Das big bands a Michael Jackson: como Quincy Jones revolucionou a música
Do jazz ao hip-hop, do arranjo de orquestras a hits do pop, Quincy Jones é uma daquelas personalidades que, sem exagero, revolucionou a história da música. O compositor, arranjador e produtor morreu nesta segunda-feira, aos 91 anos.
Nascido em Chicago, Quincy viajou com big bands e tocou, aos 16 anos, com o trompetista Dizzy Gillespie. Algo até que normal para um garoto que tinha Ray Charles como amigo na adolescência e parceiro nas primeiras investidas na música - os dois formaram um duo e tocaram em casamentos locais.
Foi ao lado de Gillespie que Quincy Jones conheceu o Brasil em 1956. A paixão pela nossa música foi imediata, e influência direta para o trabalho com sua big band. Em 1962, ele lançou o disco "Big Band Bossa Nova", com regravações de "Desafinado", de Tom Jobim, e "Manhã de Carnaval", de Luiz Bonfá.
Composição sua das mais marcantes na cultura pop, "Soul Bossa Nova" tem arranjo brasileiríssimo, com flauta e cuíca.
A lista de artistas com quem trabalhou como compositor, arranjador e produtor é extensa e estrelar: Sarah Vaughan, Arteha Franklin, Duke Ellington, Frank Sinatra, Miles Davis, Ella Fitzgerald e Peggy Lee.
Com essa rede influente de amigos, Quincy conseguiu reunir os maiores artistas americanos em um estúdio para gravar a lendária canção "We Are The World", de 1985, criada para angariar fundos para as vítimas da fome na Etiópia. Ele não só produziu, como teve que administrar personalidades muito diferentes dentro do estúdio. A solução foi colocar um aviso na entrada: "Deixe seu ego na porta".
Guru de Michael Jackson
O primeiro compositor negro a assumir um alto cargo em uma grande gravadora, a Mercury, Quincy também teve um trabalho pioneiro em Hollywood, como compositor de trilhas sonoras - de "Italian Job" a "A Cor Púrpura".
Em 1978, o produtor trabalhava nas canções de "The Wiz", uma versão de "O Mágico de Oz", com Diana Ross no papel de Dorothy, quando conheceu Michael Jackson (que vivia o espantalho).
Michael estava à procura de um som mais sexy e adulto para o próximo disco solo e pediu indicação a Quincy. O produtor, por afinidade, se ofereceu para o trabalho. Nascia ali uma colaboração das mais importantes na música. Para muitos, Quincy foi o guru por trazer à tona, no estúdio, o que Michael tinha de melhor - e transformá-lo na lenda que entrou para a história.
"Off the Wall", o disco que Michael sonhava, saiu em 1979, vendeu 20 milhões de cópias e foi aclamado pela crítica. "Rock With You" ficou mais de 20 semanas nas paradas, sendo quatro delas no primeiro lugar. Um feito que pareceu pequeno, mais tarde, com o barulho que a dupla fez com "Thriller" (1982).
Com a esperta e fresca mistura de rock, rap e R&B, o disco vendeu impressionantes 140 milhões de cópias. "Billie Jean" foi eleita a melhor música dançante de todos os tempos, garantiu o 1º lugar nas paradas durante sete semanas e levou o Grammy de melhor canção de R&B e melhor performance vocal. A canção, pensada para ter "a melhor personalidade sonora", a pedido de Michael, é o single de maior sucesso de Quincy Jones.
A parceria entre Quincy e Michael terminou após o sucesso do álbum "Bad", em 1987. O produtor foi demitido por ser considerado "desatualizado" frente às novidades que Michael buscava para o próximo trabalho.
O produtor demonstrou, nos últimos anos, ainda guardar certa mágoa do episódio. "Michael era um grande artista, mas não jogava no time de gente como Frank Sinatra, Nat King Cole, Billie Holiday, Aretha Franklin e Ray Charles", disse ele certa vez.
Quincy, porém, seguiu em frente. Fez discos solos, sempre construindo harmonias que passeavam pelo funk, soul e jazz, se apresentou com Miles Davis, descobriu novos artistas e investiu o próprio nome em uma empresa de entretenimento, com braços em publicações e na TV ("Um Maluco no Pedaço", com Will Smith, foi produzido por ele).
Quincy ganhou títulos honorários de Harvard e, nos últimos anos, não se esqueceu dos laços criados com a música brasileira.
Ele chegou a desfilar na Portela em 2006, no alto de um carro alegórico. Mais recentemente, participou do documentário "Elis & Tom", e, durante a pandemia, ligou para Milton Nascimento, de quem era amigo desde os anos 1960 e o chamava de "grande irmão".
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