Quando não sai rap, Zudizilla pinta: 'Dói e pesa, preciso tirar do peito'

O músico Zudizilla explicou ao No Tom, programa do TOCA com Zé Luiz e Bebé Salvego, a origem de seu nome artístico e alter ego.

Criado "na quebrada", como ele diz, Zudizilla cresceu rodeado por "milhares de apelidos". "Meu nome [o real, Júlio César] ainda é um pouco difícil de responder quando alguém me chama por ele", brinca. "Zudizilla foi o apelido que chegou por último."

Foi com a arte das paredes que o músico se aproximou do hip hop e flertou com as rimas no improviso. "Nunca tive dificuldade e comecei a encher o saco de todo mundo", brinca, lembrando do início da carreira na música.

"Eu vim meio subvertendo o que era o estereótipo do MC", explica. "Nasci na periferia, mas a pintura me fez entrar na faculdade, ler, passear por outros ambientes, e consegui levar a galera para enxergar isso (...) Não queria ser o MC Zulu. Já conhecia o hip hop, Afrika Bambaata e era jovem demais para o peso daquilo. Eu queria me divertir. Pra isso veio o Zudizilla".

O cantor diz que desde o início procurou cantar com "densidade", em um rap que vem de um lugar "antidepressivo" e "de cura". "[Meu rap] Não está aqui para ser peso, mas para ajudar a ser mais leve".

Apesar de eu falar muito, eu falo pouco (...) Meu silêncio é mais uma efervescência. Aqui está fervendo, e quando eu venho, eu venho com um caminhão de coisas e nem tudo eu consigo cantar, nem tudo eu consigo produzir e nem tudo eu consigo desenhar, mas eu preciso de tudo ao mesmo tempo e toda hora eu estou aprendendo a fazer alguma coisa diferente pra poder não morrer com isso no meu peito, porque pesa e dói. Zudizilla

Enquanto artista, Zudizilla diz que ainda tem muito a expressar —e de diferentes formas. "O que me movia era a urgência da geração beatnik (...) A escrita sem pausa me abriu portas para a escrita", diz. "Antes de fazer rap, eu escrevia poesia. Eu ia pra rua, via a rua. Voltava pra casa e descrevia aquilo tentando usar o mínimo de vírgula e o mínimo de parágrafo possível. Deixar o pensamento fluir, sempre com jazz no ouvido."

Papel de Pelotas no rap gaúcho

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Na entrevista, Zudizilla também falou sobre o seu processo criativo e de produção, à base da tentativa e erro. "Todo dia eu crio alguma coisa. Para não criar algo, eu tenho que me policiar. Todo dia faço um beat, um desenho, quase todo dia escrevo. Um dia foi hobby, hoje é treino."

Nascido em Pelotas (RS), o músico diz ser fruto de uma geração do rap "muito refinada" —enquanto Porto Alegre tinha grande influência do rap de São Paulo, Pelotas foi para um lado "outsider". "Chegou um momento que a gente pensava 'por que os caras ficam rimando que nem o Ice-T, o Brown, o Ice Cube? Por que a gente não faz som pra nós? Vamos fazer som que a gente curte'. E a gente começou a escutar Tribe, J Dilla, umas paradas mais outsider mesmo".

Isso acabou criando uma cena e mudou muito a estética do Rio Grande do Sul, e a galera sabe disso. Não vão nos dar esse bastão, ninguém vai 'deitar' pra Pelotas, mas a galera sabe que a gente fez 'coisinha' Zudizilla

Com o tempo, a "urgência bateu" e a migração de Pelotas foi inevitável. "A minha cidade tem 400.000 habitantes, se todo mundo escutar ainda tô longe, não bato o 1 milhão que as pessoas batem em segundos nas plataformas", diz. "Quando vim pra São Paulo, falaram 'não, seu som é brabo', mas não sei se estavam me entendendo mesmo, se estavam ligado no que eu tô falando".

'Lugar periférico é quase estado de espírito'

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Foi em São Paulo que Zudizilla pôde assistir à adaptação brasileira do espetáculo de ópera da Broadway "American Idiot", do Green Day, e começou a pesquisar sobre o acervo teatral de ópera erudita com personagens pretos. "Tinha pouquíssimo. Decidi que iria escrever uma ópera preta".

Assim, ele chegou à trilogia "Zulu", de três álbuns de ópera preta com uma narrativa debruçada sobre o personagem "Zulu". "Queria criar um personagem que passasse pela minha vivência, pela minha experiência, mas que também conseguisse conversar com outras pessoas", conta.

Entendi que minha história, enquanto um preto do interior do Rio Grande do Sul, não era diferente de um preto de qualquer lugar do Brasil. O lugar periférico se torna quase um estado de espírito (...) Quebrada é quebrada em qualquer lugar Zudizilla

Suas "sensibilidades" como homem preto foram o guia principal para criar o personagem. "Eu não pude assistir minha própria vida, eu não pude amar, eu não pude querer, eu não pude comprar, eu não pude desejar... Minha vida inteira foi empurrada goela abaixo, até que chegou o momento que eu vi isso me machucar, eu machucar pessoas, pessoas ao meu entorno se machucarem, decadência, só as piores coisas, aí eu falei 'ah mano, não é esse cara aqui que eu quero ser no futuro'", conta.

Zudizilla também falou sobre o momento atual do trap e a necessidade de "pontes" (seção antes ou após o refrão, que serve de transição nas músicas). "Só se torna um problema quando essa linguagem vira uma ferramenta de mercado, e aí a gente passa a reproduzir o que o mercado precisa e esquece os outros jeitos de fazer. Eu mesmo durante muito tempo não tinha nem refrão. Eu começava a rima e terminava e engole a seco", disse. "Eu tenho um artista na minha cabeça. O Zudizilla que tá na minha cabeça ainda não é o que rima nos palcos e o que produz."

No Tom

No novo programa de Toca, Zé Luiz e Bebé Salvego entrevistam artistas de diferentes vertentes num papo cheio de revelações, lembranças e muito amor pela música. Assista ao programa completo com Zudizilla:

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