Cientistas querem saber por que o ar gira mais rápido em Vênus
Vênus não é um paraíso plácido, sabemos bem disso. Além das altíssimas temperaturas da superfície, ventos na camada superior da atmosfera chegam a até 400 km/h, carregando as nuvens ao redor do planeta a cada quatro dias.
Mesmo assim, ele gira em torno de seu eixo muito lentamente, com uma rotação a cada 243 dias da Terra – só que na direção errada, oposta a quase todos os outros corpos do sistema solar.
Em geral, a atmosfera da Terra gira na mesma velocidade que o planeta. Então, por que o ar em lá gira muito mais rápido do que o próprio planeta?
A sonda espacial japonesa Akatsuki, agora em órbita ao redor de Vênus, procura resolver o mistério da chamada super-rotação. Os cientistas que trabalham na missão apresentaram algumas das suas primeiras descobertas em uma reunião feita na semana passada na Divisão de Ciências Planetárias da Sociedade Americana de Astronomia, em Pasadena, Califórnia.
Essa não é apenas uma questão trivial para os cientistas planetários. Modelos de computador do nosso próprio clima falharam ao serem aplicados a Vênus e o conhecimento do funcionamento do planeta poderia melhor nossa compreensão da Terra.
"Não sabemos que aspecto está faltando na meteorologia. Se soubermos o que gera uma rotação tão rápida, teremos um entendimento mais profundo da dinâmica atmosférica, não só em Vênus, mas também na Terra. Aprenderemos muito mais sobre o nosso clima", disse Masato Nakamura, gerente do projeto da Akatsuki.
Nos últimos anos, Vênus tem sido um remanso da exploração planetária, mesmo que seu tamanho seja muito mais próximo do da Terra que o de Marte. Por muito tempo, cientistas imaginaram que poderia haver um paraíso tropical habitável sob as espessas nuvens do planeta.
Na década de 1950, intensas emissões térmicas, medidas por um telescópio via rádio na Terra, contou uma história diferente: Vênus é uma fornalha.
A temperatura média da superfície é de mais de 455º C, demonstração extrema da proeza de retenção do calor que tem o dióxido de carbono, o principal constituinte da atmosfera venusiana. As nuvens de ácido sulfúrico deixam o lugar ainda menos atraente para uma visita.
Na década de 1990, a nave espacial Magalhães da Nasa mapeou com precisão a topografia de Vênus através de radar. Com exceção de alguns voos da nave em seu trajeto para outro lugar, a agência não retornou ao planeta, embora esteja considerando duas propostas modestas.
Uma missão europeia, a Venus Express, estudou o planeta entre 2006 e 2014, descobrindo, entre outras coisas, uma camada menos quente da atmosfera, -170º C, a uma altitude de 120 km, prensada entre duas camadas mais quentes.
Mas agora a Akatsuki, que entrou a órbita em dezembro passado, começou seu trabalho. Takehiko Satoh, um dos cientistas da missão, disse que um dos resultados mais emocionantes e surpreendentes até agora veio quase que imediatamente após a chegada da sonda.
A câmera que capta a luz infravermelha de longo comprimento de onda no topo das nuvens descobriu um traço branco em forma de arco que se estende por cerca de 10 mil km, quase do polo sul até o polo norte.
Curiosamente, essa característica atmosférica gigante não se move com a atmosfera. "Parece estar fixa no chão", disse Satoh. O arco fica acima de Aphrodite Terra, uma região de terras altas, do tamanho de África, com quase 5 km de altura. Os cientistas que trabalham com os dados da Venus Express relataram uma descoberta semelhante em julho.
Uma possibilidade é que, quando o vento sopra sobre Aphrodite Terra, as nuvens são empurradas mais para cima e a temperatura do topo das nuvens cai. "Nossa interpretação é que existe algum distúrbio causado pela montanha", disse Nakamura.
Satoh disse que havia basicamente duas ideias concorrentes da origem da energia do vento de Venus: uma delas é que a energia que vem do sol acelera o vento; a segunda é que a atmosfera é tão densa que gradualmente diminui o giro do planeta e a velocidade angular é transferida para o ar.
De acordo com esta teoria, apesar de a brisa na superfície ser reduzida, soprando a uns 3 km/h, a velocidade aumenta em altitudes mais elevadas, conforme o ar vai se diluindo.
A pequena nave – seu corpo principal é uma caixa um pouco maior que uma geladeira – carrega cinco câmeras, coletando a luz em diferentes cumprimentos de onda para monitorar a atmosfera venusiana em diferentes altitudes.
Em outro experimento, os cientistas irão observar como o sinal de rádio da nave enviado à Terra se distorce ao passar pela da atmosfera. Isso vai revelar a temperatura, a quantidade de vapor de ácido sulfúrico e outras propriedades. Ao observar a atmosfera em diferentes altitudes, eles poderão detectar características de ondas que sobem e descem, como bolhas em uma lâmpada de lava.
"Se a hipótese do aquecimento solar ou da maré térmica está correta, poderemos ver uma propagação de onda diferente, da parte de cima da nuvem para a inferior", disse Satoh. Se a teoria de viscosidade estiver correta, as ondas devem se propagar na direção oposta, do solo para as nuvens.
Talvez as respostas acabem ficando claras em um ano – ou talvez quatro. "Precisamos analisar uma grande quantidade de dados complexos", disse Nakamura.
O fato de a Akatsuki, que significa "amanhecer" em japonês, estar onde está é resultado de talento e perseverança.
Ela foi lançada em maio de 2010 e chegou a Vênus sete meses depois, mas quando seu motor principal falhou, a sonda passou direto pelo planeta.
"Foi um momento muito triste", conta Satoh.
Depois de um dia, segundo ele, os cálculos indicaram que em seis anos, a Akatsuki, em órbita em torno do sol em vez de Vênus, poderia se encontrar com o planeta novamente, mas não estava claro se a nave ainda seria capaz de diminuir sua velocidade e entrar em órbita.
Uma investigação descobriu que uma válvula no motor havia vazado, levando à formação de sais que a entupiram. O motor havia superaquecido e não podia mais ser consertado.
A Akatsuki ainda tinha os propulsores de manobra que seriam usados depois que entrasse em órbita. Não eram tão poderosos quanto o motor que quebrara, mas poderiam aplicar força suficiente para retardá-lo o suficiente para que a gravidade de Vênus pudesse capturá-lo.
Por causa de preocupações sobre uma permanência estendida no espaço, com o bombardeio de radiação solar e raios cósmicos que poderiam estragar seus instrumentos, a sonda foi manobrada para que o segundo encontro ocorresse um ano antes, em novembro de 2015.
Os cálculos feitos então sugeriram que a órbita poderia não ser estável, havendo a possibilidade de a nave colidir com o planeta pouco depois. Outro ajuste atrasou a chegada em algumas semanas, para 7 de dezembro, exatamente cinco anos após a data original prevista.
Dessa vez, tudo funcionou.
A órbita da Akatsuki é diferente da que foi imaginada originalmente. Em vez de estar sincronizada com a atmosfera, o que teria permitido que os cientistas controlassem melhor as pequenas alterações, ela agora dá voltas ao redor de Vênus em uma grande órbita elíptica.
Isso garante outros benefícios. Em vez de examinar atentamente um determinado lugar e ver mudanças menores, os cientistas agora são capazes de ver o que acontece em uma escala global, embora perdendo alguns detalhes.
A Akatsuki vai continuar operando até pelo menos abril de 2018, dependendo de quanto combustível ainda tenha. "Sabemos que temos pelo menos um quilo de combustível", disse Nakamura, comparando a incerteza a um medidor de combustível impreciso em um carro.
"Se por acaso houver mais, a sonda poderá continuar a operar talvez por até seis anos", disse ele.
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