A saga da mulher peituda para comprar um biquíni online
Decidi comprar biquíni esse ano. Eu não compro biquíni todo verão, mas o que cabia no verão 2020 não está cabendo no verão 2021. Efeito pandemia. E, sem vacina, não me sinto segura para frequentar lojas, muito menos provadores. Ao longo dos últimos meses, assim como boa parte das brasileiras, tenho feito apenas compras online. E deu super certo? Até a hora de comprar biquínis.
Na pesquisa já me deparei com uma grande dificuldade: encontrar estoque de peças G nas lojas. Tudo esgotado. P sempre tinha, mas G, nada.
Veja bem, dada a conjuntura, eu sou uma privilegiadinha. Não tenho medidas de Gisele, mas meu corpo ainda se 'encaixa' na numeração padrão. Visto 40, uso roupas M e sutiã 44/G. Sou uma garota na média. Mas para a indústria da moda, nem estar na média basta.
Rodei muito os 4 cantos dessa internet para consegui garimpar biquínis no meu tamanho e que atendiam as minhas exigências de estilo. Enfim chegou a primeira caixa contendo biquínis e eu estava bem empolgada. A moda tem esse poder, né? A gente fica feliz não pela compra em si, mas sim pelos motivos que fizeram a gente comprar aquela peça.
O verão finalmente chegou na minha varanda e agora posso me sentar e aproveitar três horinhas do melhor sol, o sol da manhã, para me nutrir de vitamina D e ativar minha melanina. Quero marquinha de biquíni pr'eu me olhar no espelho e ter alguma ilusão de normalidade. Até por isso a vontade de não repetir os biquínis de outros verões de aglomeração.
Todas as sensações prazeirosas que a moda tem o poder mágico de proporcionar foram destruídas quando puxei o sutiã de dentro da embalagem. Putz, me mandaram um P! Não acredito que mandaram o tamanho errado. Mas não estava errado. A etiqueta dizia G/LARGE. Eu vesti. Eu coloquei o biquíni. E ele mal cobriu meus mamilos.
Há 10 anos eu ficaria arrasada. Triste e desgostosa do meu corpo por não ter dado match no biquíni que achei bonito. Mas hoje, não. Depois de ler (e reler) a palavra de Naomi Wolf em "O Mito da Beleza" eu fico irada. Indignada. E o que a gente faz quando se sente assim? Exposed nas redes sociais.
Ao longo dos anos adquiri uma boa consciência corporal. Eu sei o quanto eu visto. E também sei como um tamanho G deve se parecer. Fiz faculdade de moda, tenho formação em consultoria de imagem, já atuei como stylist e estou no mercado há 15 anos. Mas, mesmo assim, com esse currículo, sempre que eu questiono tamanhos de marcas aparece gente querendo desvalidar meus argumentos dizendo que eu que estou querendo usar um tamanho menor que o meu.
No mesmo dia, chegaram peças de outras duas marcas onde o G vestiu peito G. No dia seguinte, outro biquíni G chegou e me vestiu perfeitamente. Foram anos de estudo, de conhecimento histórico além de autoconhecimento, para que eu não deixasse minha autoestima se abalar por causa daquele primeiro biquíni de medidas erradas.
Sim, o tamanho estava errado a marca admitiu que "as medidas desse top especificamente têm vindo diferentes das aprovadas". A grife Haight conscientemente botou a venda um produto G que não corresponde as medidas de uma peça G. Eu ainda questionei "Se vocês identificaram problemas na medida desse top porque não tinha alerta na página do produto?" Mas não obtive resposta.
Isso, no mínimo, é propaganda enganosa. Mas na verdade a gente sabe que é mais uma prova do descaso da indústria da moda com o corpo e a saúde física e mental das mulheres.
"Pois é, uns tamanhos "G" que parecem "M". Aí a pessoa fica na bad pq não corresponde a realidade. Parece que tudo é feito pra que a gente se incomode com nosso corpo!", me disse minha seguidora Alexsandra Brito nos stories. E é verdade.
Vamos aos fatos: no Brasil mais de 60% das mulheres tem "sobrepeso". E, segundo a pesquisa DataCarla (feita por mim mesma através de enquete nos meus stories segue lá: @carlinha), 73% das mulheres afirmam ter engordado na pandemia. Mas a indústria da moda continua ofertando uma gama desproporcionalmente maior de tamanhos pequenos, mesmo que ela não corresponda a real demanda da população.
Como eu disse no início desse texto, reclamo de uma posição privilegiada porque como a Tati, minha seguidora, desabafou: "Eu que uso 48 nem tento comprar online". A Thays Souza comentou no meu Instagram: "Todo verão a mesma coisa? pra mim também é difícil de achar biquíni 48". E os problemas não param por aí.
Uma outra seguidora, Mariana, desabafou: "Impossível não ter uma autoimagem distorcida, né. Eu, às vezes, visto M, outras G, outras GG outras nada servem."
Como eu falo no meu livro "Use a Moda a Seu Favor" a moda tem um potencial enorme de fazer a gente se sentir bem, de aprimorar nosso bem-estar, contribuir positivamente com a nossa autoestima, com a forma como nos sentimos, agimos e pensamos.
Mas, aprendemos a olhar pros nossos corpos procurando defeitos. E a indústria da moda reforça isso quando a gente tá mais distraída e vulnerável. Queremos parar de ver defeitos em nós mesmas e descobrir nossas qualidades. Cadê as roupas femininas atendendo e respeitando corpos femininos?
Apesar de todo o transtorno, eu consegui biquínis que me vestiram bem. Mas, este verão, muitas mulheres ainda vão sentir que não tem um corpo de verão, por não encontrar biquínis que vistam seus corpos.
*Carla Lemos é feminista, carioca e produtora de conteúdo há mais de 15 anos. Observadora atenta das mudanças de comportamento das mulheres na sociedade, Carla comanda o podcast PRIMAS e é autora do livro "Use a Moda A Seu Favor". Em 2021, lançará seu novo livro, "As Mentiras que te Contaram Sobre Ser Mulher"
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