A,C,T,G... DNA ganha mais 4 letras, mas por que isso importa?
Resumo da notícia
- Cientistas conseguiram combinar o ACTG do nosso DNA com quatro "letras" artificiais , sem acabar com a estabilidade da estrutura
- Experimento teve sucesso na transferência de informações do DNA para um RNA, mas ainda não resultou na síntese de aminoácidos
- Resultado abre espaço para teorias de que pode haver vida e DNA de uma forma diferente da que a ciência conhecia
Adenina, citosina, timina e guanina. Para os íntimos, ACTG. Essas moléculas, ou letras, são as responsáveis pela sustentação do nosso DNA no formato de dupla hélice, descoberta feita em 1953 pelo inglês Francis Crick e o americano James Watson. Aí você nos pergunta: "Por que falar disso em 2019?"
Bem, um estudo publicado na revista "Science" última sexta-feira (21), por um consórcio de pesquisadores liderado pelo americano Steven Benner, encontrou sinais de que é possível existir vida com uma fórmula diferente da do DNA presente nas células de todos seres vivos do nosso planeta.
Mas antes de chegar a isso, é preciso recapitular as aulas de biologia da escola.
"Essas quatro letras são as bases nitrogenadas que compõem os nucleotídeos, que por sua vez compõem o DNA, que a gente chama de polinucleotídeo. A configuração do DNA é em dupla hélice, com um emparelhamento específico entre as bases de cada cadeia. Em uma cadeia que tem 'A' (adenina) de um lado emparelha com 'T' (timina) do outro. E 'C' (citosina) emparelha com 'G' (guanina)", explica Eduardo Gorab, professor do Instituto de Biociências e do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP:
A importância estrutural dessas quatro letras é absolutamente fundamental. O encaixe é uma ligação por pontes de hidrogênio entre essas bases, para dar a estabilidade para o DNA.
Essa sopa de letrinhas explica a nossa vida e a de micro-organismos que habitam a Terra. Cada sequência de DNA é repletas de informações e com elas os organismos produzem o RNA, que é "traduzido", dentro do citoplasma de células, nos aminoácidos dos organismos.
Os seres vivos, de uma bactéria a uma árvore, têm diferentes caras, mas a dupla hélice e as quatro letras fundamentais são uma constante, diz Gonçalo Pereira, professor do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto Biológico da Unicamp:
Na hora que descobriram que a dupla hélice era desse jeito, você descobriu as principais características da vida
NOVAS LETRINHAS
Aqui entra a descoberta feita por Benner e seus parceiros de pesquisa. Eles observaram as moléculas da adenina, citosina, timina e guanina e fizeram, em laboratório, estruturas semelhantes, mas com outros componentes.
Depois, introduziram as criações em uma dupla hélice natural, criando um código com quatro novas moléculas, identificadas pelas letras Z, P, S e B.
Chamada de "DNA hachimoji" (DNA com oito letras, do japonês), essa dupla hélice inédita manteve a harmonia e não desmantelou.
Com essa estrutura estável, os pesquisadores partiram para uma próxima etapa: fazer a síntese de um tipo de RNA que prende uma proteína luminescente. O experimento foi um sucesso, como mostra a parte da esquerda da imagem abaixo. O "L12" representa tal proteína, envolta pela sopa de letrinhas traduzida no RNA.
Resumindo: primeiro, os cientistas conseguiram criar uma nova estrutura estável, um DNA modificado. Esse novo código artificial gerou um RNA, que não chegou a ser usado para produção de aminoácidos --isso seria um segundo desdobramento do DNA hachimoji.
Para você entender, é quase como alguém brincando com peças de Lego, trocando duas do mesmo formato para levantar uma estrutura. Mas, como conta Gonçalo Pereira, este é um tremendo avanço científico.
"Você pode ter um livro de mil páginas, mas três letrinhas colocadas no lugar errado alterariam o sentido do livro e inverteriam o que você queria falar", afirma, em uma analogia a experimentos que não deram certo:
Você conseguir fazer modificações como essas sem tirar o significado da vida é extraordinário
PARA QUE SERVE?
O professor da Unicamp entende que esta descoberta traz consigo um enorme potencial, embora seja apenas um primeiro passo.
Já Gorab acredita que, apesar de incluir quatro novas bases no DNA, o trabalho de Benner e seus colegas ainda precisa de mais desdobramentos para se mostrar como o mais avançado na área. Ele lembra um trabalho parecido feito em 2017, que além de incluir duas novas bases artificiais, gerou um RNA que incorporou um aminoácido à cadeia de proteínas.
Nesse sentido, o trabalho anterior pode ser visto como mais completo do que este e com mais novidades. Se houve alguma quebra de paradigma em pesquisas correlatas, ela certamente não ocorreu com este trabalho
Com o DNA hachimoji, será possível criar moléculas sintéticas que consigam interagir com as naturais. Isso pode ser usado, por exemplo, em modificações que inibam características genéticas cancerígenas. Para chegar a esse ponto, claro, ainda faltam novas pesquisas.
Teoricamente e hipoteticamente, haveria uma notável expansão do código genético caso novos RNAs transportadores e aminoácidos estivessem disponíveis em sistemas biológicos. Poderia ter uso potencial na síntese de novas proteínas com possível aplicação médica
Gorab
OUTRAS FORMAS DE VIDA
Pereira diz ainda que a criação dos sintéticos Z, P, S e B indica que a vida pode existir, ou poderia ter evoluído, de uma forma diferente do que se tornou o padrão na Terra.
"Se as moléculas, em vez das do nosso DNA, fossem essas daí, talvez em outro lugar do Universo a vida exista e seja uma vida que não usou o ATCG, mas o ZPSB", analisa.
E por que chegamos ao ATCG? O professor da Unicamp cita o efeito "fundador": as moléculas que se sobressaíram na sopa primordial da vida do planeta tiveram sucesso com essa combinação, que virou a base para toda a evolução.
É como se, no meio de várias startups, uma deu certo e se tornou a única, sem nenhuma concorrência. A ciência acaba de demonstrar que é possível haver desafiantes à receita original.
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