Só as mulheres sem-vergonha são felizes
Muito cedo na vida, as mulheres são treinadas para sentir vergonha dos próprios corpos. No meu caso, aconteceu aos 11 anos: como a criança que era, eu estava brincando com um amigo. Usava camiseta, bermuda, boné. Fui uma criança bem tomboy (ou "Maria Rapaz", pra usar uma tradução bem didática e triste) até esse amiguinho avisar que era possível entrever meus mamilos pela camiseta — e que estava na hora de começar a usar sutiã.
A culpa de tudo, obviamente, não foi dele. A vergonha do corpo feminino é transmitida entre gerações e, geralmente, chega assim mesmo, sem maiores explicações. Meu colega -- também com 11 anos de idade -- afirmou que mamilos de menina não deveriam ficar aparentes e, sem discussão, tomamos providências lá em casa: compramos sutiãs.
Desse período em diante, tudo mudou. A menstruação chegou no mesmo semestre e fui ensinada, o tempo todo, a preservar qualquer indício que pudesse evidenciar o despertar sexual do meu corpo. Não podia ter os pelinhos nas axilas, não podia mais usar vestidos que oferecessem risco de mostrar calcinha, tentava esconder o terrível objeto chamado absorvente na mochila da escola e por aí vai. É impressionante como o corpo das meninas oferece "risco" para o entorno. Se não fosse assim, eu não teria escutado, anos mais tarde, sob o calor escaldante do Vaticano no verão, que minha saia era "troppo corta" (curta demais) para conhecer uma igreja. Meu então namorado usava uma bermuda do mesmíssimo comprimento, mas não foi abordado pelos seguranças.
Dos maiores tabus referentes ao corpo feminino, podemos destacar a masturbação. Enquanto os garotos são estimulados a serem viris e a lidarem com a própria excitação natural — muitos ganham materiais pornográficos ou incursões a prostíbulos com o pai —- as moças nem ouvem falar que o sistema reprodutório sirva para qualquer outra coisa que não seja reprodução. Ninguém conta na escola ou em casa que o corpo das meninas também goza. Boa parte das mulheres da minha geração descobriram os orgasmos sem querer, seguindo um instinto curioso de tocar a própria genitália; as mais reprimidas no seio familiar só ficam sabendo dessa trairagem na idade adulta, geralmente por meio da mídia.
Foi por meio da mídia, também, que entendi como funciona o orgasmo feminino e de que maneira podemos facilitá-lo. O trabalho como repórter acabou enveredando pelas matérias de saúde da mulher e obrigou quebrar o gelo com o próprio corpo: se eu quisesse escrever de forma competente sobre anatomia e prazer da mulher, deveria começar testando a teoria na própria pele.
A constatação é uma só: perdi 30 anos para a vergonha do meu próprio prazer. Só as mulheres sem-vergonha são felizes. Depois que abri mão da vergonha e deixei os outros se virarem com a vergonha alheia de uma mulher livre, testei vibradores, massagem tântrica, me infiltrei em casa de swing, saí com gente que eu achava boa demais para mim (atire a primeira pedra a mulher que nunca evitou pegar uma pessoa porque era "atraente demais" para ela). Em linhas gerais, a vergonha feminina da sexualidade só serve para agradar pessoas que geralmente não fazem esforços para nos agradar no sexo.
O corpo feminino é ou deveria ser tão merecedor de prazer quanto qualquer outro -- inclusive porque as mulheres têm um órgão exclusivo para isso: o clitóris. Na manipulação adequada do meu, durante a massagem tântrica, descobri que o poder de um orgasmo pode ser quase lisérgico. Pecado, mesmo, seria desperdiçar tanto potencial físico.
Se você é mulher e ainda sente que seu prazer deveria pertencer a outra pessoa, talvez esse argumento te convença: mulheres sem-vergonha não só estão mais aptas a sentir felicidade no corpo como também podem oferecer mais felicidade ao corpo alheio. Como diz o ditado, a gente só consegue dar aquilo o que tem.
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