Eu perguntava: por que meu cabelo não é liso? Hoje é ele que me faz linda
Nunca foi fácil ser negra e ter cabelo crespo. Quando criança mesmo entendendo pouco sobre preconceito, já havia em mim dois questionamentos: "por que sou negra?" e "por que o meu cabelo não é liso?".
A sensação era de que algo estava errado comigo. Não me via nas publicidades, não me via na TV, as minhas bonecas todas tinham olhos azuis, cabelo liso e loiro. Eu tinha medo e, ao mesmo tempo, vergonha de ser que eu realmente sou, tinha vergonha de usar ele solto porque achava ele muito armado, feio.
Sonhava em fazer 10 anos para finalmente poder usar um "relaxante kids" no meu cabelo. Todas as mulheres da minha família alisavam os cabelos, para elas isso era o normal. Por ignorância, meus pais não tocavam nesse assunto, tinha que ser assim mesmo, cabelo "ruim" tem que alisar. Não havia consciência racial.
É tão triste você lutar para ser incluído ou ser visto e não conseguir. É triste você não conseguir nem se olhar no espelho por ter medo de ver sua própria imagem, é lamentável. Eu queria aprovação das pessoas: então relaxei o cabelo, fiz progressiva e tudo que podia para esconder minha real identidade.
Mas só química e alisamento não eram suficientes. Por conta da minha obsessão pelo liso perfeito, eu acordava todos os dias às 4h para fazer escova e chapinha. Gastava 1 hora e meia para fazer isso. Eu era escrava disso.
Com 16 anos, percebi que aquela Sara não era eu. Percebi que o problema não estava no cabelo, mas na minha cor de pele e que, independentemente do que eu fizesse, nada mudaria. O ponto de mudança foi quando vi Taís Araújo em uma novela na TV. Foi quando me perguntei: por que tenho que alisar meu cabelo? E comecei o processo de aceitação, um sentimento que só crescia dentro de mim. Ao decidir pela transição capilar, veio a sensação de fortalecimento, descoberta, uma transição de dentro para fora.
Não tive dúvidas que estava no caminho certo, mas sentia vontade de desistir. Não era fácil enfrentar o mix de sentimentos com os quais eu estava lidando e, ao mesmo tempo, encarar as críticas das pessoas. Sofri muitas ofensas na rua, na escola, no trabalho, na faculdade e na família. Muitos diziam que cabelo crespo era "palha de aço" ou que "era fedorento".
Encontrar forças foi o meu maior desafio. Durante esse processo, passei sozinha sem apoio, sem ao menos um elogio sequer.
Entendi que não preciso da aprovação de ninguém para me sentir linda, eu sou os meus próprios padrões e sou única. Tudo à minha volta mudou, eu já não era mais aquela menina tímida e retraída que tinha até medo de sorrir, estava me sentindo mais confiante e determinada, não me importava mais com as opiniões negativas sobre mim.
Hoje, lavo meu cabelo 2 vezes por semana e mantenho ao decorrer da semana os meus "day afters". Ao acordar, uso apenas um reparador de pontas, e pronto.
A minha autoestima mudou a ponto de exalar autoconfiança -- foi aí que comecei a compartilhar minha história com outras mulheres na internet, me tornando inspiração na vida delas. Me sinto honrada de poder mostrar a força que cada uma tem dentro de si.
Sou linda com o meu cabelo, com a minha cor, com o meu corpo, com o meu nariz. Sou linda.
Brigue com os padrões impostos a você, lute contra suas barreiras, enfrente suas vergonhas, encare seus desafios. Você é muito mais do que você pensa.
Mulher sem Vergonha é um espaço em que mulheres poderosas expressam suas ideias, desejos e confiança sem nenhum tipo de constrangimento. Para inspirar uma vida livre de padrões e julgamentos.
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