Matemática explica: eleitorado pode eleger político rejeitado pela maioria?
A cada dois anos, os eleitores brasileiros vão às urnas. Nas eleições executivas (prefeitura, governo estadual ou presidência), os vencedores podem ser escolhidos em dois turnos. Se no primeiro turno nenhum candidato tiver mais de metade dos votos válidos, os dois mais votados se enfrentam no segundo turno, que por sua vez abre a votação definitiva para quem ficará com o cargo --ou decidir dentre os dois qual não ficará com o cargo.
A lógica é conhecida e parece respeitar o interesse da maioria dos cidadãos. No entanto, há um paradoxo contido na votação para apenas uma pessoa e por maioria. E se a soma da maioria dos votos individuais não corresponder ao desejo coletivo dos eleitores?
Isso acontece, por exemplo, quando há uma grande dispersão entre as preferências dos eleitores. Imagine que entre cinco candidatos a presidência, o candidato a receba 25% dos votos, e os outros quatros tenham entre 19% (B) e 17% (E) dos votos. Pela regra eleitoral brasileira, passarão ao segundo turno os candidatos A e B, que tiveram o maior número de votos. No entanto, a maioria dos eleitores votou em uma opção alternativa aos dois.
É possível ainda que, se pudessem colocar ordem de preferência, a maioria dos eleitores tivesse decidido que os dois candidatos que passam ao segundo turno sejam exatamente aqueles que a maioria tem pior rejeição. Contudo, o segundo turno obriga os eleitores a escolherem entre um dos dois -ou não escolherem, mas aceitarem a vitória de qualquer um dos dois.
Este problema foi definido pela primeira vez pelo filósofo e matemático francês Marquês de Condorcet (1743 - 1794), que batizou o paradoxo enunciado alguns anos antes da Revolução Francesa. O matemático mostrou que a soma das racionalidades individuais representadas no voto pode levar a um resultado diferente da vontade coletiva.
Política, vontade geral e matemática
O paradoxo de Condorcet é enunciado em votações em que cada eleitor só pode escolher um nome e que aquele com o maior número de votos ganha. Nas eleições brasileiras, como em outros países, a existência de um segundo turno em que os dois mais votados se enfrentam é uma tentativa de reduzir os efeitos deste paradoxo.
Assim, em uma segunda votação, se aquele que teve o maior número de votos individuais for mais rejeitado que aquele que passou em segundo lugar, a população ainda tem a possibilidade de rejeitá-lo. É neste cenário que aparece a ideia de voto útil ou estratégico, quando seria vantajoso deixar de lado sua primeira escolha para privilegiar uma opção que tenha mais chances de ganhar diante da opção indesejada.
Em 1972, o economista norte-americano Kenneth Arrow fez um teorema que demonstra matematicamente o paradoxo de Condorcet, e por ele ganhou o prêmio Nobel.
Em uma entrevista de 2013, o professor da Unicamp e filósofo Roberto Romano considerou essencial para a vida democrática o conhecimento de cálculo de probabilidades para evitar problemas como o apontado pelo matemático Condorcet.
Alguns modelos alternativos de votação têm sido propostos para evitar este risco do sistema de votos por maioria. Uma possibilidade é o voto por aprovação em que cada eleitor apontaria em sua cédula de votação quais são os candidatos que ele considera aceitáveis para o posto em disputa.
Há ainda o modelo de votação por pontos, em que além de apontar os candidatos aceitáveis o eleitor apontaria um ranqueamento de suas preferências que equivaleria a determinado número de pontos. Ao final, o ganhador seria o que recebesse maior número de pontos, ainda que não fosse necessariamente aquele com o maior número de pessoas que o tivessem como preferido.
A discussão sobre modelos de votação e representação democrática tem atormentado mentes e produzido muito mais do que acalorados debates em torno da mesa de domingo há séculos. Fato é que as ciências têm muito a oferecer neste debate político, a matemática inclusa.
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