Guitarrista do Living Colour, Vernon Reid critica populismo: 'É assustador'

Lançada em 1990, "Time's up", música que dá nome ao segundo disco do Living Colour, não era um tipo de composição comum na época. "Não havia canções pesadas falando de rios e árvores", lembra Vernon Reid, guitarrista da banda em entrevista a Toca.

O que ele disse

Mais de três décadas depois, Reid se impressiona sobre como o tempo tornou "Time's up" ainda mais relevante. O aviso de "tempo esgotado" do título nunca foi tão urgente, acredita. "Nós respiramos por causa das árvores, e a floresta amazônica está sendo destruída."

Todos hoje querem ter as coisas mais modernas, que antes eram só pra uma parte da humanidade. E o mundo não tem como sustentar isso. Mas não podemos virar simplesmente pras pessoas que agora conseguem tê-las e dizer: 'Agora vocês não podem'. Isso é maluco. É uma situação assim que abre espaço pro populismo político, que domina o debate hoje. O Brasil passou por isso com Bolsonaro, a Argentina atravessa isso agora, nós tivemos Trump. É assustador. Vernon Reid

"Time's up" está no repertório da série de quatro shows que o Living Colour fará no Brasil nesta semana, dois anos depois de terem se apresentado no Rock in Rio, ao lado de Steve Vai; a turnê brasileira começa pelo Rio (quinta, 10) e depois segue para Belo Horizonte (sexta, 11), São Paulo (sábado, 12) e Brasília (domingo, 13). A canção é apenas um exemplo entre outras da banda que, com peso e groove, afirmam suas convicções políticas e suas preocupações sociais.

Os EUA sempre foram obcecados com distopias em seus livros e filmes, com as coisas horríveis que podiam acontecer. Agora é quase como se estivéssemos tornando reais nossos piores pesadelos. E o Living Colour falou disso em muitas de suas canções, como 'Funny Vibe' (sobre racismo), 'Open Letter to a Landlord' (denúncia contra injustiça social e a insensibilidade dos mais ricos)... Ou mesmo 'Information Overload' (alerta sobre o domínio digital). E ali nós nem estávamos pensando em inteligência artificial. Falávamos sobre o computador no seu bolso, mas não antecipamos o robô no seu bolso. Vernon Reid

Com seis álbuns de estúdio em sua trajetória, a banda — cuja formação inclui ainda o vocalista Corey Glover, o baterista Will Calhoun e o baixista Doug Wimbish — trabalha num novo disco, o sucessor de "Shade" (de 2017). Mas Vernon adianta que ainda não há nada novo que esteja pronto para ser mostrado nos palcos brasileiros. "Temos algumas coisas que eu gosto, mas ainda há muito trabalho a fazer."

O guitarrista promete, porém, tocar por aqui músicas que não mostram no palco há muito tempo. "Uma delas é 'Bi', amo o que essa canção diz", diz Vernon, referindo-se aos versos que fazem um louvor à bissexualidade. "Vamos trazer algumas canções como essa em meio a outras que sempre tocamos, tentando a melhor combinação para chegar a um show coeso."

Em seus primeiros anos (a banda nasceu em 1984), o Living Colour era visto com certa estranheza por uma parcela da imprensa por serem uma banda de negros fazendo rock — uma perspectiva racista que desconsiderava nomes como Chuck Berry e Jimi Hendrix. Para Vernon, a questão racial desde então teve avanços importantes. "Tivemos um presidente negro, e uma mulher negra pode ser a próxima presidente dos Estados Unidos", destaca o guitarrista.

Porém, ele faz uma ressalva: "Tivemos também Donald Trump, e nada pode ser mais diferente de Obama". "É uma amostra do senso de divisão que vivemos, na política, na religião, na questão de orientação sexual. Pessoas gays são visíveis na sociedade hoje, e também há pessoas que se afirmam não-binárias. E há um grupo aterrorizado com isso, querendo a volta do que chamam de 'modelos tradicionais'."

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Vernon cita o movimento trad wife, com mulheres se vestindo e se comportando como suas avós. "É quase um cosplay, se vestir como seu super-herói. Um cosplay dos anos 1940 e 1950", define. "Mas a questão é que os negros não vão 'voltar pro seu lugar', não vão voltar à subserviência. Então se cria essa batalha, de ameaças físicas, emocionais e intelectuais, com as pessoas querendo banir livros das bibliotecas."

Como se ecoando os versos das canções do Living Colour, Vernon acusa o absurdo de se viver num mundo em que bilionários reclamam de impostos. "Nós aceitamos isso, e quando se aponta esse problema as pessoas gritam: 'socialismo!'. Mas quando dizem que o capitalismo está melhorando a qualidade de vida das pessoas, estão se referindo a centavos. Olha o Spotify. É o inimigo. Você tem que ser uma superestrela pra fazer dinheiro com Spotify."

Vernon Reid, guitarrista do Living Colour, durante show em Detroit em 2023
Vernon Reid, guitarrista do Living Colour, durante show em Detroit em 2023 Imagem: Scott Legato/Getty Images

Amante de música brasileira, Vernon cita artistas que vão desde mestres como Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal até o experimentalismo da banda São Paulo Underground. "Me fascina esse princípio da música brasileira, a 'tristeza'", diz o guitarrista, usando o termo em português. "A ideia de que mesmo na música mais alegre, há certa tristeza."

Milton Nascimento também está no seu panteão. "'Native Dancer', de Wayne Shorter e Milton, é um dos maiores discos de todos os tempos". Vernon menciona ainda Arto Lindsay, americano que tem relação profunda com a música brasileira, com trabalhos com Caetano Veloso, Marisa Monte e Gal Costa, entre outros. "Seu grupo Ambitious Lovers é fabuloso. Sempre achei que eles deveriam ter um reconhecimento tão grande quanto o dos Talking Heads."

Uma canção de Tom Jobim se destaca entre as favoritas de Vernon: "Águas de Março". De uma maneira bonita e sinuosa, Vernon aproxima o Living Colour da doçura violenta da enxurrada de Jobim. "Eu amo essa música porque ela é sobre tudo", explica o artista. "Na verdade, é sobre as coisas pequenas, que no fundo são literalmente tudo. Nossa vida é feita de minúsculos momentos de alegria e aborrecimento. É como dar uma mordida num sanduíche bem feito enquanto se ouve sirenes de polícia. Isso obviamente não está na letra da canção, mas é disso que ela trata".

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Living Colour

  • Rio de Janeiro

Quando: quinta (10), às 19h30
Onde: Sacadura 154 (r. Sacadura Cabral, 154)
Quanto: a partir de R$ 140
Ingressos à venda pelo site da Show Pass.

  • Belo Horizonte

Quando: sexta (11), às 20h
Onde: Mister Rock (av. Teresa Cristina, 295)
Quanto: a partir de R$ 130
Ingressos à venda pelo site da Ingresso Mister.

  • São Paulo
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Quando: sábado (12), às 22h
Onde: Tokio Marine Hall (r. Bragança Paulista, 1.281)
Quanto: a partir de R$ 130
Ingressos à venda pelo site da Eventim.

  • Brasília

Quando: domingo (13), às 18h
Onde: Toinha Brasil Show (quadra SOF Sul, Quadra 09 - Zona Industrial)
Quanto: a partir de R$ 180
Ingressos à venda pelo site do Clube do Ingresso.

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