engenheiro Dickran Berberian, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em geotecnia e patologia de estruturas. Isso significa que o asfalto, que é tão criticado no país, é só a cereja do bolo.
Berberian explica que o primeiro passo para uma boa pavimentação é limpar o terreno natural, o chamado subleito, e preparar o solo. Caso ele seja mole, é preciso acrescentar uma boa quantidade de solo de boa qualidade. Por cima deve ir uma camada de 20 a 40 centímetros, chamada de sub-base, formada por cascalho e pedregulhos. E, acima disso, vai mais uma camada de 20 a 40 centímetros desse mesmo material, só que mais bem compactado. Somente então é que a via recebe o revestimento de asfalto, que deve ter de 3 a 15 centímetros de espessura.
Outro detalhe importante é o sistema de drenagem --em geral o centro da via é mais alto que as laterais, para evitar que a chuva forme um lago. Esta, aliás, é a principal função do asfalto, chamado oficialmente de cimento asfáltico de petróleo: atuar como impermeabilizante, já que a água é o inimigo número um da pavimentação.
O peso e a quantidade de veículos que vão trafegar no local fazem toda a diferença, e nem sempre as camadas são espessas e compactadas o bastante para a demanda. Ou seja: se a base e a sub-base não estiverem adequadas, não adianta tapar o buraco no asfalto, pois ele voltará a se abrir em um ou dois anos.
Nas ruas mal pavimentadas, as trincas aparecem logo e exigem manutenção imediata. Como o problema é negligenciado, ou as equipes não dão conta dos reparos, a água da chuva logo atinge as camadas inferiores, provocando uma depressão. Daí para surgir uma cratera na via é rápido: basta uma nova tempestade.
O professor da UnB observa que o país tem tudo o que é preciso para uma boa pavimentação: solo propício, bons técnicos e asfalto de boa qualidade, uma vez que o betume deriva do petróleo. "O que falta é vergonha", alfineta Berberian. Mas pavimentar direito não é caro? "É caro para um país pobre, não para um país rico como o Brasil."
Concreto
O engenheiro Luiz Vicente Figueira de Melo, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em mobilidade urbana, concorda com a falta de rigor que prevalece no processo de pavimentação. A exceção só é vista em rodovias com pedágio. Mesmo o asfalto, que é só a última camada, nem sempre é aplicado de forma correta e com o clima adequado. "Já vi colocarem em dia de chuva", comenta.
O professor do Mackenzie lembra que o concreto já tem sido a opção em algumas rodovias e corredores de ônibus, por ser mais resistente e aguentar temperaturas mais altas. Mas o material é mais caro e também pode ter outras desvantagens, como o ruído (vale ressaltar que quase não se vê barreiras sonoras às margens das rodovias brasileiras, o que é comum nos Estados Unidos e na Europa). E não tem jeito: se a base não for bem feita, a manutenção também terá de ser constante.
Estima-se que menos de 5% das estradas brasileiras sejam pavimentadas com concreto, também chamado de pavimento rígido (sim, o asfalto é considerado flexível). Embora o custo seja maior no momento da construção, a durabilidade é de no mínimo 20 anos, contra os cerca de 10 estimados para o asfalto, o que traria vantagem econômica a longo prazo. No entanto, é preciso executar a obra com qualidade, ou o custo mais alto não compensa.
Uma desvantagem do concreto é que, quando o solo apresenta muitas variações de topografia, como acontece muitas vezes no Brasil, a estrutura para sustentar o concreto torna-se muito complexa e a preferência volta a ser pelo asfalto.
Borracha
Uma outra alternativa ao asfalto tradicional que, ainda por cima, tem apelo ecológico é o chamado asfalto-borracha, uma mistura de piche e material obtido de pneus reciclados, uma invenção norte-americana que chegou ao Brasil no início do ano 2000.
Segundo especialistas, além do aumento da vida útil do pavimento, o revestimento é 40% mais resistente a deformações, diminui o spray de água que sai dos pneus em dia de chuva e traz mais conforto para o motorista. Mas o material ainda é aproximadamente 30% mais caro que o asfalto tradicional.
Muitos trechos da Rodovia Anchieta-Imigrantes, que liga a cidade de São Paulo ao litoral paulista, contam com asfalto-borracha. De acordo com o Grupo Ecorodovias que detém a administradora do sistema, a Ecovias, a borracha representa de 15% a 20% da mistura e, apenas para a rodovia já foram reaproveitados mais de 550 mil pneus.
Há um projeto de lei, de autoria do deputado Weliton Prado (PT-MG), para que o asfalto-borracha tenha uso preferencial na pavimentação e recuperação de vias públicas. O texto teve parecer aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) em junho e agora precisa ser aprovado pelos deputados em plenário.
Outras tecnologias, no entanto, prometem melhorar a ideia. A própria Ecovias tem testado novas tecnologias do asfalto-borracha, como o asfalto morno, que também emprega pneus na sua fabricação, mas pode ser aplicado numa temperatura até 40°C menor que a mistura convencional. Com isso, há menos emissão de gases poluentes e mais conforto aos funcionários da obra.
Outro exemplo de pavimento que reaproveita materiais é o chamado asfalto espumado, produto de uma mistura de cimento asfáltico de petróleo com com água, ar e fresado – pavimento já deteriorado que é retirado da rodovia. Segundo a Ecopistas, que testou a técnica para recuperar o pavimento de trechos da rodovia Ayrton Senna, o material permite a liberação da via imediatamente após a conclusão do serviço.
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