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Erro de Kerline no BBB é o de muitas mulheres. Não saber dizer não

BBB 21: Lucas foi insistente e Kerline não soube se impor. - Reprodução/Globoplay
BBB 21: Lucas foi insistente e Kerline não soube se impor. Imagem: Reprodução/Globoplay
Polly Oliveira

Colaboração para Universa

30/01/2021 04h00

"Seja educada". Estava aqui pensando em como começar esse texto para Universa e acho que o "seja educada" se encaixa perfeitamente no que tenho a dizer. E aqui falarei não só sobre mim, mas também sobre Lucas e Kerline, participantes do Big Brother Brasil. Uma briga entre eles me fez pensar no seguinte: o que vem antes gênero ou raça?

Já fiquei com alguns homens nessa vida - e não me venha com essa de "mulher rodada" se por acaso eu te disser que fiquei com mais de 5, porque fiquei com bem mais que isso. Mas, de todas essas experiências sexuais, as que mais me marcaram foram aquelas eu não quis ter.

Quantas mulheres já se sentiram em um beco sem saída? Só eu? Me lembro muito claramente de um rapaz que eu conheci no trabalho. Sempre fui muito comunicativa, sorridente e expansiva, então já viu, né? Quanto mais comunicativa e sorridente você é, maior a chance de os homens acharem que você 'tá pedindo'.

Pois bem. Chamarei aqui o meu coleguinha de trabalho de Rogério. Rogério era alguém com quem eu conversava, alguém que eu fazia rir e sorria, alguém que eu brincava constantemente. Tipo: "E se eu quiser ficar com o cupido?", como disse Kerline ao Lucas. Rogério tinha a minha idade na época e era tido como o garotão da empresa - ou seja o padrão não muda, as falas não mudam...

Talvez se eu tivesse aprendido desde cedo a dizer um robusto 'não', eu teria perdido a amizade de Rogério. Mas em contrapartida não teria tido uma péssima experiência sexual para simplesmente termos paz e seguirmos nossas vidas.

O que acontece é que nós, mulheres, jamais seremos as mesmas depois de fazermos o que não queremos e não importa o quanto você diga que não quis, as pessoas não vão acreditar em você. Fui ensinada a sorrir, a ser educada, a aceitar elogios e a nunca dizer 'não'.

Quantas de nós não sabemos dizer "não"? Até mesmo quando não queremos transar com o marido, por exemplo? Tudo porque até isso nos ensinaram que não podemos negar, caso contrário o dito cujo procurará na rua alguma outra que faça, com isso vamos nos cercando de medos e submissões silenciosas.

Essa semana, os dois participantes do BBB protagonizaram uma cena que dividiu o público. Esse foi o único debate que se era questionado nas redes sociais, quando na verdade as entrelinhas gritavam, protagonizando também aquele roteiro. Por que Kerline, uma mulher branca de 28 anos, não conseguiu dizer não às brincadeiras de Lucas? Por que Lucas, um homem negro de 24 anos, não identificou que tudo não passava de uma brincadeira dela?

Me vi na pele da mulher acuada, que fora interpretada completamente mal. Enquanto a internet falava sobre interseccionalidade e os recortes necessários para serem feitos naquele momento, eu só conseguia enxergar o desespero de uma mulher que não fora criada para dizer 'não' e com isso acabou sendo julgada como racista.

Precisamos falar mais do poder do "não", do quanto o comportamento feminino não pode ser medida a partir disso. Porque somente assim criaremos mulheres fortes o suficiente para não usarem sua educação quando o cupido aparecer sem ser chamado.

Polly Oliveira é escritora, autodidata e estudiosa das perfomances femininas