Ile Ayê toca João Gilberto? Documentário busca elo da música feita na Bahia
Existe algo em comum na música produzida na Bahia? Uma característica inerente que apareça na obra de Dorival Caymmi, dos artistas da Tropicália, da Axé Music e na geração atual?
Foi com essa dúvida na cabeça que o cineasta Sérgio Machado (do filme 'Cidade Baixa' e da série 'Maria e o Cangaço') partiu para realizar o documentário musical 'A Bahia Me Fez Assim'.
O filme foi exibido pela primeira vez no 20º Panorama Internacional Coisa de Cinema, em Salvador. A última sessão acontece nesta quarta (9). A estreia nacional está prevista para novembro.
Com direção musical de Alê Siqueira, o documentário apresenta um panorama da música produzida na Bahia, a partir de encontros musicais e seus processos criativos.
O filme traz artistas contemporâneos, como Rachel Reis, Afrocidade, Larissa Luz, ÀTTOOXXÁ, Ganhadeiras de Itapuã, Tiganá Santana, Ilê Aiyê, Ivan Sacerdote, Xênia França e Melly, que aceitaram o desafio de regravar, em apenas um dia, outros autores baianos, como Assis Valente, João Gilberto, Raul Seixas, Letieres Leite, Xisto Bahia, Galvão e Moraes Moreira.

"A primeira questão que me fez chegar nesse documentário foi um desejo, uma questão, uma dúvida. Será que existe algo intrinsecamente baiano na música feita na Bahia ou algo intrinsecamente mineiro na música feita em Minas?", diz o cineasta.
"E se existe algo baiano nas músicas da Bahia, o que seria? A matriz rítmica, o duplo sentido, a origem africana?".
Com os artistas, encontrou respostas. "As pessoas convergem na ideia de que é uma música que parte do ritmo para a melodia, então acho que é o que há de mais baiano, essa matriz rítmica, claro, a origem africana também é bastante importante", explica o diretor.

Mosquinha no estúdio
O resultado que aparece no filme é fruto de um mergulho em um estúdio de gravação com baianos de origens e gêneros diversos. Em um ambiente íntimo, os músicos trocaram figurinhas para elaborar as versões e deram depoimentos sobre cultura, ancestralidade, música e sua relação com o povo baiano.
Este foi o outro mote que estimulou Machado a realizar o filme. "Tinha um desejo de penetrar como se fosse uma mosquinha invisível num processo de criação e gravação de músicos", conta.
A proposta, no entanto, não era apenas gravar versões, havia uma provocação que estimulou a criação e o debate entre os artistas. "As coisas tinham que ser feitas lá na hora, ninguém podia preparar nada, era um pouco essa a regra do nosso jogo", diz Machado.
A própria escolha do repertório também tinha uma provocação. "O Ilê Aiyê tocando o samba de João Gilberto com Tiganá, As Ganhadeiras de Itapuã e o grupo Yaya Muxima gravando Raul Seixas, eram sempre escolhas que não pareciam óbvias, para a gente entender se existe alguma baianidade na música", conta. "Tinha esse desejo de pular do trapézio sem rede de segurança e isso é bacana de ver no processo de gravação."
O resultado são performances musicais carismáticas e espontâneas, numa celebração da música baiana, tanto a contemporânea, quanto a celebrada e conhecida em todo país.

As músicas
Além do encontro das Ganhadeiras de Itapuã e Yayá Muxima, apresentando "Como Vovó Já Dizia" de Raul Seixas, e Tiganá Santana e Ilê Aiyê interpretando as clássicas "Bim Bom" e "Ôbalalá", de João Gilberto, os outros momentos também merecem atenção especial.
Num olhar para um passado ainda mais remoto, Larissa Luz e ÀTTOOXXÁ, por exemplo, recriaram a música "Isso é Bom", composta em 1902 por Xisto Bahia. Eles transformaram a música num groove arrastado atual, mas precisaram mexer na letra por considerarem que havia questões que não cabiam atualmente.
O filme traz ainda um encontro de Rachel Reis, Afrocidade e Iuri Passos para uma versão de "Camisa Listrada", composição de 1937 de Assis Valente. Já as cantoras Xênia França e Melly se juntaram para interpretar a canção "Sorrir e Cantar como Bahia", de Galvão e Moraes Moreira, presente na obra dos Novos Baianos.
O homenageado mais contemporâneo foi o maestro, músico e compositor Letieres Leite, falecido em 2021, vítima da covid-19. Duas de suas criações, a Orkestra Rumpilezz e o Coletivo Rumpilezzinho se encontraram para tocar uma das peças do mestre, "Honra ao Rei".
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