O que os discursos de Marcius Melhem e Harvey Weinstein têm em comum?
Algumas condutas e afirmações feitas pelo ator e diretor Marcius Melhem, em entrevista para o colunista do UOL Mauricio Stycer e para a editora-chefe de Universa, Dolores Orosco, se assemelham na forma e no conteúdo aos primeiros pronunciamentos do produtor de Hollywood Harvey Weinstein após a eclosão das alegações públicas de que ele havia cometido assédio sexual.
Eles se defendem: "Foi tudo consensual"
Harvey pediu desculpas afirmando que "causou muita dor", mas rejeitou, à época, "muitas das acusações" e negou "qualquer alegação de sexo não consensual".
Marcius, por sua vez, também afirmou que "jamais tive nenhuma relação que não fosse consensual" e afirma que, embora assuma erros, deseja combater mentiras sobre ele, também rejeitando parte das acusações.
O hoje ex-produtor de cinema dos Estados Unidos afirmou que "nunca houve retaliação às mulheres que negaram seus avanços", assim como o ex-funcionário da Rede Globo disse que não demitiu ou perseguiu colegas.
Ambos alegam descompasso com tempo em que vivem
Os dois acusados ameaçaram com processos. Harvey ameaçou processar os jornais que divulgaram as histórias das mulheres que o acusavam. E Marcius ameaça a advogada Mayra Cotta e a atriz Dani Calabresa.
Harvey escreveu que "reconhece que a maneira como me comportei com colegas no passado causou muita dor e peço desculpas sinceramente por isso". Já Marcius disse que ele é "uma pessoa que cometeu excessos em se relacionar com pessoas dentro do seu próprio ambiente de trabalho. Entendo que, como homem, feri pessoas". Disse também que "não via [aqueles excessos] como um problema, mas que hoje entende as nuances que isso pode ter".
Marcius disse que "hoje eu entendo que tive comportamentos, que tive atitudes que não cabem mais". Ao passo que Harvey declarou que atingiu "a maioridade nos anos 60 e 70, quando todas as regras sobre comportamento e locais de trabalho eram diferentes. Essa era a cultura então. Desde então, aprendi que não é uma desculpa, no escritório —ou fora dele". Curioso que, mesmo tendo 20 anos de diferença entre eles, ambos alegam o mesmo descompasso cultural com o tempo em que vivem.
Um ano para mudar?
Harvey diz que percebeu, "há algum tempo, que precisava ser uma pessoa melhor e minhas interações com as pessoas com quem trabalho mudaram". E que, ao longo de um ano, após as acusações, pediu para sua advogada lhe ensinar, e "ela montou uma equipe de pessoas. Eu trouxe terapeutas [para a equipe]".
Já Marcius também, supostamente, precisou do mesmo período, um ano para mudar: "Foi um ano de muito aprendizado em que [me dediquei] a entender o que estava acontecendo e o que poderia ter feito que tivesse causado algo desse tipo. Eu tive muita ajuda, fora terapia".
Do mesmo modo em que ele afirma ter mergulhado em sua própria lama para entender os seus erros, os quais diz que ainda está entendendo, Harvey escreveu que "minha jornada agora será aprender sobre mim mesmo e conquistar meus demônios."
Os dois tentam convencer a plateia de seu arrependimento e buscam segunda chance
Ambos também recorreram a falas enaltecedoras sobre as mulheres. O americano escreveu: "Eu respeito todas as mulheres". E o brasileiro falou que "o movimento é legítimo, a causa feminista é legítima". E, claro, os dois tentaram convencer a plateia de seus arrependimentos: "Eu fico mortificado [de ter causado dores]", disse Marcius. E "lamento o que aconteceu", afirmou Harvey.
Os dois prometem transformações. Em 2017, Weinstein registrou: "Acredite em mim, esse não é um processo da noite para o dia", ao falar sobre seu suposto engajamento em transformar sua masculinidade. Ao relatar fatos a respeito de mulheres com os quais ele supostamente está tendo contato, Marcius disse ao UOL que "é um aprendizado diário" e confirmou nessa entrevista que escreveu o tuíte "combato o machismo que existe em mim".
Como não poderia deixar de ser, os dois aguardam a famosa "segunda chance". Harvey afirmou que "quero uma segunda chance na comunidade, mas sei que tenho trabalho a fazer para conquistá-la". E Marcius pediu "que eu tenha uma segunda chance na minha vida, de provar que eu cresci, aprendi".
Empenho na desconstrução parece mais estratégia de defesa
Marcius, spoiler: você já tem 48 anos, o mundo sabe que você está crescido desde os 18. E, aqui, me permito concordar contigo quando diz que o ser humano é complexo, erra e pode melhorar. Porém, Marcius, você teve todos os seus 48 anos para aprender a tratar mulheres como pessoas e, aparentemente, apenas depois que foi acusado, isso aparece, no discurso público, como uma preocupação.
Falta verossimilhança nesse súbito e repentino empenho desconstrutivo, pois parece mais uma estratégia de defesa, de preservação de reputação e descredibilização de vítimas e testemunhas do que um empenho genuíno que pode —e deve— ser feito independentemente de a casa cair.
Harvey foi condenado, em 2020, a 23 anos de prisão depois de um processo judicial. Marcius, por sua vez, pede que tudo seja judicializado. Só o tempo e o futuro nos dirão se as coincidências —ou padrões— entre ambos serão mantidos.
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