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Fotos de tragédias sensibilizam pessoas por pouco tempo, aponta estudo

No centro da foto, Kim Phuc, com apenas 9 anos, corre após ataque com napalm no Vietnã - Huynh Cong "Nick" Ut/AP
No centro da foto, Kim Phuc, com apenas 9 anos, corre após ataque com napalm no Vietnã Imagem: Huynh Cong "Nick" Ut/AP

Do UOL, em São Paulo

18/01/2017 04h00

Guerras e conflitos produzem estatísticas trágicas, mas números não sensibilizam tanto as pessoas quanto uma imagem. Poucos se importavam com a guerra do Vietnã, até que a imagem de uma menina correndo nua, fugindo de um ataque de napalm, circulou o mundo em 1972. Quase ninguém dava atenção à catástrofe humanitária no Afeganistão, até que a foto de Sharbat Gula, a "Menina Afegã", estampou a capa da revista "National Geographic" em 1985. Ela havia perdido os pais em um bombardeio soviético.

Um estudo publicado no periódico científico PNAS mostra como o efeito de uma imagem é muito mais impactante para despertar a solidariedade das pessoas do que números e estatísticas de mortes e refugiados. Contudo, os cientistas perceberam que a empatia gerada dura pouco tempo. 

"O poder das imagens é bem conhecido, consagrado em frases como 'ver para crer' e 'uma imagem vale mais do que mil palavras'. Fotos icônicas agitam nossas emoções e transformam nossas perspectivas sobre a vida e o mundo em que vivemos", dizem os autores no estudo.

Na pesquisa liderada por Paul Slovic, professor de psicologia da Universidade do Oregon, uma foto que despertou o mundo para uma tragédia humanitária que já acumulava milhares de mortes comprova o poder da imagem: a foto de um menino sírio de três anos morto de bruços sobre a areia de uma praia na Turquia.

Foto de corpo do menino sírio Alan Kurdi correu o mundo chamou atenção para a questão dos refugiados - Nilüfer Demir - Nilüfer Demir
Foto de corpo do menino sírio Alan Kurdi correu o mundo chamou atenção para a questão dos refugiados
Imagem: Nilüfer Demir

A imagem circulou por sites e jornais em setembro de 2015 de todo o planeta. O garoto se afogou quando sua família, síria de origem curda, tentava cruzar o mar Mediterrâneo rumo à Europa, após fugir do terror do conflito na Síria. As doações então explodiram.

Um fundo para refugiados sírios, criado pela Cruz Vermelha da Suécia, arrecadou uma quantia diária 55 vezes maior na semana após o impacto da foto. Por dia, o fundo conseguia valores de mais de US$ 200 mil, contra menos de US$ 4 antes da foto. Mas na segunda semana, as doações já tinham começado a diminuir, ainda superando US$ 45 mil. Depois de seis semanas, o montante já era bem menor, de cerca de US$ 6 mil.

A foto icônica de uma única criança teve mais impacto do que relatórios estatísticos de centenas de milhares de mortes. Pessoas que não tinham se movido com o número crescente de mortos na Síria de repente pareciam se importar. No entanto, esta empatia recém-criada diminuiu rapidamente."

"Não é que as pessoas não sejam compassivas. Mas essa compaixão tem de ser despertada, e os dados mostram que a fotografia ajuda a fazer isso", diz Slovic em entrevista à "National Public Radio" (rede pública de rádio dos EUA). Para o pesquisador, o impacto cognitivo que uma crise humanitária provoca é insuficiente para despertar a empatia nas pessoas.

"Você tem que evocar emoção e sentimento. A emoção é um fator crítico para nos ajudar a entender um evento, e é um motivador que impulsiona a ação, em oposição dados abstratos", afirma Slovic. Ele explica que Aylan, o menino sírio, é uma vítima individual com a qual as pessoas se identificam.

"É semelhante ao modo como 'O Diário de Anne Frank' e 'A Noite de Eli Wiesel' também ajudaram a galvanizar a atenção para o Holocausto", completa, mostrando que escritores também focam em histórias individuais para cativar o público.

Estuda utiliza Big Data

O estudo de Slovic e sua equipe usou dados de captação de recursos da Cruz Vermelha Sueca, que registraram o aumento significativo nas doações após notícias da morte de Aylan, e dados de buscas feitas no Google, que revelaram um grande aumento nas buscas pelos termos "Síria" e "refugiados".

"Os dados mostram que o mundo estava adormecido enquanto a contagem de corpos na guerra da Síria aumentava constantemente para centenas de milhares", diz o estudo. E voltou a dormir pouco tempo depois da imagem de Aylan.

Um dado, contudo, se mostrou um pouco mais promissor.

Após a divulgação da imagem de Aylan, houve um aumento de dez vezes no número de doadores mensais do fundo de refugiados da Cruz Vermelha, passando de 106 em agosto de 2015 para 1.061 em setembro de 2015. Em janeiro de 2016, apenas 0,02% tinha optado por parar de doar.

Para os pesquisadores, fotos icônicas podem levar a algum compromisso que se sustenta para além da onda imediata de doações.

"Mas há necessidade de melhores leis, instituições e processos de tomada de decisão para canalizar a empatia para ações humanitárias apropriadas e efetivas por parte dos indivíduos e dos governos", completam.