Topo

Cientista brasileiro insere cérebro neandertal em robô e o ensina a andar

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

08/09/2018 04h00

Pequenos cérebros de uma espécie humana já extinta são recriados em laboratório e estão aprendendo a andar com auxílio de robôs. Parece até roteiro de filme de ficção científica, mas este é o próximo passo da pesquisa do geneticista brasileiro Alysson Muotri, em desenvolvimento nos EUA.

Muotri, que atualmente é professor da Faculdade de Medicina e diretor do Programa de Células-tronco da Universidade da Califórnia, em San Diego, primeiro desenvolveu "minicérebros" de neandertais --eles têm quase o tamanho de uma ervilha. Estes minicérebros ainda são muito jovens, com conexões neurais parecidas com as de um bebê humano

Segundo o pesquisador, para que eles se desenvolvam, é necessário que explorem o ambiente. "Quando nasce, um bebê não tem as redes neurais maduras. Elas só começam a amadurecer conforme ele explora o ambiente, ou seja, ele só aprende que não pode colocar o dedo na tomada quando toma um choque. Então ele tira dedo e isso faz com que essas redes neurais vão amadurecendo. Queremos fazer a mesma coisa com os minicérebros”, disse o professor em entrevista ao UOL.

Para se desenvolverem, os mini cérebros precisam explorar o ambiente. Para isso, a equipe do brasileiro Alysson Muotri decidiu colocá-los em robôs - Muotri Lab/UC San Diego - Muotri Lab/UC San Diego
Para se desenvolverem, os mini cérebros precisam explorar o ambiente. Para isso, a equipe do brasileiro Alysson Muotri decidiu colocá-los em robôs
Imagem: Muotri Lab/UC San Diego

A opção que a equipe do brasileiro escolheu foi inserir os cérebros em robôs e ensiná-los a explorar o seu entorno. A primeira parte do trabalho, que já foi concluída pelos pesquisadores, foi ensinar o robô a andar a partir de estímulos neurais.

"O robô parece uma aranha, ou seja, tem diferentes pernas, e precisamos coordenar estas pernas de forma a fazê-lo se movimentar. Nós ajudamos esses cérebros a transmitir o sinal elétrico para esse robô fazendo-o aprender a andar para frente".
Alysson Muotri, geneticista

A próxima etapa da pesquisa do brasileiro será colocar uma barreira para o robô e estimulá-lo a "pensar" em formas de recuar. "Vamos expor esse robô a um ambiente onde ele encontrará uma parede e não conseguirá mais ir para frente. O minicérebro continuará enviando informação para ele andar, mas ele não irá conseguir. Quando isso acontecer, o robô vai enviar um sinal elétrico ao cérebro dizendo que não consegue avançar. Isso fará com que a rede neural dele sofra um rearranjo. A partir disso, vamos utilizar um computador para ensinar ao robô de que toda vez que houver um rearranjo, ele tem que andar para trás".

Dessa forma, a equipe espera que o cérebro consiga chegar próximo a idade adulta.

Por que neandertais?

O estímulo para um trabalho tecnológico tão complexo partiu de uma dúvida filosófica do pesquisador: Qual seria a base da inteligência humana? Outras pesquisas já tentaram responder a esta questão comparando o cérebro humano com o de um primo evolutivo próximo, o chimpanzé. Mas Muotri pensou em ir mais fundo na escala evolutiva e descobrir qual era a capacidade intelectual destes ancestrais. Será que éramos mais inteligentes que nossos primos extintos e, por isso, prosperamos?

O Neandertal é uma subespécie humana que se extinguiu há dezenas de milhares de anos, logo depois de ter tido contato com o Homo sapiens. O motivo para o seu desaparecimento ainda é um mistério, levantando especulações sobre a possibilidade deste encontro das espécies ter algum tipo de influência em sua extinção. É o que o pesquisador pretende descobrir.

O pesquisador brasileiro Alysson Muotri foi o primeiro a recriar em laboratório um minicérebro de neandertal - Muotri Lab/UC San Diego - Muotri Lab/UC San Diego
O pesquisador brasileiro Alysson Muotri foi o primeiro a recriar em laboratório um minicérebro de neandertal
Imagem: Muotri Lab/UC San Diego

A partir das informações genéticas já sequenciadas do hominídeo, os pesquisadores compararam o DNA das duas espécies. São poucos os genes que diferem neandertais dos humanos, sendo apenas três deles relacionados às atividades neurológicas. As variáveis responsáveis pelo gene neandertal foram inseridas em uma célula humana e induzidas a se desenvolver para um cérebro pequeno, do tamanho de uma ervilha.

O trabalho foi bem-sucedido e o time de pesquisadores já foi capaz de observar distinções importantes entre os organoides das duas espécies.

"Se observamos os nossos primos evolutivos mais próximos, os chimpanzés, eles não têm a capacidade de usar o Facebook ou mandar alguém para a Lua. Isso é único da nossa espécie humana. Não temos evidência nenhuma de que os outros humanos extintos, como os neandertais, teriam esse tipo de atividade também. Então é uma coisa muito única do cérebro humano moderno. E a pergunta que a gente se fez foi: Qual seria a base desse cérebro humano tão sofisticado?”, explica o pesquisador brasileiro.

O que já descobriram

Assim que sua equipe desenvolveu os minicérebros, Muotri notou que eles se desenvolviam de maneiras diferentes do cérebro humano. A primeira diferença já está no formato dos órgãos. Enquanto em humanos o cérebro é uma estrutura redonda e homogênea, nos neandertais há uma série de fragmentações e dobras que lembram uma pipoca. Já se sabia, a partir de observações do crânio, que os neandertais possuíam um cérebro maior que do homem moderno, porém seu formato exato ainda era desconhecido.

O próximo passo foi observar se este formato diferenciado refletiria alguma diferença neural. O grupo então percebeu que o cérebro neandertal forma menos conexões neurais e estas se comportam de forma diferenciada.

Os cérebros neandertais têm o tamanho de uma ervilha e apresentam importantes diferenças físicas do cérebro humano - Muotri Lab/UC San Diego - Muotri Lab/UC San Diego
Os cérebros neandertais têm o tamanho de uma ervilha e apresentam importantes diferenças físicas do cérebro humano
Imagem: Muotri Lab/UC San Diego

E o que essas alterações físicas dizem sobre a capacidade intelectual de nossos primos extintos? Por enquanto não muito, pois os minicérebros são muito jovens e ainda precisam se desenvolver com a ajuda de seus robôs.

No entanto, algumas suposições podem ser feitas. O laboratório de Muotri já estudava as alterações neurológicas envolvidas com o autismo, tendo inclusive desenvolvido minicérebros humanos com a síndrome para observá-las. Ele então percebeu que as alterações ligadas ao cérebro neandertal se assemelhavam às relacionadas ao autismo, "ou seja, uma redução do número de sinapses e uma alteração na forma como essas redes neurais se comportam”, afirma. "Isso faz com que a gente especule se os neandertais teriam problemas de comunicação e sociabilização".

Além disso, Muotri explica que uma característica evolutiva muito importante dos seres humanos modernos é a expansão do córtex frontal, região fortemente ligada à capacidade de se relacionar com indivíduos da mesma espécie. Essa qualidade permitiu que os seres humanos desenvolvessem sistemas sociais complexos, como cidades, legislações, entre outros.

Mas para comprovar estas suposições, a equipe precisa esperar os minicérebros se desenvolverem. “Só assim conseguiremos responder estas questões: será que o neandertal tinha dificuldade de aprendizado? Se percebermos que o minicérebro de um humano moderno aprende ou se adapta muito mais rápido, já conseguimos imaginar como seria o estilo de vida de um neandertal. Então é por aí que estamos indo", conclui o pesquisador.