Jojo e Thelma: pretas, campeãs de realities em 2020. O que isso representa?
Pela segunda vez em 2020, o Brasil escolheu uma mulher negra para ganhar um reality show. Jojo Todynho, funkeira, preta, periférica de Bangu e gorda é a grande campeã da Fazenda.
Você lembra que no início da pandemia estávamos hipnotizados por outro grupo de pessoas confinadas em uma casa, né? Foi quando a médica Thelma de Assis, a Thelminha, ganhou o BBB em uma final feminina cheia de emoção. Hoje, ela é capa de revistas, virou apresentadora do "É de Casa" e influenciadora no Instagram. Deu uma entrevista à minha colega Ana Bardella, em agosto, que não poderia trazer título melhor: "Uma em cem".
Sincera, divertida, desbocada e dando a opinião sobre o que sente e o que acha dos outros de maneira direta, Jojo Todynho virou peça-chave na Fazenda, que já teve Dado Dolabella como vencedor da primeira edição e participação de Marcos Harter, que havia sido eliminado do BBB 17 sob acusações de agressão a outra participante.
Entre memes e figurinhas nas conversas de WhatsApp, Jojo também se tornou mais uma "preta no topo" com sua vitória no reality da TV Record. Uma emissora comandada por evangélicos levou ao público - e por escolha dele - a consagração de uma mulher completamente fora dos "padrões" estéticos europeizados ou midiáticos. Uma vitória para quem se identifica com ela e para todos nós, que tentamos derrubá-los diariamente.
Quando Thelminha levou para casa o R$ 1,5 milhão, cifra da qual a funkeira agora também é dona e proprietária, boa parte das pessoas negras celebrou o prêmio nas redes sociais. Foi comovente ver que o Brasil a admirava. Uma mulher, que lutou tanto para se formar como médica, ocupou o primeiro lugar do pódio. Uma mulher, que tem a cor da pele de quem se torna invisível com frequência aos olhos da branquitude, se tornou o centro das atenções em um reality show.
Em um ano em que fomos às ruas e às redes sociais para dizer que estamos cansados de lutar contra sistemas racistas e que vidas negras importam, que choramos pelo assassinato de homens, mulheres e crianças negras, a conquista de Jojo pode ser um breve momento de alegria. E um convite para reflexão.
Jordana Gleise de Jesus Menezes também é uma em cem. Foi muita ralação até chegar ao hit "Que Tiro Foi Esse?", funk que estourou em sua voz e, depois, à "Fazendola", como dizia o apresentador Marcos Mion. Se o Brasil não fosse um país racista, como muitos tentam dizer que não é, ela não teria tantas dificuldades para ocupar esses espaços.
Thelminha e Jojo, no entanto, têm diferentes trajetórias e posturas (o que é perfeitamente normal). E isso também reflete na forma com que as pessoas as veem. Os estereótipos são inúmeros e bem manjados: Jojo é tachada de "barraqueira", "explosiva"; Thelminha era "a planta" dentro da casa. Cabe a pergunta: o que acrescentar rótulos que reduzem mulheres negras a apenas um adjetivo diz sobre nós?
Representação e representatividade
Na vitória de Thelminha, fiz uma matéria sobre o que aquilo representava para mulheres negras. A publicitária Deh Bastos, do perfil @criandocriancaspretas, disse ter sentido "um calorzinho no coração". E aí, falamos sobre a diferença - grande, aliás - entre representação e representatividade de pessoas negras. Vamos lá: representação é quando alguém ocupa um lugar de protagonismo. Por vezes, isolado e restrito.
As ganhadoras dos realities indiscutivelmente chegaram nesse ponto. E há muito que se comemorar, principalmente pelo fato de as duas terem conquistado o público dos programas de TV sendo elas mesmas. Isso é ótimo.
Mas, quando estaremos prontos para entender que representatividade, ou seja, ter pretas e pretos em posições de decisão na sociedade também importa?
Vamos aproveitar a onda antirracista, antes que ela vire marola, e trazer para o debate esse conceito em 2021? Quanto mais cedo a gente começar a reparar a desigualdade racial, mais cedo equilibramos a proporção "uma em cem".
A vitória de Jojo também nos faz pensar um pouquinho sobre as caixinhas (neste caso, com uma perspectiva racializada) que criamos para os outros. Faz parte da lógica do reality ficarmos aqui de fora avaliando a postura dos participantes. E ela é complexa, né?
Ao mesmo tempo em que ela me fez rir (e lembrar um @) ao cantarolar Best Part, de H.E.R e Daniel Caesar, na cozinha, e chocou o Brasil com a quantidade de orégano que colocou sobre uma massa de lasanha, também foi acusada de assédio por apalpar a parte íntima de Mariano e de JP Gadelha. Para muitos, ela é grosseira; para outros, apenas direta nas palavras.
Jojo tem a complexidade que se espera de uma pessoa vigiada 24 horas por dia. Aliás, a complexidade que qualquer pessoa pode ter. E ninguém é obrigado a gostar dela.
Mas o fato de ela ter prometido gravar uma música do Raça Negra quando saísse da Fazenda, confesso, já me faz esperar ansiosamente pela versão "Jojo endinheirada de volta à pista", com produções iguais ou maiores do que essa aqui:
*Nathália Geraldo é repórter de Universa e pós-graduanda em Cultura, Educação e Relações étnico-raciais na USP
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