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Como o corpo de Lênin aperfeiçoou as técnicas de embalsamamento

Técnicas de embalsamamento usadas no corpo de Lênin promoveram avanços no setor - AFP
Técnicas de embalsamamento usadas no corpo de Lênin promoveram avanços no setor Imagem: AFP

Do UOL, em São Paulo

16/09/2015 06h00Atualizada em 16/09/2015 15h55

Já faz quase um século que cientistas russos trabalham para preservar o corpo do líder soviético Vladimir Lênin, morto em janeiro de 1924. E, para quem observa hoje os restos mortais dele, expostos no Mausóleu Lênin, em Moscou, a sensação é de que seu falecimento não aconteceu há mais de 91 anos. Isso se deve porque a técnica de embalsamamento utilizada busca a preservação da forma física dos corpos - entre eles a aparência, forma, peso, cor, flexibilidade dos membros e maleabilidade.

Porém a técnica não busca preservar necessariamente a matéria biológica. “Isso faz o processo ser muito diferente de tudo feito no passado, como a mumificação, em que o foco era preservar a matéria original enquanto a forma do corpo mudava”, disse Alexei Yurchak, professor de antropologia social da Universidade da Califórnia, dos Estados Unidos, à revista “Scientific American”. Para ele, a técnica de embalsamamento usada é “semibiológica”.

“Eles têm que substituir algumas partes da pele e da carne por plástico ou outros materiais. Então, em termos de matéria biológica, o corpo é cada vez menos o que costumava ser”, explica o pesquisador. Isso tem causado polêmicas na Rússia - estima-se que o corpo exposto no mausoléu tenha mantido apenas entre 10 e 20% do corpo original do líder soviético, como citou Yurchak em um artigo recente.

O corpo de Lênin é rembalsamado uma vez a cada ano, em um processo que envolve submergir o corpo em soluções, separadas, de glicerol, formaldeído, acetato de potássio, álcool, peróxido de hidrogênio, ácido acético e acetato de sódio. Cada sessão dura cerca de um mês e meio, segundo a revista.

À parte dessa discussão, o pesquisador lembra que o objetivo do embalsamamento de Lênin é manter a forma física do líder soviético. Por isso, modificações podem ser feitas no corpo. Um exemplo são as sobrancelhas de Lênin, que foram danificadas durante os primeiros procedimentos de embalsamamento: elas foram substituídas por outras, artificiais. O pesquisador está escrevendo um livro sobre a história do corpo de Lênin e da ciência que surgiu em torno dele.

Até a pele do pé do líder soviético não é mais a mesma. Pesquisadores tiveram de desenvolver peles com manchas artificiais porque, em 1945, a original simplesmente sumiu. O nariz, a face e outras partes do corpo de Lênin também chegaram a serem esculpidas para que tivessem semelhança com o corpo de Lênin vivo, segundo a publicação americana.

Problemas

O trabalho para embalsamar o corpo do líder soviético de forma próxima à real começou logo após a morte do líder. O primeiro problema que surgiu foi decorrente da ação do médico responsável pelo trabalho de necrópsia. Ele já havia cortado a maior parte das artérias e veias quando decidiu-se pelo embalsamamento. Um sistema circulatório intacto teria ajudado a espalhar os fluidos do embalsamamento pelo corpo.

Isso fez com que pesquisadores desenvolvessem técnicas de microinjeção para distribuir os fluidos do embalsamamento a certas partes do corpo, principalmente em locais em que havia cortes e cicatrizes de tratamentos anteriores. Eles também criaram uma roupa de borracha de camada dupla para manter uma fina camada de fluido cobrindo o corpo de Lênin durante a exibição pública; as roupas normais ficam sobre ela.

Desenvolvimento

Durante a pesquisa para o livro que está escrevendo, Yurchak descobriu que os esforços para o embalsamamento de Lênin levaram à criação de subprodutos de recursos médicos. Uma técnica, por exemplo, influenciou o desenvolvimento de um equipamento especial usado para manter a corrente sanguínea pelos rins do doador durante o transplante.

Em outro caso, no final da década de 1980, o veterano pesquisador do laboratório, Yuri Lopukhin, e outros colegas desenvolveram um “teste não-invasivo de três gotas” para medir o colesterol no tecido da pele. A invenção russa acabou recebendo patente em 2002 e foi comercializada pela companhia canadense PreVu como “o primeiro e único teste não-invasivo de colesterol na pele” para pacientes de atendimento domiciliar. Tudo isso, de certa forma, por causa do embalsamamento de Lênin.