'Uma das vozes mais bonitas': Filme traduz canto e poesia de Luiz Melodia

O ano era 2000. Luiz Melodia já vinha de uma carreira consolidada, mas desejava ser mais ouvido. "Eu gostaria muito que a menina do 'I Love You' gravasse uma música minha", disse à jornalista Patrícia Palumbo.

A menina, no caso, era Marisa Monte, no auge da popularidade com "Amor I Love You" e um repertório ainda muito calcado em regravações.

Patricia, à época, chegou a fazer uma lista de possíveis artistas que poderiam gravar Melodia. Como aconteceu com tantos compositores gravados por Marisa e outros intérpretes do calibre, era a chance de ter sua obra revisitada por uma nova geração.

À época, Melodia era um artista independente e tinha uma obra poderosa que passava um tanto ao largo da MPB.

O tempo aplacou, em partes, esse esquecimento, apesar da sua morte aos 66 anos, em 2017.

Embora não tenha se apresentado em grandes palcos, como os artistas brasileiros se acostumaram a fazer hoje, com a multiplicação de festivais dedicados à música brasileiras, Melodia ganhou tributos por novos nomes da música. Seu disco de estreia, "Pérola Negra" (1973), passou a circular em qualquer lista de melhores discos brasileiros.

Um dos mais belos gestos nesse movimento de reverência estreia nesta quinta-feira (15) nos cinemas.

"Luiz Melodia - No Coração do Brasil" viajou por festivais e foi o grande vencedor do In-Edit, Festival Internacional do Documentário Musical, por dar a dimensão da grandiosidade de um artista em toda sua pluralidade.

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Melodia cresceu no morro de São Carlos no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, filho de um sambista e formado na escuta de rádio, ele desenvolveu no seu canto e violão um amálgama de gêneros — indo do choro ao blues, do bolero ao rock.

A alma artística o levou para a zona sul, onde sua poesia o colocou como um artista de contracultura, após ser gravado por Gal Costa e Maria Bethânia.

"Ele é um grande artista, é uma das vozes mais bonitas do Brasil. É um poeta tão importante quanto Torquato Neto e Waly Salomão, só que não é um poeta do livro é um poeta da canção", observa Patrícia Palumbo, diretora musical que assina o roteiro do filme ao lado da diretora Alessandra Dorgan, do montador Joaquim Castro e do roteirista Raul Perez.

A mesma entrevista feita por ela, em 2000 - já publicada no livro "Vozes do Brasil" -, é o fio condutor do filme que abraça a voz e a poesia de forma quase sinestésica.

É possível chegar na alma do artista através de sua própria narrativa, costurado por um rico material de arquivo e imagens raras.

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"Quando você ouve 'Farrapo Humano', por exemplo, você vê ali a poesia marginal dos anos 1970, você pode ouvir isso na rima, na escolha do jeito coloquial e quase crônica da poesia dele", observa Palumbo.

"Um menino que veio do Morro, que se jogou na zona sul, tem um processo aí de deslocamento social muito importante que você pode visualizar na obra dele."

É de se imaginar, então, o quanto Melodia poderia se valer da redescoberta de sua preciosa obra se estivesse vivo. "Talvez ele fosse resgatado sim, e encontrasse algum eco nesse momento em seu cancioneiro."

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