Como DNA do neandertal ainda influencia a nossa genética (e nosso cérebro)
Quem se inscreve para os testes genéticos de empresas como a 23andMe pode descobrir quanto do seu DNA vem dos neandertais. Para aqueles cuja ancestralidade não venha da África, esse número é algo entre um e dois por cento.
Os cientistas ainda estão longe de descobrir o que significa herdar um gene neandertal. Alguns deles podem ser úteis - aumentando a defesa do corpo contra infecções, por exemplo -, mas outros podem deixar seus portadores mais suscetíveis a certas doenças.
Recentemente, uma equipe de cientistas revelou que dois pedaços específicos do DNA neandertal talvez tenham outro efeito: mudar o formato do nosso cérebro. O propósito do estudo, publicado no periódico científico "Current Biology", não era determinar como, ou se, os genes neandertais influenciavam o pensamento. A relevância da pesquisa é a análise inovadora das mudanças genéticas que influenciam a evolução do cérebro humano.
"Esse estudo é certamente um marco", afirmou Emiliano Bruner, pesquisador paleoantropólogo do Centro de Pesquisa em Evolução Humana da Espanha, que não estava envolvido na pesquisa.
Os neandertais e os homens modernos são primos evolutivos, cujos ancestrais se separaram há cerca de 530 mil anos, possivelmente em algum lugar do continente africano. O homem de Neandertal deixou a África muito antes do homem moderno e seus ossos foram encontrados em toda a Europa, no Oriente Médio e até mesmo na Sibéria.
Antes de desaparecerem, há cerca de 40 mil anos, os neandertais deixaram para trás sinais de sofisticação: lanças para caçar animais grandes, por exemplo, e joias produzidas com conchas e garras de águia.
Mesmo assim, cientistas ainda se perguntam quanto exatamente esses primos seriam parecidos com a gente. Tinham uma linguagem amplamente desenvolvida? Pensavam por meio de símbolos?
Uma coisa é clara: o cérebro deles não era pequeno. Medindo o volume interno do crânio do homem de Neandertal, pesquisadores descobriram que os cérebros eram, em média, tão grandes quanto os nossos, talvez até maiores. Mas não eram idênticos.
Temos cérebros arredondados. Todas as outras espécies humanas apresentavam caixa craniana longilínea
Philipp Gunz, paleoantropólogo do Instituto de Antropologia Evolucionária Max Planck, em Leipzig, Alemanha.
Gunz e seus colegas analisam imagens de tomografia computadorizada de fósseis da caixa craniana para acompanhar a evolução cerebral. Chegaram à conclusão de que os crânios mais antigos dos humanos modernos, de 300 mil anos, abrigavam cérebros longilíneos, mais parecidos com os dos neandertais do que com os nossos. Crânios de aproximadamente 120 mil anos mostram que os cérebros foram ficando mais arredondados nessa época, mas ainda distintos da forma encontrada nas pessoas de hoje.
Entretanto, existe um vácuo no registro de fósseis após aquele período; os próximos crânios mais antigos estudados pela equipe de Gunz têm apenas 36 mil anos, estes sim com a distintiva característica arredondada dos cérebros atuais. O crânio humano moderno ficou mais redondo porque certas regiões do cérebro mudaram de tamanho. Por exemplo: na porção posterior do cérebro, uma parte chamada cerebelo aumentou significativamente.
O grupo de Gunz se perguntou que tipos de mudanças genéticas teriam levado a isso e levantou a hipótese de que a resposta poderia estar em um experimento natural que aconteceu há cerca de 60 mil anos: a miscigenação entre humanos e neandertais.
Ao deixar a África, os humanos modernos teriam encontrado neandertais e se relacionado com eles, dando origem a crianças que herdaram um conjunto de cromossomos de cada genitor. O DNA neandertal acompanhou gerações de pessoas sem descendência africana.
Será que os genes neandertais tiveram algum efeito sobre o formato do cérebro humano moderno?
O efeito causado por qualquer gene seria consideravelmente sutil, por isso Gunz e seus colegas precisavam comparar muitos cérebros para encontrá-lo. Felizmente, muitos grupos de cientistas já tinham começado a desenvolver uma base de dados com informações do DNA e de imagens de tomografia computadorizada de cérebros de voluntários.
A equipe de Gunz estudou 4.468 pessoas na Holanda e na Alemanha, pesquisando 50 mil marcadores genéticos herdados dos antigos neandertais a partir do DNA de voluntários. Depois, comparou o formato do cérebro das pessoas para ver se havia alguma variante genética neandertal que pudesse estar associada. Dois marcadores genéticos se destacaram: as pessoas que os possuem apresentam padrões pouco comuns de atividade genética no cérebro.
Um marcador está ligado ao gene PHLPP1, que demonstra atividade fora do comum no cerebelo das pessoas que trazem em si a versão neandertal. Ele controla a produção de uma bainha isolante que envolve as fibras nervosas, chamada mielina, que é crucial para a comunicação de longo alcance no cérebro.
O outro marcador está ligado ao gene UBR4, que, em quem apresenta a herança neandertal, é menos ativo em uma região frontal do cérebro chamada putâmen. O UBR4 auxilia na divisão de neurônios nos cérebros de crianças.
Tais achados sugerem que tanto o PHLPP1 quanto o UBR4 evoluíram até chegar a uma função distinta no cérebro humano moderno. Acredita-se que a versão moderna do PHLPP1 tenha produzido mais mielina no cerebelo, e nossa versão do UBR4 pode ter acelerado o crescimento de neurônios no putâmen.
Por que essas mudanças aconteceram?
Simon Fisher, coautor do novo estudo no Instituto de Psicolinguística Max Planck, na Holanda, especulou que a razão pode vir do fato de os humanos modernos terem desenvolvido ferramentas e mecanismos de linguagem mais sofisticados.
Coisas como usar ferramentas e articular um discurso são amplamente dependentes dos circuitos motores
Fisher
Ambas as habilidades exigem que o cérebro envie comandos rápidos e precisos aos músculos. Além disso, pode não ser coincidência que o cerebelo e o putâmen sejam partes cruciais do nosso circuito motor - exatamente as regiões que ajudaram a mudar o formato geral do cérebro humano moderno.
Qual o significado dessa pesquisa para quem carrega a versão neandertal dos genes capazes de modelar o cérebro humano?
Há limites acerca do que a genética é capaz de nos ensinar, revelou John Anthony Capra, um biólogo evolucionário da Universidade Vanderbilt, que não participou do estudo.
Ele observou que é muito difícil prever o comportamento das pessoas a partir dos seus genes - e muito menos tentar explicar alguns genes neandertais. Para entender o que eles estão fazendo no cérebro, os cientistas precisarão distinguir sinais muito abafados em meio ao barulho do genoma humano.
"Considerando que isso seja realmente possível, estamos ainda muito longe de chegar lá", concluiu Capra.
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