CSI da vida real: estudos podem mudar cálculos que revelam a hora da morte
Durante muito tempo os cientistas forenses utilizaram porcos e outros animais mortos no lugar de seres humanos para compreender melhor como o corpo se decompõe após a morte.
A pesquisa sobre animais em decomposição foi o que determinou os pontos de vista de especialistas forenses em investigações policiais. E esses especialistas sempre citaram estudos científicos nos tribunais, com um respaldo que só aumentou com programas de TV como “CSI”.
Entretanto, uma pesquisa desenvolvida recentemente por cientistas da Universidade do Tennessee sugere que se alguém quiser determinar corretamente a hora da morte ou a forma como um corpo se decompõe, porcos talvez sejam um mau substituto para os corpos humanos.
O estudo, realizado pelo Centro de Antropologia Forense da universidade na famosa Fazenda de Corpos, comparou os índices de decomposição de porcos, coelhos e seres humanos durante diferentes estações do ano. A velocidade de decomposição das três espécies foi consideravelmente diferente, de acordo com os pesquisadores, e a velocidade de decomposição dos corpos humanos variou consideravelmente entre um indivíduo e o outro.
“O que estamos dizendo é que, para estimar quanto tempo se passou desde a morte de um ser humano em casos forenses, nossos resultados indicam que é melhor utilizar corpos de pessoas para o cálculo, já que porcos e coelhos não exibem a grande variação que vemos nos humanos”, afirmou Dawnie Wolfe Steadman, diretora do centro e principal pesquisadora do projeto.
Ela acrescentou que porcos e outros animais podem ser bons para alguns tipos de pesquisa forense, como determinar os tipos de insetos e animais necrófagos presentes em determinada região.
O estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Justiça, uma agência do Departamento Federal de Justiça, foi apresentado durante o encontro anual da Academia Americana de Ciências Forenses no início deste ano.
Para os cientistas forenses, estimar a hora da morte a partir de restos mortais humanos sempre foi um trabalho complicado e repleto de dúvidas.
Em 1981, o antropólogo forense William Bass fundou a Fazenda de Corpos, a primeira unidade a céu aberto de pesquisa do tipo no país, porque algumas de suas estimativas tinham uma margem de erro de décadas.
Em um caso específico, Bass foi chamado em 1976 para observar restos mortais bem preservados que foram encontrados durante a reforma de uma casa em Nashville, Tennessee. Ele estimou que o homem havia morrido há alguns meses. Mas os restos mortais eram de ninguém menos que um coronel da Guerra Civil Americana, morto em batalha em 1864.
Eric Bartelink, professor de Antropologia da Universidade Estadual da Califórnia, em Chico, e presidente do Painel Americano de Antropologia Forense, afirmou que com frequência os porcos eram escolhidos para estudos de decomposição porque têm poucos pelos no corpo e volume de gordura similar ao presente nos humanos.
“Presumia-se que um não seria tão diferente do outro”, afirmou Bartelink, referindo-se à taxa de decomposição dos porcos.
Um estudo realizado em 2007 na Universidade do Tennessee parecia confirmar o pressuposto, após revelar que uma série de insetos demonstrava uma “preferência irrelevante” na hora de escolher os corpos humanos ou suínos, sugerindo que os porcos não seriam tão diferentes dos humanos em relação à decomposição de seus corpos.
Os resultados “confirmaram a ideia de que porcos poderiam substituir corpos humanos em pesquisas e programas de treinamento”, concluíram os autores, orientados pelo entomologista Kenneth G. Schoenly, atualmente na Universidade Estadual da Califórnia, em Stanislaus.
Contudo, o estudo utilizou apenas um corpo humano e dois porcos – uma amostragem muito limitada, de acordo com Schoenly e seus colegas.
Em contraste, a pesquisa de Steadman testou a decomposição de 15 porcos, 15 coelhos e 15 corpos humanos que foram doados para pesquisa científica e divididos em três testes com cinco corpos de cada espécie e submetidos à decomposição durante a primavera, o verão e o inverno.
Os restos mortais foram colocados a céu aberto e a uma distância de ao menos três metros entre si. Os pesquisadores monitoraram a temperatura e a umidade, e câmeras documentaram como os corpos eram consumidos por guaxinins e outros animais necrófagos. A atividade dos insetos e o estágio de decomposição eram registrados duas vezes ao dia.
Porém, Steadman e seus colegas revelaram que estimativas baseadas em uma fórmula comumente utilizada para calcular quanto tempo se passou desde a morte apresentava uma correlação fraca com o tempo de decomposição de porcos, coelhos e seres humanos, além de que os índices de decomposição variavam consideravelmente entre as espécies durante cada estação do ano.
Na primavera e do verão, durante o auge da presença de insetos como moscas varejeiras atraídos pela carniça, os porcos se decompunham mais rapidamente que os humanos. Mas no inverno, os humanos se decompunham mais rapidamente, em grande parte por conta da presença de animais necrófagos como guaxinins, que demonstraram predileção por restos mortais de seres humanos.
“Todas as áreas de interesse dos porcos ficam no tronco, ao passo que no caso dos humanos, os animais se interessam mais pelos membros, o que muda consideravelmente os resultados”, contou Steadman.
Ele afirmou que uma das descobertas mais impressionantes foi como os padrões de decomposição de seres humanos variam de indivíduo para indivíduo. “Todos nós temos dietas variadas e a decomposição dos nossos corpos varia drasticamente. E isso não se deve apenas ao peso de cada um. Pessoas que têm muita gordura se decompõem muito mais rapidamente do que pessoas magras” Dawnie Wolfe Steadman
Ela acrescentou que a quimioterapia e a presença de outros medicamentos no sangue também podem afetar os índices de decomposição do corpo.
Bartelink afirmou que estudos como o de Steadman são “extremamente importantes” e mostram que “precisamos realizar pesquisas com seres humanos, não com animais”.
Daniel Wescott, diretor do Centro de Antropologia Forense da Universidade Estadual do Texas, também elogiou a nova pesquisa. Entretanto, acrescentou que as descobertas precisam ser replicadas em outros estudos, destacando que os cientistas ainda têm muito a aprender sobre o que acontece com o corpo depois da morte.
“É meio estranho. Tudo se decompõe desde o início dos tempos, e por isso mesmo é impressionante que saibamos tão pouco sobre como as coisas se decompõem e porque isso acontece”, disse Wescott.
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