Em clima de 'até breve', Gil inicia turnê com 'Cálice' e homenagem a Preta
Antes de começar, neste sábado (15), na Arena Fonte Nova, em Salvador, o clima do primeiro show da turnê Tempo Rei, de Gilberto Gil, era de despedida. Pairavam os questionamentos se aquela seria mesmo a última chance de ver o artista ao vivo em Salvador. Um cantado início do fim. Aquele sentimento rapidamente se dissipou no ar. A estreia da turnê podia criar uma atmosfera de adeus, mas foi de festa e celebração.
A ideia é diminuir a intensidade de sua agenda, respeitando o próprio tempo, algo tão eternizado em sua obra. "Uma despedida dos grandes espetáculos, que já venho fazendo há mais de 60 anos. Estarmos aqui juntos é o sentido profundo de ter me dedicado, nós termos nos dedicado, a essa longa carreira", disse Gil no palco, seguido por um canto emocionado, mas contido dos versos "o melhor lugar do mundo é aqui e agora".
Acompanhado por uma mega banda formada por 16 músicos, todos vestidos de branco, Gil entrou no palco trajando uma camisa vermelha com figuras de coqueiros e sol. A banda reunia alguns de seus filhos, netos e parentes que já acompanhavam Gil em turnês anteriores, além de um naipe de sopros e um quarteto de cordas.
A maior parte do repertório, apresentado em 2h30 de show, foi calcado na obra produzida nos anos 1970 e 1980, mas teve espaço para quase tudo. Quando não cantadas integralmente, preciosidades do artista de 82 anos apareciam como música incidental ou em introduções com execução instrumental.
A proposta, no entanto, ia além da música. Ares de superprodução, com fogos de artifício, fogo no palco e um sofisticado tratamento audiovisual exibido em um mega telão de led de altíssima definição e uma estrutura em formato espiral anteposta. Algo poucas vezes visto em shows de artistas brasileiros.

Em diálogo com cada canção, as peças mostravam trechos das letras e momentos da carreira de Gil se alternando com referências e homenagens. Com ingressos esgotados nas últimas horas, o público presente foi estimado em 53 mil pessoas.
Repertório
A abertura com "Palco", com Gil fazendo questão de destacar os versos "subo neste palco, minha alma cheira a talco, como um bumbum de bebê" dava o recado que os 82 anos não significavam aposentadoria.
Uma surpreendente "Banda Um", da lavra do início dos anos 1980, seguida de "Tempo Rei", dava a pista do que seria a noite, com um equilíbrio entre a redescoberta de pérolas pinçadas das dezenas de discos de Gil e clássicos imortalizados. Vieram, na sequência, o xote "Eu Só Quero um Xodó", de seu parceiro Dominguinhos com a esposa Anastácia, e a bossa "Eu Vim da Bahia", que trazia referências a Dorival Caymmi e João Gilberto.
Gil voltou ainda mais no tempo. Primeiro foi aos tempos da Tropicália, com "Procissão", seguida de "Domingo no Parque". Essa última um retorno a 1967, quando no festival da Record apresentou a música marco inicial do movimento. Quase 60 anos depois, parecia novinha, saborosa e provocante, com arranjos atuais, mas sem deixar de referenciar o passado.
Na sequência, um vídeo de Chico Buarque em diálogo com Gil relembrou outro momento marcante, mas desta vez triste, de nossa história. Quando, em 1973, a ditadura militar censurava simples canções e desligou os microfones dos dois artistas durante a execução de "Cálice", parceria da dupla, durante o festival Phono 73.

Gil só voltou a cantá-la com Chico 45 anos depois, no festival Lula Livre. Na Fonte Nova, pela primeira vez, inseriu a música em seu repertório. Entremeada com imagens do período da ditadura, incluindo vários presos e desaparecidos políticos, como o jornalista Vladimir Herzog e o ex-deputado Federal Rubens Paiva, torturados e mortos durante o regime. A música foi um dos momentos mais emocionantes e marcantes do show.
Serve "para os jovens ficarem atentos", como disse Gil no show. Não à toa, o público reagiu aos gritos de "Sem Anistia", em protesto contra a proposta de absolver os acusados da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
Na segunda parte da apresentação, Gil se voltou para alguns de seus maiores sucessos. Lembrou a trilogia "Rê", com "Refazenda", contou a história da viagem à Nigéria que deu origem ao segundo álbum da série e cantou "Refavela", seguido de "Não Chore Mais", rememorando o outro mestre, Bob Marley, "Extra", "Vamos Fugir", "A Novidade" e "Realce", uma das que mais agitou o público presente.
A sequência seguinte retornava a hits menos celebrados e por vezes esquecidos no repertório, como "A Gente Precisa Ver o Luar", "Extra II (O Rock do Segurança)" e "Punk da Periferia", com o artista chegando a levantar o dedo médio como o refrão sugeria.
Já do meio para o fim do show, Gil deixou a guitarra de lado, sentou num banquinho e cantou serenamente para delírio do público. "Se Eu Quiser Falar com Deus" veio seguida de outro momento emocionante. "Evidentemente esse show é para mim, para nós e para minha filha Preta", disse o cantor ovacionado.
O sucesso um pouco mais recente, "Estrela", dos anos 1980, mas gravado por ele apenas em 1997, proporcionou uma constelação de celulares acesos no estádio.

Na parte final, Gil transformou a Fonte Nova na festa que já está acostumado a fazer, misturando ritmos e dialogando com a diversidade que marcou sua carreira. O forró de "Expresso 2222", o ijexá de "Andar com Fé", e a sequência matadora com "Emoriô/ Dia da Caça", com participação de Russo Passapusso. Uma aparição rápida do vocalista que incendiou o público.
Assim como a presença, mais tímida, da cantora e ministra Margareth Menezes, que fez o backing vocals de "Toda Menina Baiana". A música foi o momento mais animado do show, com as milhares de pessoas caindo na dança.
No bis, o samba "Aquele Abraço" deu um clima mais de até breve do que de adeus, nos fazendo entender por que a música brasileira é tão celebrada e por que ele é um de seus maiores nomes. Aqui e agora e pra sempre.
Setlist
- Palco
- Banda Um
- Tempo Rei
- Eu só quero um xodó
- Em vim da Bahia
- Procissão
- Domingo no parque
- Cálice
- Bate macumba
- Back in Bahia
- Refazenda
- Refavela
- Não chore mais
- Extra
- Vamos fugir
- A novidade
- Realce
- A gente precisa ver o luar
- Punk da periferia
- Rock do segurança
- Se eu quiser falar com Deus
- Drão
- Estrela
- Esotérico
- Expresso 2222
- Andar com fé
- Emoriô
- Toda menina baiana
- Esperando na janela
- Aquele abraço
5 comentários
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Cleonildo Sena Santos
Só esperando São Paulo. Espetacular esse set list. Só vem!!!
Ricardo Costa dos Santos
Assisti o show ontem, na Arena Fonte Nova. Foi um espetáculo maravilhoso e emocionante, principalmente por ser a despedida dos palcos deste monstro sagrado da MPB. Infelizmente (e pode ser corrigido), faltou no setlist um dos seus maiores sucessos : "Super-Homem, A Canção". Independente disso, a apresentação ficará marcada na mente de todos aqueles que puderem contemplar ao vivo. Para sempre Gilberto Gil.
Luiz Novaes
Dia 26 assistiremos em São Paulo. Vamos dedicar nossa presença a Pedrinho, Zé e Chico, assim fizemos em Caetano & Bethânia. Muita ansiedade......