Topo

Como um microscópio valeu o Prêmio Nobel a um "inventor" e mudou a sua vida

Eric Betzig no corredor do Campus de Pesquisa Janelia, em Ashburn, Virginia (EUA) - Drew Angerer/ The New York Times
Eric Betzig no corredor do Campus de Pesquisa Janelia, em Ashburn, Virginia (EUA) Imagem: Drew Angerer/ The New York Times

Claudia Dreifus

12/09/2015 06h00

Em outubro de 2014, o Prêmio Nobel de Química foi para três cientistas por seu trabalho no desenvolvimento de um novo tipo de microscópios que podem transformar a pesquisa biológica ao permitir que os pesquisadores observem processos celulares enquanto acontecem.

Um dos vencedores foi Eric Betzig, de 55 anos, líder de um grupo de pesquisa no Campus de Pesquisa Janelia, do Instituto Médico Howard Hughes. A revista Science publicou um artigo escrito por ele e seus colegas, descrevendo um microscópio potente o bastante para observar células vivas com um nível inédito de detalhes -- um objetivo que ele e muitos outros cientistas passaram décadas tentando alcançar.

Eu conversei com Betzig recentemente durante três horas em seu laboratório e escritório em Ashburn, Virgínia, e depois novamente por telefone. A seguir, uma versão editada e condensada de nossas conversas.

O que torna esses microscópios diferentes do que a maioria dos pesquisadores usa em seus laboratórios hoje?

O grande problema com o microscópio ótico padrão -- o tipo que existe na maioria dos laboratórios -- é que eles não têm capacidade suficiente de exibir as moléculas no interior de uma célula viva. É possível ver muitos detalhes, mas a imagem mínima é 100 vezes mais granulada para ser capaz de exibir as moléculas. Com o microscópio de elétrons, que é mais sofisticado, é possível chegar ao nível molecular. Mas para fazer isso, você bombardeia a amostra com tantos elétrons que basicamente frita a célula. Isso significa que não é possível ver o processo biológico em primeira mão dessa maneira.

O que eu e outros pesquisadores tentamos criar são microscópios capazes de exibir as peças que compõem uma célula. O objetivo é conectar os campos da biologia molecular e da biologia celular, revelando assim o mistério de como moléculas inanimadas se unem para criar a vida.

Na prática, você se converteu em biólogo?

Quer saber, não me sinto confortável com rótulos. Sou formado em Física, mas não me vejo como físico. Sou vencedor do Nobel de Química, mas certamente não entendo nada de Química. Eu trabalho o tempo todo com biólogos, mas todo o meu conhecimento em Biologia é superficial. Acho que a melhor forma de me definir é como um inventor. Meu pai também é inventor. Ele passou a vida criando e construindo máquinas para o setor automotivo. Eu cresci cercado por inventores.

Quando você deu início à jornada para construir o microscópio?

Eu comecei a trabalhar nisso em 1982 quando estava fazendo minha graduação em Cornell. Em 1992, já tinha meu próprio laboratório na Bell Laboratories. Ali, construí um microscópio de campo próximo que funcionava até certo ponto. Mas o instrumento ainda era muito difícil de usar, era lento e danificava demais as amostras para que pudesse ser usado em pesquisas biológicas em tecidos vivos. Fiquei frustrado com os resultados e deixei o microscópio e a Bell Laboratories para trás em 1994.

Pouco depois disso, dois experimentos meus feitos na Bell com essa máquina serviram de base para uma ideia que eu publiquei em 1995 e que levou à criação da microscopia de localização fotoativada -- ou PALM, na sigla em inglês -- 10 anos depois.

Dez anos? Por que demorou tanto?

Bom, para começar, eu passei por um período muito difícil depois de deixar a Bell. Minha mulher na época e eu tínhamos acabado de ter um filho. Eu passei um tempo em casa cuidando das coisas e tentando decidir quais seriam meus próximos passos. Será que eu deveria estudar medicina? Virar um chef de cozinha? Meu único plano na época era parar de fazer microscópios.

Curiosamente, alguns meses depois de deixar a área, tive um insight sobre como finalmente fazer o microscópio funcionar. Tive a ideia quando estava empurrando o carrinho do meu filho. A ideia envolvia isolar as moléculas individualmente e mensurar sua distância. Escrevi sobre isso em um artigo de três páginas que, mais tarde, estava entre as razões que levaram o Comitê do Nobel a me conceder o prêmio.

O curioso sobre o artigo: ele não foi muito citado, provavelmente só umas 100 vezes em 20 anos. Acho que isso diz muito sobre o valor das citações como métrica de impacto.

Nos oito anos seguintes, eu trabalhei no setor privado e descobri que era ainda mais difícil ser bem-sucedido lá do que na academia.

Por volta de 2004, passei por outra crise pessoal e procurei o paradeiro do meu melhor amigo nos tempos da Bell, Harald Hess. Harald havia saído da Bell alguns anos depois de mim. Agora ele estava trabalhando para uma empresa que fazia equipamentos para testar drives de computador e estava insatisfeito. Por isso começamos a repensar nossos caminhos em viagens para Yosemite e Joshua Tree, quando conversávamos sobre o que queríamos fazer das nossas vidas.

Eu comecei a ler sobre tudo o que tinha acontecido na microscopia na última década. E isso nos levou a construir, na sala da casa do Harald, o microscópio que eu havia imaginado enquanto empurrava o carrinho do meu filho – o PALM.

Você ficou satisfeito com o que construíram?

Até certo ponto. O PALM tinha as mesmas limitações que mencionei antes. Em 2008, eu fiquei entediado e irritado com ele, e comecei a trabalhar em outros tipos de microscópios. Nessa época, eu estava no Howard Hughes e podia trabalhar no que me desse na telha. Foi aqui que desenvolvi o LLSM (lattice light sheet microscope, na sigla em inglês) capaz de exibir células vivas a uma velocidade inédita e frequentemente sem causar danos à amostra. O problema é que o nível de resolução não era melhor do que o dos microscópios convencionais.

Eu também trabalhei em um microscópio SIM extremamente avançado, que começou a ser construído por meu colega Mats Gustafsson, da Janelia, e que permitia a análise em alta definição e em alta velocidade das amostras. Mats ficava no gabinete ao lado do meu, e -- não digo isso com facilidade -- é uma das pessoas mais brilhantes que já conheci. Infelizmente, ele foi diagnosticado com um tumor no cérebro depois de cair da bicicleta quando estava indo para o trabalho em 2009. Ele morreu em 2011.

Quando Mats morreu, ainda havia muito trabalho pela frente para construir sua versão em alta definição do SIM compatível com células vivas. Após sua morte, eu herdei boa parte de seus instrumentos e alguns membros de sua equipe. Desde então, temos trabalhado em um instrumento de alta definição rápido e pouco invasivo, capaz de analisar células vivas.

Acreditamos que chegamos ao nosso objetivo. O resultado está no artigo publicado pela Science. Nós finalmente temos a ferramenta necessária para compreender as células e toda a complexidade de suas dinâmicas.

Como o Nobel afetou sua vida?

Ele bagunçou muito minha vidinha tranquila. Eu odeio viajar, mas agora sou convidado o tempo todo para dar palestras. Estou no meu segundo casamento. Tenho filhos pequenos, de 2 e 5 anos de idade. Os e-mails e viagens me afastam das duas coisas que mais amo: minha família e meu trabalho. Entretanto, esse é um buraco que eu mesmo cavei. Estou aprendendo a dizer "não".

Quer dizer, eu sou um cara que sempre foi meio inseguro, sabe? Então me sinto mais confiante. Por outro lado, a insegurança sempre me tornou produtivo. Atualmente, às vezes tenho vontade de me beliscar e dizer: "Você não pode parar. Esse não é o final. É só um capítulo da história".