Infância no CE ajudou a formar Jota.pê: 'Sacar que SP não é o mundo'
O músico Jota.pê contou ao No Tom, programa do TOCA com Zé Luiz e Bebé Salvego, sobre como sua infância foi importante para formá-lo como músico.
Nascido em Osasco (SP), se mudou aos 7 anos para Sobral (CE) e depois para Fortaleza. "Uma coisa que percebi muito é que a gente saca que São Paulo não é o mundo. Dentro do Brasil, existem muitos países completamente diferentes e, nesse lugar, me mudou muito. Não seria a mesma pessoa, não seria o mesmo artista, se fosse nascido e criado somente em São Paulo."
A trajetória também o ensinou sobre racismo, uma vez que Jota.pê chegou a ser o único negro em uma escola com cerca de 3.000 alunos. "Isso com certeza mexe com a gente", lembra. "Foi uma experiência muito incrível e difícil também. Por causa do racismo, lembro-me de ter estudado em quatro escolas diferentes, porque sempre rolava alguma coisa e meus pais me tiravam (...) Mas aprendi muito, foi bom pro cara que eu sou hoje;"
Depois do colégio, Jota.pê chegou a cursar design digital, mas acabou por desistir e focar na música. "Eu trabalhava, fazia faculdade e tocava em barzinho. Não dá, não tem hora no dia pra fazer tudo isso, e bem", lembra. "Me convenceram de que eu não ia conseguir ganhar dinheiro trabalhando com música, então eu fiz de tudo, e de nada eu gostava tanto quanto de música. Resolvi desistir quando uma vez fui tentar tocar violão para relaxar, estressado, dormi em cima do violão e acordei com a marca das seis cordas na cara. Eu fiquei muito nervoso."
Nos bares, era comum ouvir o artista tocando Djavan, Seu Jorge, Ana Carolina, Chico César e até Skank. Mas essas não foram as primeiras apresentações de Jota.pê, que, aos 15 anos, já tinha banda de rock. "As primeiras composições foram sobre romancezinhos da adolescência", lembra. "Com o tempo fui explorando outros assuntos."
Em 2017, ele participou do The Voice, no time de Lulu Santos. A intenção era conhecer pessoas —não só os jurados famosos, mas a banda que o acompanhava e os outros artistas. Mas o programa o fez receber até uma "validação" dos parentes por aparecer na TV. "Foi muito mais um empurrão pessoal do que resultado de mídia", conta. "Um empurrão pra não parar de fazer música."
Foi maravilhoso, porque eu não tava nem aí se ia ganhar ou não, então foi tudo divertido e lindo. Lulu foi super carinhoso, falo com ele até hoje. Jota.pê
Após o The Voice, ele se juntou a uma amiga que também esteve no programa, Bruna Black. Juntos, e "meio sem querer", nasceu o duo ÀVUÀ. "Éramos amigos há muito tempo", lembra. "Estávamos em uma festa de aniversário de um empresário e, uma hora, paramos e pegamos o violão para tocar —e esse cara disse que devíamos ser um duo. Dissemos 'Beleza, vamos ver no que dá'. E deu certo (...) É um projeto que queremos manter para sempre."
'Todos riram da mesma piada no jantar': Como vieram os 3 Grammy Latinos
Jota.pê também contou sobre como foi voltar para a casa com três Grammy Latinos em 2024.
Não sei qual adjetivo usar (...) Eu não entendi nada até agora. Não sei o que estou sentindo, porque ser indicado ao Grammy já é absurdamente incrível —é o maior prêmio da música. Jota.pê
O artista levou os três prêmios a que concorreu: Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, Melhor Álbum de Engenharia de Gravação e Melhor Canção em Língua Portuguesa, por "Ouro Marrom".
Paulistano e ex-The Voice, Jota.pê diz que a música sempre esteve em sua vida: seu avô tocava chorinho, a avó cantava na igreja, os tios tocavam instrumentos variados, e o pai cantava. "Em festa de família, sempre teve muito som. Não me lembro de um momento em que a música entrou na minha vida; ela sempre esteve lá", disse. "Em família mineira, tem até uma música específica para os parabéns —um adicional."
Com o tempo, a música se tornou naturalmente profissão para Jota.pê, e ele lançou o primeiro e o segundo disco. Sobre "Se Meu Peito Fosse Mundo", o segundo, ele diz que foi um processo "dos sonhos". "Dois anos antes de começar a gravar, já tinha a playlist de referências para o disco", diz. "Quando cheguei à conclusão de que tipo de disco eu queria, comecei a fazer que nem os 'Vingadores': caçar as pessoas que tinham essa parada."
Me deu um medo quando percebi que (...) coloquei quase 30 pessoas em uma fazenda por uma semana e meia, e nenhuma tinha trabalhado junto antes. Pode dar certo, mas pode dar muito errado —a probabilidade era grande. E no final foi maravilhoso. Jota.pê
O processo feito desta forma, no entanto, foi "muito importante para o resultado". "Em São Paulo, por exemplo, cada um está (...) num clima [na gravação]. Lá, todo mundo riu da mesma piada no jantar. Acordava todo mundo na mesma vibe", conta.
Ele ainda revela uma curiosidade sobre a faixa "Quem é Juão" desse álbum. "Fala muito sobre mim, infelizmente. Fala sobre romances que não dão certo (...) Umas histórias específicas, mas de um jeito cômico", ri.
'Se Djavan não existisse, talvez eu não fizesse música'
As referências foram tão importantes na vida de Jota.pê que, segundo ele, se Djavan não existisse, ele também não existiria.
O artista diz que sempre ouviu os incentivos e críticas de seu pai para estudar intérpretes. "Aos 16 anos, já ouvia Djavan e Maria Bethânia, mas fui de fato a fundo entender por que eles são incríveis; as características de cada um", conta. "Comecei a tentar achar essas coisas no meu jeito de tocar —tanto que, se Lenine não existisse, eu talvez não tocasse violão do jeito que toco. Se Djavan não existisse, talvez eu nem fizesse música."
Outro intérprete que marcou sua trajetória foi Adoniran Barbosa, compositor de canções como "Trem das Onze" e "Tiro Ao Álvaro", que morreu em 1982. Jota.pê chegou a gravar uma das faixas para o disco com músicas inéditas "Onze", que concorreu ao Grammy em 2021.
Eu gravei todas as guias de todas as músicas de voz desse disco, então foi muito especial. Cantei todas as músicas, e sabia que meus áudios cantando foram os que Elza Soares ouviu para fazer a base dela. Falei 'A Elza Soares vai ouvir minha voz!' Jota.pê
Jota.pê chegou a estudar o artista por escolha, como trabalho de faculdade, e entrevistou os Demônios da Garoa, grupo paulistano parceiro de Adoniran que deixou versões clássicas de suas composições. "Eles contaram histórias incríveis. Adoniran subia 15 andares mas não entrava em um elevador de jeito nenhum", lembra.
Outra parceria lembrada foi o feat com Erasmo Carlos no disco de inéditas "Erasmo Esteves", um convite "surreal" segundo o artista. "Recebi a foto do poema que Erasmo fez e que gerou essa música", lembra. "Foi muito especial. Eu nunca conheci o Erasmo pessoalmente, mas achei incrível (...) e esse disco também ganhou Grammy (Melhor Álbum de Rock em 2024)."
Em meio a uma trajetória de sucessos, Jota.pê reconhece que já teve alguns bloqueios criativos. "Um monte de coisa tem que dar errado para que as coisas deem certo (...) é um pouco desesperador fazer arte nesse país", diz.
Aprendi a aceitar os bloqueios com um pouco mais tranquilidade (...) Até pouco tempo atrás eu era completamente independente. Quando você tem que fazer sua estratégia de marketing, ganhar dinheiro para pagar suas contas, guardar dinheiro pra gravar as próximas coisas, (...) ainda ter a capacidade de ver poesia na vida e escrever umas coisas bonitas é muito difícil. Jota.pê
Para as próximas férias, Jota.pê já tem planos: compor. "Ver gente, ver filme... O ócio bem aproveitado me ajuda a compor", diz.
O rock também influencia seu som —mais especificamente, grupos como System of a Down e Incubus. "São as duas bandas que mais mexeram comigo, e com certeza influenciaram a minha música", diz.
No Tom
No novo programa de Toca, Zé Luiz e Bebé Salvego entrevistam artistas de diferentes vertentes num papo cheio de revelações, lembranças e muito amor pela música. Assista ao programa completo com Jota.pê:
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.