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Por altitude, gene andino se diferenciou dos de outros povos, diz estudo

15.jun.2017 - Parque arqueológico de Ollantaytambo, em Cusco, no Peru - Getty Images
15.jun.2017 - Parque arqueológico de Ollantaytambo, em Cusco, no Peru Imagem: Getty Images

Edison Veiga

Colaboração para o UOL, em Milão

18/10/2018 04h00

Os habitantes ancestrais da região da cordilheira dos Andes, cadeia montanhosa com altitude média de 4 mil metros, evoluíram de uma maneira diferente dos demais humanos do globo. Foi por isso que eles conseguiram se adaptar à vida nas montanhas e desenvolver uma agricultura peculiar – rica em amido.

Essa é a principal conclusão de um estudo realizado por cientistas da Universidade Emory, da Universidade de Chicago e da Universidade da Califórnia. O trabalho foi apresentado na última quarta (17) na reunião anual da Sociedade Americana de Genética Humana, em San Diego, Califórnia, nos Estados Unidos.

Os pesquisadores utilizaram amostras de DNA de antigos habitantes da região andina do Peru que viveram há cerca de 7 mil anos. “Ao nos concentrarmos em período bem anterior à chegada dos europeus, pudemos distinguir as adaptações daquelas que se originaram de eventos históricos”, afirma o antropólogo John Lindo, um dos autores do estudo.

Isso porque, conforme ele ressalta, a interação com o homem branco acabou interferindo no processo de evolução genética dessas populações. “O contato com os europeus teve um impacto devastador nas populações sul-americanas, como a introdução de doenças, novas guerras e distúrbios sociais”, comenta.

No total, foram analisados sete genomas inteiros de habitantes ancestrais americanos. Os cientistas, então, compararam características genéticas encontradas nesta amostra com 64 outros genomas modernos, tanto de populações andinas dos planaltos quanto de populações de terras baixas da mesma região. Assim, puderam identificar quais adaptações genéticas vieram antes da chegada dos europeus, no século 16.

Descobertas

Uma das conclusões mais interessantes da pesquisa foi como os organismos das populações andinas estavam adaptados geneticamente para um maior consumo de amido, em comparação a outras populações. Neste ponto, é importante lembrar que produtos ricos nesta substância, como batata e milho, são originários da América do Sul.

Acredita-se que a batata começou a ser cultivada há cerca de 8 mil anos, na região da cordilheira dos Andes – no entorno do lago Titicaca. Os incas aperfeiçoaram o processo, chegando inclusive a utilizar técnicas de irrigação.

Já o milho, segundo as mais atuais evidências científicas, foi domesticado entre 12 mil e 7.500 anos atrás na América Central, onde hoje é o México. Mas se espalhou pelo continente e chegou à região andina ainda na era pré-colombiana. Há registros que indicam que os incas reverenciavam o cereal – na arte e na religião.

Essas populações andinas cultivaram largamente tais vegetais. E as marcas estão em seus genomas – de uma forma diversa das outros povos. Enquanto populações agrícolas europeias apresentam um aumento do número do gene que codifica a amilase, uma enzima na saliva que ajuda a quebrar o amido, os andinos, a despeito da dieta rica nessa substância, não apresentavam essa cópia adicional do gene. Isto indica que seus organismos se adaptaram de uma maneira própria a esses alimentos.

O amido é o mais comum carboidrato presente na alimentação humana, constituído principalmente de glicose com ligações glicosídias.

Altitude

A maneira como o organismo dos povos andinos ancestrais se adaptou à vida nas montanhas também foi diversa. Ao contrário dos povos tibetanos, por exemplo, da região da cordilheira do Himalaia, que tiveram mudanças genéticas relacionadas a como o organismo responde a baixos níveis de oxigênio – a chamada hipóxia –, os ancestrais andinos não apresentavam essas alterações. Acredita-se que eles tenham se adaptado a altas altitudes de alguma outra maneira.

Mas o ambiente inóspito das altitudes foi o que protegeu os povos andinos da chegada dos europeus. Os dados genéticos indicam que, após o contato com os europeus, houve uma redução de 27% da população dos altiplanos andinos, muito menos do que os 96% dentre os habitantes das terras mais baixas. Já existiam hipóteses nesse sentido, baseadas em indícios arqueológicos. Agora, o mapeamento genético ofereceu uma certeza científica neste ponto.

A pesquisa ainda mostrou que os sobreviventes ao massacre europeu são aqueles cujo organismo estava geneticamente mais preparado para responder às doenças do Velho Mundo, como a varíola. Isto porque, por comparação entre as amostras, verificou-se a prevalência dos genomas que indicavam um sistema imunológico mais resistente.

Outras pesquisas

De acordo com o antropólogo Lindo, outras populações pré-colombianas devem ser estudadas pelo mesmo método. “Nossas descobertas até o momento são um ótimo começo para um interessante campo de pesquisa”, afirma ele. “Gostaríamos de ver futuros estudos envolvendo um maior número de genomas, a fim de alcançar uma melhor resolução de adaptações genéticas ao longo da história.”

Ele destaca que um ponto a ser analisado é como as intensas rotas comerciais das civilizações ancestrais andinas pode ter interferido no intercâmbio genético de tais povos.

A mesma equipe, aliás, já está debruçada sobre um novo conjunto de amostras antigas de DNA, de populações da região peruana de Cusco.