Como me amar se tenho vergonha do meu corpo? O grande paradoxo moderno
Levante a mão quem já deixou de fazer alguma coisa por vergonha do corpo. Agora, com a mão levantada, use sua máquina do tempo mental e se transporte para 10 anos atrás, quando o boom dos blogs de moda, beleza e lifestyle começou a acontecer. Mal se ouvia falar sobre ser você mesma. Tudo se resumia a: "emagreça, enriqueça e seja outra pessoa". Nesse cenário, três jornalistas consideradas gordas - eu e mais duas - pararam para repensar o conteúdo feminino que estava sendo enfiado goela abaixo da mulher. Mas o que havia de tão errado em sermos nós mesmas?
Ajuste sua máquina do tempo e volte para hoje. O movimento bodypositive tomou forma e força, na boca de muitas outras mulheres com corpos e vivências diferentes e com a facilitação das redes sociais. Basta jogar qualquer pergunta no Senhor Google que surgem inúmeros perfis, fotos, vídeos e textos de mulheres que deram início ao processo de valorização de suas características naturais e passaram a questionar as regras que eram impostas sobre seus corpos. Afinal, no Brasil, 54% da população é considerada acima do peso*. Impor um corpo magérrimo, sem celulites, gorduras, estrias ou qualquer outra marca de vivência como padrão de beleza é, no mínimo, longe de qualquer realidade, para não dizer absurdo.
Chegamos, então, ao paradoxo moderno: como em tempos de tanta informação, tantos referenciais diferentes e tanta diversidade de corpos e comportamentos, ainda temos milhares de mulheres insatisfeitas com seus corpos, com vergonha de usar um biquíni na praia, de colocar um vestido curto ou uma regata no calor?
Considerando que desde crianças fomos ensinadas a ter um comportamento pejorativo em relação ao nosso visual, lá se foram 20 anos ou mais massacrando, apertando, diminuindo, escondendo e criticando nossos corpos. Não importa como eles estivessem, o ideal é que fossem diferentes. Abriu-se todo um novo mundo frente aos nossos olhos, você não tem que perder aqueles dois quilinhos, não tem que sumir com as celulites, não tem que chapar a barriga e, pasme, o corpo de verão já é o seu. Eis que surge uma linha de pensamento que nos liberta dessa obrigação de sermos qualquer outra coisa e afirma: está tudo bem ser você mesma. De um lado temos dor, angústia, sofrimento e vergonha, do outro a possibilidade de ser mais livre como formos. E agora? O que podemos fazer com essa carga emocional que carregamos há tantos anos?
O ser humano busca estabilidade, se apega ao conforto do conhecido e reluta em sair do lugar-comum, mesmo que o lugar-comum seja uma prisão e ele mal perceba. Nesse caso, a prisão das pressões estéticas é um lugar que todas nós, mulheres, conhecemos bem e, mesmo que prejudicando nossa saúde mental, acabamos nos acostumando com ele ao longo da vida. Repare: dietas e procedimentos estéticos são os únicos assuntos que todas as mulheres têm em comum.
O processo de mudança de pensamento exige um grande esforço racional, força para nadar contra a maré que vem afogando a gente desde criança e fôlego para não morrer na praia. A imagem no espelho não é a mesma que projetamos, embora agora ela seja possível e exista (e resista) socialmente. Mas ainda não conseguimos reprimir emoções de uma vida inteira da noite para o dia. O processo de amor-próprio é longo e diário. Ninguém acorda uma bela manhã achando tudo em seu corpo lindo, principalmente depois de tanto tempo brigando com o espelho.
Como diz Vanessa Tomasini, psicóloga especializada em distúrbios alimentares e de imagem: "é preciso ter mais gentileza consigo mesma". Eu completo: se olhe com mais compaixão, entenda que seu corpo, suas marcas e suas curvas são parte da sua história e consequências de todas as vivências que lhe trouxeram até aqui. Sem elas, você não existiria. Sem elas, você seria só mais uma no meio da multidão, sem história, sem luta, sem vitórias. Suas marcas não te tornam inferior a ninguém, pelo contrário, são elas que te tornam única.
É um caminho sem volta. Quando percebe que seu corpo é um compilado da sua história, das escolhas que você fez e também das que não fez (como a sua genética), percebe que o controle é uma ilusão. Tudo que você tem é seu corpo para experimentar o mundo, cuidando dele da melhor forma e usufruindo de todas as possibilidades de satisfação possível. Seu corpo não está fora de controle. Seu corpo é como é, mas você é dona do seu próprio umbigo, literalmente. E quem você é sempre será muito maior que o seu corpo. Aos poucos, as vergonhas antigas perdem sentido e enfraquecem. A troco de quê vai perder um lindo dia de sol na praia? Por quem? Será mesmo que o seu corpo faz tanta diferença assim para os outros, ou será que eles ainda estão no conforto da prisão, tentando se apegar ao último suspiro do que era o senso comum há 10 anos?
Sinto-lhe informar (não sinto muito, não, pra ser sincera) que depois de ler esse texto o bichinho da dúvida já estará instalado no seu cérebro e no seu coração. A partir desse exato momento, sua visão foi expandida e involuntariamente você já parou para repensar sua relação com o seu corpo. Não morra na praia, continue! Pense em todas as coisas incríveis que já deixou de fazer na vida, nos momentos felizes que evitou, lembre-se de pequenos instantes em que se calou ou se escondeu, reflita sobre os sentimento de inferioridade que já carregou por achar que não se encaixava em algum ambiente, tudo isso por pura vergonha? Vergonha de ser essa complexidade linda que você é, esse quebra-cabeça de peças únicas e insubstituíveis.
A minha bola de cristal está sem bateria, dessa forma, não consigo prever quando você finalmente vai enxergar a mulher maravilhosa e perfeita que você é. Uma certeza eu tenho: a vida é uma só, se a gente perde os momentos por vergonha, olhando para trás a única coisa que fica é arrependimento. Agora, já que chegamos aqui, eu te faço um convite abusado: que tal ser uma mulher mais livre?
Mulher sem Vergonha é um espaço em que mulheres poderosas expressam suas ideias, desejos e confiança sem nenhum tipo de constrangimento. Para inspirar uma vida livre de padrões e julgamentos.
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