Opinião: homofóbicos deram algo positivo à comunidade LGBT: visibilidade
Era 2009. Um colega de faculdade convidou algumas pessoas da sala para passar o fim de semana no seu apartamento na praia. Quem topou o convite foi só a galera com menos grana --eu e meus amigos mais próximos--, que não teria meios de ir à praia de outra maneira.
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Chegando ao apartamento, encontramos alguns amigos antigos desse nosso colega. Um pessoal bem mais rico do que o nosso grupo, e eles achavam graça em tirar sarro da gente.
Um deles, ao me ver falando abertamente sobre a minha sexualidade, começou a me provocar. Fazia piadas homofóbicas, apontava minha direção e ria, tentava o tempo todo me mostrar que era melhor que eu em algum sentido. Nada que quem cresceu sofrendo bullying, como eu, já não estivesse acostumado.
Uma hora, tentando se exibir, ele encheu uma dose de cachaça num copo pequeno, virou de uma vez só, fez a careta mais feia do mundo e disse "Essa aqui é só pra macho!".
Sem demorar, peguei um copo bem maior que o dele, enchi de cachaça até a borda e tomei num gole só, sem careta.
"Não é, não", respondi.
A risada foi geral e a vítima da piada, dessa vez, foi ele.
Infelizmente, o preconceito não é novidade
Quando uma pessoa começa a esbravejar contra outra tentando diminuí-la, normalmente, ela espera que a outra pessoa abaixe a cabeça, fique com vergonha e se cale.
Muita gente passa por isso, mas, hoje, estou falando especificamente dos homossexuais.
Preconceito não é nenhuma novidade para a comunidade LGBT, e seu efeito sobre ela já é conhecido: quando atacada, a comunidade se une.
Mesmo que a parcela mais jovem não entenda a profundidade disso, a epidemia de AIDS, nos anos 1980, atacou a comunidade LGBT profundamente. Além do preconceito que já é sabido, homossexuais foram execrados pelas autoridades de saúde pública, considerados doentes e merecedores da “punição” trazida pelo HIV.
Muitos morreram.
Ainda assim, surgiu um grande movimento de apoio mútuo, de aceitação e de ação política que lutou bravamente para recusar o estigma, garantir serviços de saúde adequados e manter a dignidade da população LGBT.
Mesmo com todo o ódio, foi justamente na década de 1980 que o movimento dos direitos LGBT ganhou corpo e voz e permitiu as conquistas que hoje a comunidade luta para proteger. Diante da maior adversidade que a comunidade conheceu, ela ganhou força.
Se os homossexuais sobreviveram a isso, podem sobreviver ao que está vivendo agora.
Homofobia não está acuando os homossexuais
O momento atual é difícil para o movimento LGBT. Depois de anos de evoluções nas conquistas de direitos, as redes sociais ajudaram quem é contra nós a ganhar força no discurso de ódio.
Não se pode ler uma notícia de portal de internet sem se cruzar com um comentário homo ou transfóbico, não se pode dar as mãos para alguém do mesmo sexo na rua sem se ouvir um xingamento.
Ainda assim, a comunidade LGBT não parece estar com medo. Nunca se falou tanto de sexualidades alternativas quanto agora, e nunca houve tanta informação disponível para quem deseja se despir dos preconceitos e entender profundamente do assunto.
A descoberta do direito a ter voz
Se muitos comparam o momento de agora à idade média, ou aos tempos da ditadura, mas esquecem de uma coisa muito importante: é muito mais difícil calar uma pessoa depois que ela descobre que tem direito a voz.
Quando uma pessoa sente o gosto da liberdade uma vez, ela não está disposta a esquecê-lo. Há uma reação importante às tentativas de privar homossexuais da liberdade de serem o que são.
O que quero dizer com tudo isso? Homofobia não combate nossa comunidade. Praticamente todo homossexual cresceu sofrendo bullying e lidando com o ódio desde os tempos de escola. Ou seja, são craques em lidar com isso.
A cada discurso inflamado de ódio contra os LGBTs, uma adolescente trans fala um pouco mais firme na sala de aula. A cada ataque homofóbico nas redes sociais, um casal de lésbicas adota uma criança e a trata com muito amor.
A cada tentativa de remover um direito, a comunidade alça ao estrelato mais um artista que prega a igualdade e as belezas da expressão livre para milhões de pessoas.
Quanto mais alto fala a voz da homofobia, mais intensamente os LGBTs se mostram. Foram os próprios homofóbicos que viraram o holofote para esse grupo. Portanto, não podem reclamar que ele ganhou visibilidade.
*Flávio Voight é psicólogo
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