Ativista, Serj Tankian não teme perder fãs se for 'a coisa certa a fazer'
System of a Down virou assunto recentemente ao anunciar o tão esperado retorno ao Brasil. A banda não faz mais longas turnês há anos, principalmente porque o vocalista, Serj Tankian, 57, decidiu não se expor mais a cansativas viagens e uma rotina de estrela do rock. Porém, ele está confirmado nos shows que rodam a América Latina em 2025.
Além de músico, Tankian é um ativista pela causa do povo armênio. Ele nasceu em Beirute, no Líbano, e sua família sobreviveu ao genocídio sofrido há anos pelos armênios. Suas letras, tanto no System of a Down quanto em seus trabalhos solo, sempre contam com um forte apelo político. Em entrevista exclusiva a Splash, o vocalista diz não ter medo de perder fãs ao expor seu ativismo.
Como ativista e artista, é muito desafiador, porque você perderá fãs, perderá pessoas. Mas, se você é um artista, é um contador de verdades, tem que fazer isso, não importa o que aconteça, mesmo que perca apoiadores. E esses são os momentos mais desafiadores.
Com esse lado já aflorado —e bastante conhecido pelo público—, ele lançou em 2024 o livro "Down with the System: Um livro de memórias (ou algo assim)", editado no Brasil pela Buzz Editora. Na espécie de autobiografia, Serj Tankian dá detalhes da jornada de sua família para fugir da guerra, com atenção especial ao seu avô, Stepan Haytayan, que enfrentou diferentes violências enquanto crescia.
Escrever o livro foi uma experiência incrível de fazer, porque abriu muitos caminhos de pesquisa sobre a minha própria família e sobre mim. Pude entender decisões que tomei na minha vida. Foi uma experiência profunda para mim e sou muito grato por isso.
A obra também aborda a repercussão negativa do texto "Understanding Oil" ("Entendo o Petróleo", em português), escrito por Tankian após os ataques terroristas de 11 de setembro. À época, ele precisou ir ao programa do apresentador Howard Stern na tentativa de se explicar.
Para os fãs de System of a Down, o livro é uma boa pedida ao relevar minúcias sobre a criação da banda e sua trajetória ao sucesso. Abaixo, leia a entrevista na qual ele fala também sobre polêmica com o Imagine Dragons, a questão palestina e o que move a banda.
No começo do livro você fala sobre uma entrevista que você concedeu a Howard Stern, em 2001, na qual você diz que nunca tinha se sentido tanto um imigrante como naquele momento. Você se sentiu assim novamente?
Esse sentimento é raro. Mas, naquela época, estávamos vivendo o momento após o 11 de setembro, com xenofobia, o medo que estava prevalecendo nos EUA entre as comunidades majoritariamente imigrantes, e o patriotismo. Era uma mistura de emoções na época, e me lembro de me sentir muito estranho.
Sempre que você faz uma declaração forte, a maioria do público pode não necessariamente apoiá-la, mesmo que seja a coisa certa a dizer. Como ativista e artista, é muito desafiador, porque você perderá fãs, perderá pessoas. Mas, se você é um artista e é um contador de verdades, tem que fazer isso, não importa o que aconteça, mesmo que perca apoiadores, mesmo que seja desafiador. E esses são os momentos mais desafiadores, para falar a verdade.
O que te fez decidir escrever um livro de memórias? Seus colegas do System of Down leram?
Eu não estava pensando em escrever um livro de memórias, estava pensando em escrever um livro de filosofia sobre a interseção da justiça e da espiritualidade, algo que me interessa há muito tempo. Um agente literário do Reino Unido me procurou, ele estava interessado em um livro de memórias e, no final, percebemos que ambas as coisas poderiam ser feitas simultaneamente, uma espécie de livro de memórias filosófico. E assim começou essa jornada.
E sim: assim que o livro ficou pronto, meses antes de ser publicado, eu mandei para os caras da banda, claro.
A parte sobre a história do seu avô é muito emocionante e triste, mas também é muito importante para explicar a história dele e a história de seu povo. Foi difícil para você contar essas histórias, relembrá-las? Por que você acha tão importante e significativo incluí-las no livro?
O genocídio de pessoas indígenas é algo prevalecente ao redor do mundo. Vimos isso na América do Sul, no Oriente Médio, no Cáucaso, na Europa, África, e na América do Norte --algo que sabemos muito bem enquanto americanos. O genocídio do meu povo foi uma provação horrível no começo do século 20, durante a Primeira Guerra Mundial, por parte dos turcos-otomanos.
Eles mataram 1,5 milhão de pessoas do meu povo em um massacre planejado e bem executado, basicamente tentando se livrar de nós em nossas terras natais. Meu avô foi um sobrevivente, passou pelos pogroms [atos em massa de violência contra povos específicos], passou pelo deserto de Deir ez-Zor na Síria, o mesmo deserto em que yazidis foram mortos pelo Estado Islâmico, porque naquela época era parte do Império Otomano, assim como a Síria. Então, a história de sobrevivência dele e a de sua família, como ele perdeu os pais e os irmãos, é algo que cresci sabendo.
Poder contar essa história de forma muito específica e detalhada em um livro não foi difícil, mas foi muito emocionante. Mas estou muito feliz de poder relatar isso, porque muitas pessoas têm reagido positivamente ao relato dessas histórias importantes.
Há genocídio acontecendo hoje, não é uma história de cem anos atrás, o que significa que a humanidade não aprendeu que a praga do genocídio é algo que precisa deixar este planeta de uma vez por todas.
Estamos colocando lucros acima de pessoas. Enquanto fizermos isso, esse tipo de coisa, como limpezas étnicas e genocídios, ainda vão acontecer, infelizmente.
Há uma guerra acontecendo no Oriente Médio, entre Israel e Palestina. Como você acha possível falar dos excessos do Estado de Israel sem ser antissemita?
É muito simples. Você se manifesta contra o Estado, e não contra o povo. Você se manifesta contra o mal de pessoas fazendo o mal, não contra a cultura.
O que o Hamas fez foi horrível. Foi um crime contra a humanidade, sabemos disso. No dia 7 de outubro [de 2023], sequestraram e mataram pessoas. O Tribunal Penal Internacional obviamente viu isso obviamente como um crime de guerra.
Mas o que o governo Netanyahu fez e continua a fazer também é um crime de guerra. Eles também precisam ser levados para o Tribunal Penal Internacional da mesma forma que o Hamas precisa ser levado para o Tribunal Penal Internacional.
Você chamou a banda Imagine Dragons de hipócritas por tocarem no Azerbaijão, com um governo acusado de genocídio. Como artista, qual você acha que deveria ser a atitude correta em um caso como esse? O que você acha que o System of a Down faria nessa situação?
Não dá para ser perfeito enquanto artista escolhendo onde tocar, porque obviamente toda nação tem uma história, toda nação esconde algum tipo de crime. Mas, se a situação atual é de que o governo está realmente fazendo uma limpeza étnica, se está fazendo um genocídio, se está matando um grupo de pessoas de fome de propósito para tentar se livrar desse povo em sua terra natal, é um sinal vermelho de que esse lugar não deveria ser considerado.
Ir para lá tocar é algo que você faz pelas pessoas, e não necessariamente pelo governo. Mas, sabe, ao mesmo tempo, é preciso se perguntar: "Você tocaria na Alemanha nazista no Holocausto enquanto eles estavam matando pessoas?".
Existe um limite ao qual você precisa estar atento. Há muitos países cometendo racismo, assim como muitos que não apoiam o direito das mulheres.
Nenhum país é perfeito. Mas nós, do System of a Down, sempre conversamos sobre essas questões com o povo também. Falamos sobre isso no palco. Desafiamos as pessoas. Se tocássemos em algum país assim, nós provavelmente desafiaríamos essas questões.
A maioria das bandas pop só pegam um cheque, vão e não fazem isso. Acho que isso não é muito respeitoso.
System of a Down no Brasil
- 6 de maio - Estádio Couto Pereira (Curitiba)
- 8 de maio - Engenhão (Rio de Janeiro)
- 10 de maio - Allianz Parque (São Paulo) ESGOTADO
- 11 de maio - Allianz Parque (São Paulo)
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