Cientistas querem entender o que está causando o desaparecimento dos pássaros fradinhos
Os fradinhos estão em apuros. As aves sofreram um declínio precipitado, especialmente a partir dos anos 2000, tanto na Islândia quanto em outros habitats atlânticos. Os potenciais culpados são muitos: presas que não se reproduzem estavelmente, pesca demais, poluição. Os cientistas dizem que a mudança climática é outro fator subjacente que diminui o abastecimento de alimentos e provavelmente poderá se tornar mais relevante ao longo do tempo. E o fato de serem saborosos, e por isso muito caçados, não ajuda.
Annette Fayet tenta solucionar o mistério da míngua dos fradinhos e, por conta disso, anda enfiando o braço até o ombro em suas tocas. Ela tirou um da toca delicadamente, prendendo sua pata com um instrumento que parecia uma bengala. Quando finalmente retirou a ave de lá, ela defecou em sua calça, que por sorte era impermeável, graças à sua longa experiência.
"Uau, a ciência!", disse e sorriu. Idealmente, o fradinho, com sua plumagem que lembra um smoking e seu bico laranja, teria feito suas necessidades em um pote de aço chamado de "banheiro de papagaio". Então, ela pegou uma colher de madeira plana, raspou a sujeira e a colocou em um frasco para análise, para saber o que eles têm comido.
Embora algumas colônias de fradinhos estejam indo bem e prosperando, na Islândia, onde a maior população deles é encontrada, seus números caíram de quase sete milhões para 5,4 milhões de indivíduos. Desde 2015, as aves estão indicadas como "vulneráveis" pela União Internacional para a Conservação da Natureza, ou seja, enfrentam um elevado risco de extinção.
Essas aves são consideradas pelos islandeses como parte de sua história, cultura e turismo – e, para alguns, da sua culinária. "O fradinho é a ave mais comum na Islândia e também a mais caçada", disse Erpur Snaer Hansen, diretor interino do centro de pesquisa natural do Sul da Islândia.
Hansen está trabalhando com Fayet, que é francesa, além de colega de pesquisa da Universidade de Oxford, em seu projeto para monitorar as atividades de quatro colônias de fradinhos, duas na Islândia e outras no País de Gales e na Noruega. Desde 2010 eles fazem dois censos por ano, no qual ele viaja mais de cinco mil quilômetros em torno da Islândia, visitando cerca de 700 tocas marcadas em 12 colônias diferentes, onde conta os ovos e os filhotes.
Durante uma parada na Ilha de Lundey, na Islândia, Hansen encontrou caçadores que haviam matado centenas de aves e as carregavam para seus barcos para vendê-las a restaurantes que servem a carne principalmente para turistas curiosos.
Hansen mantém uma relação amigável com os caçadores e utiliza dados dos registros de 138 anos do clube de caça em sua pesquisa. Ele convenceu os caçadores a deixarem que sua assistente fotografasse a cabeça de cada fradinho; as faixas em seus bicos podem ser contadas para determinar sua idade.
Em Grimsey, uma ilha do norte, gaivotas e andorinhas do Ártico rodavam no céu nublado enquanto Fayet e Hansen trabalhavam.
Fayet usa lentes de contato e os grãos soprados pelo vento que chega a 64 km/h são um tormento. E ainda havia carrapatos, muitos carrapatos. Uau, a ciência! Também havia alguns prazeres para contrabalancear: Hansen, cozinheiro talentoso, assou carne de cordeiro para o jantar com alho e tomilho e ainda trouxe duas garrafas de um uísque excelente.
Após o jantar, os dois cientistas trabalharam na brilhante noite ártica, finalmente capturando, examinando e liberando uma dúzia de pássaros em sua estadia de dois dias na ilha. Entre as capturas, Fayet debruçou-se sobre uma pedra, olhando atentamente para um penhasco. De repente, ela pulou e correu em uma velocidade surpreendente por cerca de 150 metros em direção ao penhasco; agachou na frente de um buraco no qual vira uma ave entrar.
Hansen ia de toca em toca, parecendo um astronauta com a viseira branca presa sobre os olhos. Deu um jeito de colocar uma câmera com uma haste flexível dentro delas para olhar ao redor. "Ah, bom", disse ele quando avistou um filhote.
Depois de pegar o pássaro, eles o deslizaram por um tubo de plástico que surpreendentemente o manteve calmo e em seguida o pesaram. Hansen colocou uma tarja de identificação na pata. Depois o retiraram do tubo e prenderam um pequeno localizador GPS em suas costas, entre as asas.
Durante a semana, até que o dispositivo caia, mostrará a distância que as aves voam até sua comida e a profundidade de seus mergulhos. Cada GPS custa mais de US$ 800, o que significa que a mala que carrega os aparelhos de monitoramento vale mais que o caminhão surrado que os pesquisadores utilizam.
Fayet arrancou cinco penas para análise posterior do DNA, para determinar o sexo da ave. Para a identificação, ela usou um marcador azul em seu peito e um corretivo líquido e branco no topo das penas pretas de sua cabeça. "Desculpe, bebê", disse suavemente e retornou o fradinho à sua toca, onde ele vai, sem dúvida, recontar um dia essa história sobre o seu rapto por alienígenas com etiquetas e fitas em um certo verão.
Ao redor da Islândia, os fradinhos têm diminuído em número por conta da escassez de sua comida favorita, a prateada enguia-da-areia, que fica pendurada no bico dos pais para dar aos filhotes. Esse declínio está relacionado ao aumento das temperaturas da superfície marítima, que Hansen tem monitorado há anos.
A temperatura das águas em todo o país é regida por ciclos de longo prazo, conhecidos como oscilação multidécadas Atlântica, com períodos de água mais fria que se alternam com águas mais quentes. Entre o ciclo de frio de 1965-1995 e o ciclo morno atual, disse Hansen, os registros das temperaturas invernais mostram que houve um aquecimento de aproximadamente 1ºC – uma quantidade aparentemente pequena, mas desastrosa para as enguias-da-areia. Sua teoria é esta: "Se você aumenta as temperaturas em um grau, muda as taxas de crescimento e sua capacidade de sobreviver ao inverno".
Aevar Petersen, ornitólogo islandês que não está envolvido no projeto, disse que um aumento na temperatura do mar provocado pela mudança climática foi "o fator ambiental chave" por trás do declínio das enguias-da-areia.
O cenário é complicado; os ciclos naturais dificultam a diminuição de influência das alterações climáticas. Essa influência é "muito mais fraca no Atlântico Norte, especialmente perto da Islândia", disse Rong Zhang, cientista do Laboratório Geofísico de Dinâmica dos Fluidos.
Ainda assim, a marca da mudança climática é cada vez mais evidente, disse Andrew Dessler, cientista do clima na Universidade do Texas. "Chegará um momento em que a mudança climática será muito maior do que sua variabilidade interna", disse ele.
Sem tantas enguias-da-areia na água, as aves têm que voar mais longe para encontrar comida.
Assim, os dados dos aparelhos de GPS são de grande interesse, por mais breve que seja sua transmissão. Quando Fayet abriu seu computador em Grimsey, seus colegas na Noruega haviam lhe enviado os primeiros dados de seu trabalho da semana anterior. Sua tela estava cheia dos caminhos das aves.
"Esta é a primeira vez que isso está sendo feito, por isso não temos muitas expectativas. Tudo que conseguirmos será novidade", disse ela.
Mas as novidades podem trazer uma mensagem triste.
"Em todos os lugares, eles estão indo mais longe do que pensávamos", disse Fayet. O declínio das colônias sugere que as aves estão trabalhando arduamente para conseguir o jantar. "O voo, para os fradinhos, exige muito. É uma grande quantidade de energia que despendem", disse ela.
Os achados de Hansen mostram que 40% da população dos filhotes islandeses está perdendo massa corporal, outro mau sinal.
Quando os adultos não conseguem pegar comida suficiente para alimentar a si e aos filhotes, eles fazem uma escolha malthusiana instintiva: os pequenos passam fome. Fayet chamou sua missão de "devastadora": "Você coloca sua mão na toca e sente com a mão uma bolinha no chão, mas logo percebe que está fria e que não se move".
Ainda há milhões de fradinhos no Atlântico, mas suas colônias abundantes estão em declínio, afirmou Hansen. "Esses pássaros vivem bastante, assim você não consegue enxergar seu declínio." Em longo prazo, ele advertiu: "Não será sustentável".
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