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Cientistas tentam entender motivos de terremotos no Himalaia

Astronauta retrata o Himalaia a partir do espaço, em outubro de 2014 - Chris Hadfield/Macmillan
Astronauta retrata o Himalaia a partir do espaço, em outubro de 2014 Imagem: Chris Hadfield/Macmillan

Kenneth Chang

26/05/2015 06h00

Quando uma força irrefreável como o subcontinente indiano bate em um objeto imóvel como a Ásia, as consequências incluem as montanhas mais altas do mundo e uma cadência de terremotos como o de magnitude 7,8 que assolou o Nepal no mês passado, com um forte abalo secundário na mesma região na semana passada.

Muitas das questões geológicas sobre a colisão continuam sem resposta. Como o subcontinente indiano chegou tão rápido até onde está hoje em dia? Que tamanho tinha a Índia originalmente? Mesmo a mais simples das perguntas -- quando a Índia encontrou a Eurásia, a placa tectônica sobre a qual se assentam a Europa e a Ásia? -- provoca debate, com pesquisadores oferecendo respostas que diferem em 30 milhões de anos.

"Vai ser difícil convencer alguém", afirmou Oliver E. Jagoutz, geólogo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que integra a equipe que apresentou suas ideias sobre a colisão no periódico "Nature Geoscience".

Outro mistério é por que a Índia continua se movendo em direção à Ásia em um ritmo acelerado -- de quatro a cinco centímetros por ano --, gerando terremotos devastadores.

"Esse é um dos maiores problemas que temos nas placas tectônicas. Pode não parecer muita coisa, mas é a mesma velocidade com que crescem as unhas", disse Douwe J.J. van Hinsbergen, professor de geociências da Universidade de Utrecht, na Holanda.

Os geólogos são como investigadores de acidentes tentando decifrar o que aconteceu a partir dos destroços, buscando entender como rochas do leito oceânico terminaram no alto do Himalaia. Boa parte das provas, tais como o pedaço da Índia que agora está enterrado debaixo do Tibete e do Himalaia, estão fora do alcance.

Mesmo assim, até uma década atrás, os cientistas achavam que a história estava resolvida.

Ao longo dos 4,5 bilhões de anos de história da Terra, os maciços pedaços de terra alternaram períodos em que se combinaram em supercontinentes como Pangeia, há 300 milhões de anos, e momentos como hoje, em que estão se afastando.

No auge da era dos dinossauros, Pangeia se partiu em dois continentes gigantes: Laurásia e Gondwana, e a Índia integrava o segundo, no hemisfério Sul, ligada à Antártida e aninhada entre África e Austrália.

Há mais de 100 milhões de anos, a Índia se separou e rumou para o norte. Segundo a explicação amplamente aceita, aquele fragmento continental em fuga colidiu com a Eurásia entre 50 milhões e 55 milhões de anos atrás em um dos poucos lugares hoje em dia em que um pedaço de continente corre sobre um continente e não sobre uma placa oceânica.

Porém nem todas as peças do pensamento convencional se encaixam.

Novas análises do magnetismo preservado em rochas sugerem que a ponta sul da Eurásia se encontrava mais ao norte do que se pensava, intensificando a questão se a Índia estava perto o suficiente para, então, fazer contato com a Ásia.

"Antigamente, nós pensávamos que, quando a Índia se chocou com o sul asiático, o sul tibetano estava 2.000 quilômetros ao sul de onde está agora. E tudo aquilo fazia sentido. Se a colisão foi há 40 milhões ou 50 milhões de anos e a parte sul da Ásia estava lá embaixo, temos uma batida", declarou Peter H. Molnar, professor de geociências da Universidade do Colorado.

As mensurações magnéticas revistas sugerem que o sul do Tibete estava no máximo mil quilômetros ao sul. "De repente, você tem esse espaço enorme. Onde a Índia se encontrava 50 milhões de anos atrás? Bem, a Índia estava muito mais ao sul da ponta sul da Ásia. Assim, você tem uma escolha: é preciso tornar o norte da Índia enorme ou tem de botar um oceano ali", disse Molnar.

Outros estudiosos destacaram que os efeitos mais óbvios de uma colisão continental, como a elevação do planalto tibetano, só foi começar mais tarde, talvez 10 milhões de anos depois. Além disso, as pedras na região ocidental do Himalaia indicam dois choques, não um só.

"Estava decidido. Agora não está mais", disse Simon L. Klemperer, geofísico de Stanford.

Outra questão fundamental: Quanto da Índia desapareceu? Se a colisão ocorreu há mais de 50 milhões de anos, mais de 3.000 quilômetros da Índia devem ter sido enfiados debaixo da Ásia logo depois. Um pedaço de continente desse tamanho parece grande demais para caber no espaço disponível da peça de quebra-cabeça do antigo Gondwana.

Todavia os cientistas concordam que algo colidiu entre 50 milhões e 55 milhões de anos atrás, como é claramente visto no leito marinho dessa idade que foi elevado na região norte do Himalaia.

"É por isso que as pessoas dizem que houve uma colisão entre dois continentes. O que é verdade. É a melhor conclusão que se pode tirar. A questão não é se houve esse choque continental há 50 milhões de anos. A dúvida é se foi com a Índia", explicou Van Hinsbergen.

Em 2007, Jonathan Aitchison, agora professor de geociências da Universidade de Queensland, na Austrália, criou um cronograma alternativo. A colisão tida como sendo entre Índia e Ásia teria sido, na verdade, da primeira passando por cima de um arco insular ao sul da Ásia, e a Índia empurrou essas ilhas para dentro do continente 20 milhões de anos depois. "Nós acreditamos que as provas demonstram que a Índia bateu em outras coisas antes da Ásia", afirmou Aitchison.

A hipótese foi em grande medida rejeitada.

Van Hinsbergen ofereceu uma ideia diferente. Ele propôs que, de 70 milhões a 120 milhões de anos atrás, a Índia se partiu ao meio enquanto navegava para o norte. A primeira metade chegou à Ásia de 50 milhões a 55 milhões de anos atrás, como estipula a teoria convencional, mas a maior parte ficou para trás e o choque só foi acontecer de 20 milhões a 25 milhões de anos atrás.

Assim, a Índia seria pequena o suficiente para caber em Gondwana. Sabe-se que as placas tectônicas se dividem - a Índia já esteve ligada a Madagascar, antes de se dirigir para o norte -, mas outros cientistas se mantêm céticos, citando a falta de provas geológicas de uma crosta oceânica separando dois pedaços da Índia.

Van Hinsbergen rebate sustentando que a ausência de crosta oceânica não é mais improvável do que um continente desaparecido. "Fosse o que fosse, desapareceu sem deixar vestígios. Assim, a pergunta é 'o que era aquilo'."

Van Hinsbergen não considera convincente a hipótese do arco insular, e Aitchison mostra-se igualmente cético pela sugestão de a Índia se dividir em duas antes de bater na Ásia.

Jagoutz e Leigh H. Royden, professor de geologia e geofísica do MIT, chegou a uma conclusão similar à de Aitchison após examinar rochas da porção ocidental do Himalaia – a de que a Índia bateu num arco insular antes de se chocar com a Ásia –, colocando a segunda colisão 5 milhões de anos mais cedo.

No estudo publicado em "Nature Geoscience", Royden e Jagoutz mostram que o arco insular poderia explicar a velocidade com que a Índia viaja. Cerca de 80 milhões de anos atrás, a Índia se dirigia para o norte a uma velocidade de 15 centímetros por ano, ritmo mantido por 30 milhões de anos.

Geralmente, o movimento dos continentes é impulsionado por zonas de subducção – quando uma placa tectônica passa por baixo de outra e depois desce para o manto da Terra, puxando tudo o que está atrás de si.

Os geólogos sabiam que havia uma zona de subducção onde a placa indiana mergulhou debaixo da Ásia. Com um arco insular entre Ásia e Índia, haveria duas zonas de subducção puxando a Índia, o que poderia explicar sua grande velocidade.

Entretanto nada disso explica por que a Índia continua se movendo tão rapidamente. O que existia ao norte da Índia desapareceu há muito tempo dentro do manto terrestre e a crosta continental não fornece o mesmo impulso para baixo.

"Ainda é preciso resolver o que continua fazendo a Índia ir para o norte. Por enquanto, não sabemos", disse Royden.

Os geólogos serão pressionados para deduzir o que aconteceu na Índia a partir de dados sismológicos. Klemperer disse esperar que a mistura de isótopos de hélio nas fontes termais ajude a explicar se o manto abaixo da crosta do Himalaia faz parte da placa indiana ou da asiática.

"Concordo que ainda não existe uma definição. Se eu quiser comprovar minha visão, um dia precisarei demolir os argumentos", afirmou Klemperer.