Sara Bentes: cantora cega emprestou sua voz às urnas eletrônicas

A partir deste ano, a voz que guia pessoas com deficiência visual nas urnas tem uma nova identidade: Letícia.

A voz pertence à cantora Sara Bentes, de 42 anos. Amostras da voz da artista foram sintetizadas para criar a assistente que vai "humanizar" o apoio a pessoas com deficiência —desde 2000, as urnas já tinham uma voz, mas era robótica e não dizia o nome dos candidatos. Agora, Letícia vai informar o cargo que está em votação a cada momento, os números digitados e o nome do candidato escolhido. Tudo isso sem quebrar o sigilo do voto, com o uso de fones de ouvido distribuídos pelos mesários.

Sara Bentes também tem deficiência visual. Ela nasceu com glaucoma congênito, doença rara relacionada ao acúmulo de líquido e aumento da pressão dentro do olho. Durante a infância e juventude, Sara passou por 17 cirurgias, foi expulsa de uma escola que parou de aceitar alunos com deficiência e teve dificuldade com as matérias mais visuais, como física e geometria. Em depoimento à revista Marie Claire em 2018, contou: "Até hoje, tenho sonhos ruins com essa época".

Até os três anos, ela não enxergava nada. Depois, para a surpresa dos médicos, recuperou 5% da visão em cada olho. Na adolescência, no entanto, perdeu a visão no olho direito, que substituiu por uma prótese. Aos 27, depois de um procedimento de agulhamento (em que se faz uma punção no olho para liberar o líquido), perdeu a visão do olho esquerdo também.

Lembro a última cor que vi, o rosa da toalhinha que usava para enxugar as lágrimas. Sara Bentes em depoimento à revista Marie Claire

Ela sempre teve afinidade com as artes. Aos 13 anos, montou uma dupla com a irmã, que tocava violão. Na mesma época, começou a escrever com ajuda de um software leitor de tela —hoje, além de cantora, ela também tem seis livros publicados. Sara é artista circense e atriz de teatro.

Em um de seus shows, Sara deixa o público vendado. O Show no Escuro é descrito como "uma experiência sensorial imersiva" que desafia a plateia a abrir mão da visão. "Quando nos propomos a deixar de enxergar, desbloqueamos outros sentidos e nos conectamos com o que não perceberíamos normalmente", descreve Deivid Miranda, o diretor artístico do espetáculo.

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