Falha na Força: astrônomos tentam explicar expansão mais rápida do Universo
Houve, poderia ser dito, uma falha na Força. Há muito tempo, quando o universo só tinha cem mil anos - uma massa em expansão de partículas e radiação -, um campo energético estranho foi ligado. Aquela energia banhou o universo com um tipo de antigravidade cósmica, possibilitando uma expansão pouco gentil do universo.
Então, depois de outros 100 mil anos, o novo campo simplesmente desapareceu, não deixando rastros além de um universo em aceleração. É essa a estranha história que está sendo divulgada por alguns astrônomos da Universidade Johns Hopkins. Em uma corajosa e especulativa volta ao passado, a equipe sugeriu a existência desse campo para explicar um enigma astronômico: o universo parece estar se expandindo mais rapidamente do que deveria.
O cosmo está se expandindo apenas 9% mais rapidamente do que a teoria supõe, mas essa ligeira discrepância tem intrigado os astrônomos, que acreditam estar revelando algo novo sobre o universo. Por isso, nos últimos anos, eles têm se reunido em workshops e conferências na busca por um erro ou brecha nas medidas e nos cálculos feitos anteriormente, até agora sem sucesso.
"Se formos levar a cosmologia a sério, esse é o tipo de coisa que precisamos ser capazes de levar a sério", afirmou Lisa Randall, teórica de Harvard que tem examinado o problema. Em um encontro recente em Chicago, Josh Frieman, teórico do Laboratório Nacional de Acelerador Fermi em Batavia, Illinois, perguntou: "Até que ponto reivindicamos a descoberta de uma nova física?"
Novas ideias estão surgindo. Alguns pesquisadores dizem que o problema poderia ser resolvido inferindo a existência de partículas subatômicas antes desconhecidas. Outras, como a do grupo da Johns Hopkins, estão evocando novos tipos de campos energéticos. Contribuindo para a confusão, já existe um campo de força - chamado energia escura - que faz o universo se expandir com mais rapidez. E um relatório recente e controverso sugere que essa energia escura pode estar se tornando mais forte e densa, levando-nos a um futuro em que os átomos são dilacerados e o tempo acaba.
Por enquanto, a maioria dessas ideias não foi corroborada por evidências. Se alguma delas se provar verdadeira, os cientistas talvez tenham de reescrever a origem, a história e, talvez, o destino do universo. Ou tudo pode não passar de um equívoco. Os astrônomos possuem métodos rigorosos para estimar os efeitos de ruídos estatísticos e outros erros randômicos em seus resultados; mas não tanto para distorções que não foram examinadas, os chamados erros sistemáticos. Como Wendy L. Freedman, da Universidade de Chicago, disse no encontro realizado na cidade: "O desconhecimento sistemático é o que pode nos levar para o fim."
O problema de Hubble
Gerações de grandes astrônomos sofreram na tentativa de tentar medir o universo. No cerne da questão, há um número chamado a constante de Hubble, batizado em homenagem a Edwin Hubble, o astrônomo de Mount Wilson que, em 1929, descobriu que o universo está em expansão. Enquanto o espaço se expande, transporta as galáxias para longe umas das outras, como uvas-passas em um bolo assando. Quanto mais distantes duas galáxias estiverem, com mais rapidez elas se afastarão. A constante de Hubble simplesmente dá essa medida.
Contudo, para calibrar a constante de Hubble, os astrônomos dependem de velas padrão: objetos, como explosões de supernovas e algumas estrelas variáveis, cujas distâncias podem ser estimadas pela luminosidade ou outra característica qualquer. É aqui que a discussão começa. Até poucas décadas atrás, os astrônomos não conseguiam concordar com o valor da constante de Hubble: 50 ou 100 quilômetros por segundo por megaparsec. (Um megaparsec equivale a 3,26 milhões de anos-luz.) Em 2001, entretanto, um time liderado por Freedman e usando o Telescópio Espacial Hubble registrou um valor de 72. Para cada megaparsec distante de nós que uma galáxia se encontre, ela estará se movendo 72 quilômetros por segundo mais rápido.
Esforços mais recentes feitos por Adam G. Riess, da Johns Hopkins e do Instituto Científico Space Telescope, e outros chegaram a números similares e, agora, astrônomos acreditam ter diminuído a incerteza da constante de Hubble para apenas 2,4 por cento. No entanto, a nova precisão trouxe novos problemas. Esses resultados são tão bons que divergem dos resultados encontrados pela sonda espacial europeia Planck, que estimou uma constante de Hubble de 67.
A discrepância - 9% - soa fatal, mas pode não ser, os astrônomos ponderam, porque a sonda Planck e os astrônomos humanos fazem observações de tipos distintos. A Planck é considerada o padrão mais elevado da cosmologia. Passou quatro anos estudando o banho cósmico resultante das micro-ondas remanescentes do fim do Big Bang, quando o universo tinha apenas 380 mil anos, mas não mediu a constante de Hubble diretamente. Em vez disso, o grupo da sonda europeia derivou o valor da constante, e de outros parâmetros cósmicos, a partir de um modelo matemático amplamente baseado naquelas micro-ondas.
Resumindo, a constante de Hubble definida pela sonda Planck tem como base a fotografia do que seria um bebê cósmico. Em contraste, o valor astronômico clássico é derivado do que os cosmólogos modestamente chamam de "medidas locais", ou seja, alguns poucos bilhões de anos-luz da vida de um universo de meia-idade. E se aquela foto do bebê deixou de lado ou ocultou algumas características importantes do universo?
'Acerte o jacaré cosmológico'
E lá se vão os cosmólogos enfrentar o desafio do jogo que Lloyd Knox, astrofísico da Universidade da Califórnia, em Davis, chamou de "a versão cosmológica de acerte o jacaré" (aquele jogo em que várias cabeças do animal saem aleatoriamente de buracos e você precisa acertar todas com um martelo de plástico) no recente encontro de Chicago: tentar arrumar o modelo da origem do universo, fazendo com que se expanda um pouco mais rapidamente sem destruir o que o modelo já tem de bom.
Uma abordagem, sugerem alguns astrofísicos, é incluir mais espécies de partículas subatômicas leves, como as partículas fantasmas de neutrinos, ao universo primitivo. (Os físicos já reconhecem três tipos de neutrinos e discutem se há evidências de uma quarta variedade.) Isso daria ao universo mais espaço para estocar energia, da mesma maneira que, tendo mais gavetas no armário, você consegue acumular mais pares de meias. Uma vez revigorado, o universo se expandiria mais rapidamente, seguindo a lógica do Big Bang, e, com sorte, sem bagunçar as micro-ondas da foto do bebê.
Uma forma mais dramática de tratar o assunto, vinda do grupo da Johns Hopkins, usa campos de energia antigravitacional exóticos. A ideia explora um aspecto da Teoria das Cordas, a presumida, porém não comprovada, "teoria de tudo", que supõe que as partes constituintes elementares da realidade são cordas muito pequenas que se entrelaçam em um movimento contorcionista. A Teoria das Cordas sugere que o espaço poderia estar atado por meio de campos energéticos exóticos associados a partículas leves ou forças ainda desconhecidas. Esses campos, que em conjunto são chamados de quintessência, poderiam agir em oposição à gravidade e mudar ao longo do tempo - aumentando, decaindo ou mudando seus efeitos, indo da repulsa à atração.
A equipe se concentrou especialmente nos efeitos dos campos associados a partículas hipotéticas chamadas de áxions e chegaram à conclusão de que, se esse tipo de campo tivesse aparecido quando o universo tinha aproximadamente 100 mil anos, poderia ter produzido energia suficiente para consertar a discrepância de Hubble, informou a equipe em um trabalho no ano passado. Eles chamam essa força teórica de "energia escura primitiva". "Fiquei surpreso com o resultado. Isso funciona", comemorou Marc Kamionkowski, cosmólogo da Johns Hopkins que participou do estudo.
O júri ainda está deliberando. Riess observou que a ideia parece funcionar, o que não significa que ele concorde ou que ela esteja correta. A natureza, manifestada por meio de observações futuras, terá a palavra final. Knox chamou o trabalho da Johns Hopkins de "prova existente" de que o problema de Hubble pode ser resolvido. "Isso para mim é novidade", opinou.
Randall, entretanto, questionou aspectos dos cálculos feitos pela Johns Hopkins. Junto com um trio de pós-doutores de Harvard, a cientista está trabalhando em uma ideia similar que, segundo ela, funciona e é matematicamente consistente. "É uma novidade e é muito bacana", anunciou Randall.
Até agora, o investimento ainda está em fase de confusão cósmica. Michael Turner, cosmólogo veterano na Universidade de Chicago e responsável pela recente declaração pública sobre as tensões acerca da constante de Hubble, informou: "Na verdade, estamos todos sobrecarregados com tudo isso. Estamos confusos e esperançosos de que a confusão leve a algo bom!"
É o apocalipse? Ah, deixa para lá
A ideia da energia escura primitiva é atraente para alguns cosmólogos porque dá indícios de uma conexão para dois, ou entre dois, episódios misteriosos da história do universo. Como Riess reiterou, "não é a primeira vez que o universo está se expandindo rápido demais".
O primeiro episódio se deu quando o universo não tinha nem um trilionésimo de um trilionésimo de segundo. Naquele momento, os cosmólogos supõem, um balão violento impulsionou o Big Bang; em uma fração de um trilionésimo de segundo, esse evento - batizado de "inflação" pelo cosmólogo Alan Guth, do MIT - uniformizou e atenuou o caos inicial, dando origem ao universo mais ordenado que observamos hoje. Ninguém sabe o que levou à inflação.
O segundo está se desenvolvendo agora: a expansão cósmica está em aceleração. Mas por quê? A questão veio à luz em 1998, quando dois grupos de astrônomos concorrentes questionaram se a gravidade coletiva das galáxias estaria diminuindo a expansão em ritmo suficiente para levar tudo, um dia, a ser arrastado para o mesmo lugar, dando origem ao Grande Colapso. Ficaram surpresos ao descobrir exatamente o oposto: a expansão estava se acelerando sob a influência de uma força antigravitacional posteriormente chamada de energia escura. Os dois grupos foram laureados com o Prêmio Nobel.
A energia escura abrange 70% da energia de massa do universo. E, estranhamente, se comporta como um fator de correção conhecido como constante cosmológica, uma força cósmica repulsiva que Einstein incluiu em suas equações há um século, pensando que impediria o universo de entrar em colapso em decorrência do próprio peso. Depois de algum tempo, ele abandonou a ideia, talvez cedo demais.
Sob a influência da energia escura, o cosmos agora está dobrando de tamanho a cada dez bilhões de anos - a finalidade disso, ninguém sabe.
A energia escura primitiva, a força citada pelo grupo da Johns Hopkins, pode representar um terceiro episódio de antigravidade que esteja influenciando o universo, fazendo com que acelere. Talvez todos os três episódios sejam manifestações distintas da mesma tendência latente do universo de se rebelar, sair um pouco do roteiro e aumentar sua velocidade ocasionalmente. Em um e-mail, Riess lançou a hipótese: "Talvez o universo faça isso de vez em quando."
Se for assim, isso significaria que a atual manifestação da energia escura não é, afinal, a constante de Einstein. Ela pode se apagar um dia, o que libertaria astrônomos, e qualquer outra pessoa, de um pesadelo existencial sobre o futuro do universo.
Se a energia escura se mantiver constante, tudo o que existe fora dos limites da nossa galáxia eventualmente vai se distanciar de nós com velocidade maior do que a da luz, e, portanto, não será mais visível. O universo vai ficar sem vida e completamente escuro. Por outro lado, se a energia escura for temporária - ou seja, se um dia se apagar -, os cosmólogos e metafísicos podem voltar a contemplar um futuro tangível.
"Uma característica tentadora disso é que talvez possa existir um futuro para a humanidade", sustentou Scott Dodelson, teórico da Carnegie Mellon que explorou cenários semelhantes.
O cosmo fantasma
O futuro, no entanto, ainda está aberto a qualquer possibilidade. Longe de se apagar, a energia escura hoje presente no universo aumentou com o tempo cósmico, segundo relatado recentemente na "Nature Astronomy". Se isso continuar, o universo pode acabar um dia no que os astrônomos chamam de Grande Ruptura, em que átomos e partículas elementares se desintegrariam - talvez a catástrofe cósmica definitiva.
Essa suposição desastrosa surgiu com o trabalho de Guido Risaliti, da Universidade de Florença, na Itália, e de Elisabeta Lusso, da Universidade de Durham, na Inglaterra. Nos últimos quatro anos, eles examinaram a história profunda do universo, usando cataclismas violentos e longínquos, chamados quasares, como marcadores distantes.
Os quasares surgem de buracos negros supermassivos localizados no centro das galáxias; são os objetos mais brilhantes na natureza e podem ser claramente avistados em todo o universo. Não são bons como vela padrão, pois a massa varia muito. Mesmo assim, os pesquisadores identificaram algumas regularidades nas emissões de quasares, permitindo que a história do cosmo remontasse a quase 12 bilhões de anos. A equipe descobriu que a taxa de expansão cósmica desse período foi diferente da esperada.
Uma interpretação desses resultados é que a energia escura não é, portanto, constante, mas está mudando, ficando mais densa e, consequentemente, mais forte no decorrer do tempo cósmico. Esse aumento da energia escura também seria suficiente para resolver a discrepância nas medições da constante de Hubble.
A notícia ruim é que, se esse modelo estiver certo, a energia escura pode ser uma forma hostil e - segundo a maioria dos físicos - improvável, chamada energia fantasma. Sua existência poderia implicar que as coisas podem perder energia ao sofrer aceleração, por exemplo. Robert Caldwell, físico em Dartmouth, chamou isso de "coisas que levam a más notícias". Enquanto o universo se expande, a pressão da energia fantasma cresceria sem limites, eventualmente superando a gravidade e dividindo, primeiro, a Terra e, na sequência, os átomos.
A reação da comunidade da constante de Hubble em relação ao novo estudo foi de precaução. "Se sustentado, é um resultado muito interessante", ponderou Freedman.
Os astrônomos tentam medir essa energia escura há duas décadas. Duas missões espaciais - a Euclid, da Agência Espacial Europeia, e a Wfirst, da NASA - foram escolhidas para estudar a energia escura e, se tudo der certo, oferecer respostas definitivas para a próxima década. O destino do universo está em jogo.
Enquanto isso, segundo Riess, tudo, incluindo a energia fantasma, merece atenção e deve ser examinado. "Em uma lista de possíveis soluções para a tensão por que passa a nova física, falar de uma energia escura estranha como essa poderia ser apropriado. Poxa, pelo menos a matéria escura deles está indo na direção certa para resolver a tensão. Ela poderia ter ido para o outro lado e ter piorado tudo!", escreveu por e-mail.
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