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África completa 1 ano sem registrar caso de pólio

Donald G. McNeil Jr.

13/08/2015 06h00

Um ano inteiro se passou desde que o último caso de poliomielite foi detectado na África, um marco significativo de saúde global que deixou especialistas em saúde de todo mundo celebrando discretamente.

O último caso africano de pólio foi registrado na Somália em 11 de agosto de 2014, o último sinal de um surto que teve início na Nigéria –o único país onde o vírus nunca foi erradicado, mesmo temporariamente. Mas o último caso na Nigéria foi registrado em 24 de julho de 2014.

A África nunca passou tanto tempo sem um caso de paralisia infantil. Mas em uma indicação de quão nervosos os especialistas ainda estão de que a doença possa ressurgir, até mesmo o anúncio da Iniciativa Global para Erradicação da Pólio apresentou o título de "A África está livre da pólio?"

"Trata-se de um grande sucesso, mas ele ainda é frágil", disse o dr. Hamid Jafari, o diretor da iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). "Sempre há a preocupação de que possa haver um caso não detectado em uma população que não estamos atingindo."

Quando o esforço global para erradicação da pólio teve início em 1988, mais de 350 mil crianças por ano em todo o mundo eram paralisadas pela doença. No ano passado, foram apenas 359.

O número de casos está abaixo de 2 mil por ano desde 2001, e os esforços de erradicação atualmente custam cerca de US$ 1 bilhão por ano. Mas para frustração dos epidemiologistas, o vírus é mestre em escapar para além da fronteira. Trinta e quatro casos foram registrados neste ano, todos no Paquistão ou Afeganistão, os últimos lugares onde se sabe que o vírus persiste.

Muitos cientistas agora dizem que uma vitória mundial sobre a pólio está em vista. "Isso coloca muita pressão sobre o Paquistão para fazer melhor", disse o dr. Elias Durry, que lidera o esforço da OMS naquele país e que combateu a pólio em seis outros, incluindo a Somália e a Nigéria.

Geralmente, a África é onde as doenças montam sua última resistência. O último caso de varíola foi registrado na Somália em 1977, e o último caso de peste bovina, uma doença do gado que por séculos matou milhões de seres humanos ao causar fome, foi registrado no Quênia em 2001.

Mesmo presumindo que não haja mais casos, a África não será oficialmente declarada livre de pólio por mais dois anos. A OMS exige três anos isentos de casos porque a vigilância é difícil em um continente de aldeias isoladas e pastores nômades.

Como várias outras doenças podem causar paralisia, amostras de cada caso suspeito devem ser analisadas para excluir definitivamente a pólio como causa.

O governo nigeriano se mobilizou depois que um novo conselho de monitoramento começou a apontar as falhas em seu programa de vacinação em 2011 e depois que a OMS declarou a pólio uma emergência mundial de saúde no ano passado.

A Nigéria marcou seu ano sem pólio em 25 de julho com uma cerimônia modesta de plantio de árvore na qual o novo presidente, Muhammadu Buhari, foi fotografado pingando as gotas da vacina na boca de sua pequena neta.

Ela foi discreta porque a campanha "não quer passar a mensagem errada para os detentores de cargos políticos e doadores de que a pólio foi erradicada", disse o dr. Faisal Shuaib, uma autoridade do Ministério da Saúde que ajudou a liderar tanto os esforços de erradicação da pólio e a resposta ao ebola no ano passado no país. Os esforços de vacinação e vigilância precisam continuar, enfatizaram ele e outros especialistas.

O marco é uma prova da persistência, bolsos profundos e adaptabilidade da iniciativa de erradicação, que é liderada pela OMS, pelos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Rotary International, Fundação Bill e Melinda Gates e pela Fundação das Nações Unidas.

O norte da Nigéria, lar do grupo étnico hausa, predominantemente muçulmano, se tornou uma área de risco de pólio em 2003, quando ondas de rumores começaram a se espalhar a respeito da vacina: que ela deixava as meninas muçulmanas estéreis, que continha produtos de carne de porco e que continha o vírus da Aids.

O governador de Kano, um Estado no noroeste, suspendeu as vacinações por um ano, e uma cepa local da pólio se disseminou, primeiro a 10 outros países africanos e depois, por meio dos peregrinos, para Meca na Arábia Saudita, e então para o Iêmen e para a Indonésia.

Desde então, os doadores despejaram bilhões de dólares na campanha para erradicação, que foi pioneira em muitas novas táticas. Os cientistas da OMS forneceram aos seus pares nigerianos evidência de que a vacina era segura, por exemplo, e importaram uma maior quantidade dela da Indonésia, o único país muçulmano com uma fábrica de vacinas aprovada pela OMS.

Ocorreram novos reveses cinco anos atrás, depois que os extremistas do Boko Haram deram início a sua violência. No início de 2013, eles foram culpados pela morte de nove vacinadores em um dia, apesar dessa violência nunca ter se tornado tão comum quanto no Paquistão. O Boko Haram fica centralizado no nordeste da Nigéria, enquanto a resistência à vacina teve início do noroeste.

Assim, em resposta, equipes que entravam e saíam rapidamente foram formadas. Em dias considerados seguros, os vacinadores percorriam rapidamente os mercados, pontos de táxi e outras áreas de encontro.

Devido ao Boko Haram, mais de 1 milhão de pessoas foram parar em campos de refugiados, de modo que os esforços de vacinação se deslocaram até eles.

Para combater a queixa comum de que os ocidentais só se importavam com a pólio enquanto os nigerianos rurais morriam de outros males, a campanha montou "campos de saúde" temporários com muitos outros chamarizes de saúde, como vacinas para sarampo, remédios para parasitas, tratamento para diarreia, exames de pressão arterial, doses de ibuprofeno, pacotes de suplementos nutricionais para crianças mal nutridas e pacotes de sabão, absorventes e outros itens de higiene femininos.

Os especialistas não chegam a um acordo sobre quais táticas funcionaram melhor, mas ficaram aliviados por terem funcionado.

O dr. Oyewale Tomori, presidente da Academia Nigeriana de Ciência, fez um discurso em meados dos anos 90 expressando seus temores de que a Nigéria poderia ser o último país na Terra com pólio. "Não havia esperança na época", ele disse nesta semana. "Estávamos realmente arruinando tudo."

A maré mudou nos últimos anos, ele disse, "quando nos sensibilizamos" e começamos a lentamente conquistar os líderes tradicionais –os emires, os reis tribais e os chefes locais. "Se o governo convoca uma reunião, as pessoas a ignoram", ele disse. "Mas elas dão ouvidos ao líder muçulmano que discursa para elas toda sexta-feira."