Sleaford Mods chega ao Brasil: 'Tocamos a cultura da classe trabalhadora'
As letras descrevem com crueza e um detalhismo quase obsessivo o cotidiano cinza, duro e nada esperançoso de gente das classes mais baixas do Reino Unido. O vocal não sai como se estivesse sendo cantado. É falado, gritado, expelido da garganta com uma urgência. A música é feita de sons eletrônicos. São beats ásperos, que dispensam uma produção mais refinada.
Assim é a dupla Sleaford Mods, dona de um som tão inclassificável quanto empolgante, que desembarca pela primeira vez no Brasil para um show neste sábado (2). A apresentação será no Carioca Club, em São Paulo. A brasileira Black Pantera fará a abertura.
A Banda
Formada na primeira década dos anos 2000 por Jason Williamson (o vocalista) e Andrew Fearn (o produtor das bases), o Sleaford Mods a princípio soa bastante com o pós-punk de nomes como The Fall e Suicide. Mas, eles contam, devem muito ao hip hop americano dos anos 1990.
Os últimos álbuns lançados, "Spare Ribs" (de 2021) e "UK Grim" (2023), estão entre os melhores da dupla. Mostram um Sleaford Mods ainda mais aberto ao pop e ao rock. Há participações de gente como Florence Shaw (da banda Dry Cleaning) e Amy Taylor (da banda Amyl and the Sniffers).
De um hotel em Buenos Aires, antes do show na capital argentina, Williamson conversou com TOCA sobre a sua conexão com a classe trabalhadora, sobre a influência do rap e, também, por que decidiram fazer um cover de "West End Girls", hit dos Pet Shop Boys.
Como está sendo a perna sul-americana da turnê? É o que vocês esperavam?
Não sei o que esperava, para ser honesto. Queria vir para a América do Sul há muito tempo, mas nunca deu. Agora, finalmente, rolou.
Vocês são uma banda bem prolífica, já lançaram muitos discos. É natural para vocês compor músicas? De onde vem a inspiração?
Do dia a dia. Sou um cara que tem muita raiva das coisas. A inspiração vem dos meus erros, das minhas falhas, dos aspectos negativos que acontecem na vida. Tudo o que eu vivo é inspiração, não apenas situações políticas.
A música e o show de vocês são bem crus, diretos. A banda é apenas você no vocal e o Andrew criando as bases. Esse formato surgiu como?
A ideia era fazer algo parecido com o que havia no hip hop mais hardcore, o hip hop mais minimalista, com beats mais sujos, em que o MC tem o vocal quase monótono. Coisas da "golden era" (a chamada era de ouro do rap, no início dos anos 1990), dos caras da costa leste dos EUA. Queria fazer algo parecido e, ao mesmo tempo, incorporar influências da segunda onda do punk, bandas como Exploited, Discharge. E também um punk mais clássico, como Sex Pistols, The Damned. Queria juntar tudo isso, e foi assim que surgiu a ideia de termos apenas eu no vocal e o Andrew nas bases.
Vocês são muitas vezes descritos como uma banda que fala diretamente à classe trabalhadora, às pessoas que não estão nas classes mais ricas da sociedade. De onde vem essa ligação dos Sleaford Mods com a classe trabalhadora?
Nasci e cresci na classe trabalhadora, isso nunca saiu de mim. É algo que moldou a minha personalidade. Mas [o conteúdo das letras] era algo subconsciente, porque não estava muito ligado na política de classes até uns dez anos atrás. Eu não sabia que estava escrevendo letras políticas. Estava escrevendo sobre as coisas que via e vivia. Bem, essa história continua comigo. A minha identidade está na música. E essa identidade projeta o sentimento de uma cultura da classe trabalhadora.
As letras da banda às vezes fazem críticas sociais incisivas, às vezes são cínicas e muitas vezes há humor nelas. Como é juntar tudo isso?
Muitas vezes me dou conta que estou sendo cínico. Tem ainda a negatividade, a paranoia, a inveja e o ciúme, seja de outras bandas ou de outras pessoas. Me dou conta disso. Mas é importante colocar para fora os seus erros, às vezes é importante soar não inteligente e até mal informado, porque tem muita gente que tenta persuadir outras de que elas são tudo, menos mal informadas. Há muitas verdades na ingenuidade ou em não se importar em parecer o certo em todos os momentos, sabe?
Sobre o humor, não sei se venho ficando mais mal-humorado com o passar dos anos, não sei se essa indústria [da música] está me deixando cada vez mais cínico. Mas tento colocar humor sempre que dá. Não dá para forçar humor, porque vai soar uma merda. Humor é como uma grande canção: quando ela aparece, fico muito agradecido.
Na maioria das músicas você não canta, faz um vocal mais falado, gritado. O ato de cantar não te agrada tanto ou é a música de vocês que pede esse tipo de vocal?
Anos atrás eu gostava de cantar, e até que cantava bem. Mas ter a capacidade de cantar bem não significa que você canta bem, entende? Eu até tenho uma voz boa, mas parecia que estava imitando outros cantores. O importante é encontrar a sua própria voz. Mas quero voltar a cantar no futuro, de um jeito que soe verdadeiro. Tem muitos vocalistas que gosto e que são criticados porque supostamente não sabem cantar. Como o Ian Brown (da banda Stone Roses). Eu acho ele incrível, tem uma voz perfeita. Às vezes desafina? Ok, sem problema, dá até um charme a mais.
Vocês fizeram um cover de "West End Girls", dos Pet Shop Boys. De onde veio a ideia?
Andrew é um grande fã dos Pet Shop Boys. E aí comecei a ouvir bastante os primeiros discos deles. Eles têm várias ótimas canções, mas esta era a certa. Um tempo atrás fizemos também um cover de "Don't Go", do Yazoo. Não sei, acho que gostamos da ideia de colocar um tom menos glamouroso nessas músicas.
Muita gente já classificou vocês como pós-punk. Recentemente, a Florence Shaw, do Dry Cleaning, participou em uma música. Vocês se sentem parte de alguma cena? Ou acham que fazem algo mais único?
Quando começamos, acho que ninguém fazia o que fazíamos, do jeito que fazíamos. Outras bandas apareceram e começaram a fazer coisas parecidas. Mas não acho que exista uma cena, cada banda faz o que gosta, de um jeito próprio. Pode ser legal fazer parte de uma cena, mas isso parte mais do ponto de vista da imprensa. As bandas não pensam muito nisso, não sei se uma banda como Dry Cleaning acha que faz parte de uma cena. Quando começamos, não ficava pensando nesse negócio de pós-punk, acho que era mais influenciado por gente como Andrew Weatherall (DJ e produtor já morto), que fez muitas coisas que eram influenciadas pelo pós-punk. Mas acho que viemos mais do hip hop do que do pós-punk.
O disco "Spare Ribs" parece iniciar uma nova fase da banda, mais pop. Você concorda? Esse disco representa uma mudança na trajetória de vocês?
Sim, ele marcou uma mudança. Houve uma expansão do nosso som, e acho que nos tornamos mais populares. Este último, "UK Grim", é meio aparecido. Não sei como será o próximo, estamos gravando algumas coisas, mas não sei aonde iremos parar. Espero que esteja no mesmo nível desses dois últimos discos.
Sleaford Mods
Carioca Club (rua Cardeal Arcoverde, 2.899, Pinheiros, São Paulo)
Sábado (dia 2), a partir das 18h.
De R$ 210 a R$ 560.
https://www.clubedoingresso.com/evento/sleafordmods-saopaulo
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