Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
"Meu caso não é isolado; Alesp precisa dar resposta exemplar"
Em 2018 fui eleita pelo PSOL com mais de 53 mil votos para atuar como deputada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Antes disso, já servi à população como assessora parlamentar e vereadora na cidade de São Paulo, e fui alvo de assédio moral e sexual em meio ao exercício das minhas atividades. Porém, nada comparável à violência que viria a sofrer em dezembro do ano passado, quando fui assediada no plenário, em frente às câmeras, pelo deputado Fernando Cury (Cidadania).
O momento em si todos puderam acompanhar pelos vídeos que foram compartilhados. A encoxada e a mão do deputado, que foi rapidamente removida por mim me trouxeram uma conhecida sensação.
Uma ânsia de vômito misturada com uma vontade de chorar, uma sensação de incômodo com o meu corpo, como se uma corrente de aflição passeasse sobre as regiões que me senti assediada. É o mais preciso que consigo descrever sobre a sensação para quem nunca passou por isso.
Eu me questionava: "Como vou provar?". Quando eu vi o vídeo, desabei. Entendi o tamanho da humilhação que aquele sujeito havia me feito passar e como havia sido premeditado. Ele nunca havia sequer se apresentado a mim. Esse foi o primeiro contato que tive com o deputado Fernando Cury desde o começo de 2019, quando tomei posse na Alesp, e a minha luta é para que seja o último.
Nesta quarta-feira, por unanimidade, a Comissão de Ética da Alesp aceitou a denúncia de assédio contra Cury. Agora, o deputado Emídio de Souza, que foi indicado como relator do caso, terá até 15 dias para apresentar seu parecer. Depois disso, a comissão poderá decidir se Cury será absolvido, advertido, suspenso ou cassado, sendo que para qualquer decisão serão necessários ao menos cinco votos.
Caso se vote pela cassação, o caso segue para o plenário da Alesp e então será preciso que 48 parlamentares se posicionem a favor da pena máxima para que Cury perca seu mandato. Eu e minha equipe fizemos um abaixo-assinado que já reúne mais de 130 mil assinaturas pedindo a cassação. Gostaria de explicar aqui por que é importante que isso aconteça.
A violência que sofri é inquestionável. As imagens foram gravadas e é nítido que a conduta do deputado Fernando Cury foi intencional. Porém, sabemos que este não é um caso isolado. Desde dezembro do ano passado venho recebendo uma enxurrada de apoio de outras mulheres. E não é difícil compreender por que isso vem ocorrendo.
Nós, mulheres, temos que lidar cotidianamente com o assédio na sociedade: no trabalho, nos meios de transporte, na escola, na universidade, e até mesmo em espaços de lazer, como shows e eventos esportivos.
Apesar disso, muitas não denunciam seus agressores ou, quando o fazem, estes não são punidos. Porém, é preciso que a sociedade brasileira compreenda que assédio é crime. Que mulher "de respeito", como é o caso de uma parlamentar, também sofre assédio, e que um homem "de respeito", como um parlamentar também pode ser um assediador.
Nesse caso, o assédio, para além de uma violação de cunho sexual também é uma violência institucional e política. E é importante lembrar que a violência que sofremos na política não tem ideologia.
Logo após as eleições de 2020, a vereadora Ana Lúcia Martins (PT), primeira mulher negra eleita à vereança na cidade de Joinville (SC), sofreu ameaças de morte e o hackeamento de suas redes sociais, e Suéllen Rosim (Patriota), primeira mulher negra eleita prefeita na cidade de Bauru (SP), foi vítima de ofensas racistas e ameaças de morte logo que se confirmou sua eleição.
Infelizmente, as intimidações, ameaças de morte, ataques virtuais, verbais e físicos irão acompanhar muitas mulheres antes da posse e por todo o exercício do mandato. Desde que assumi meu cargo na Assembleia Legislativa sou sistematicamente assediada, subestimada e agredida no Parlamento e em minhas redes sociais, onde recebo enxurradas de ameaças de mortes, o que me fez buscar um reforço de segurança.
As mulheres precisam saber que podem ocupar qualquer espaço, e a Alesp, que é a maior assembleia legislativa do país, precisa dar uma resposta exemplar nesse sentido.
Foi algo inaceitável não poder ter exposto as imagens do assédio que sofri no plenário para que todos os parlamentares pudessem ver o que ocorreu, o que demonstra a necessidade de existir um protocolo a ser seguido para casos de violência contra as mulheres que ocorram na Casa.
Diante disso, meu mandato protocolou um Pedido de Resolução que cria o Comitê de Defesa da Mulher Contra a Violência na Alesp, com o objetivo de receber e encaminhar denúncias aos órgãos competentes, fazer registros e produzir relatórios.
Vamos também produzir uma série de projetos de lei para combater o assédio em suas mais diversas esferas. Não vamos descansar enquanto tantas mulheres sofrem assédio no Brasil. Vamos combater o assédio de forma incansável e não vamos baixar a cabeça. Eu espero que meu caso e minha luta possam servir de exemplo para as assembleias legislativas no país inteiro.
É preciso que todas as mulheres saibam que é possível denunciar. Que é possível que o agressor seja punido. E que é possível fazer política sendo mulher.
A violação sexual é um subtipo de crime antigo na história da humanidade e sempre foi tido como um ato de extrema violência, de colonização, "ultrapassar o último limite", dominar o corpo das mulheres sempre foi um gesto de poder na história da humanidade. Por esse motivo, a punição de Cury deve ser exemplar, ele deve ser cassado. É preciso tirar esse poder deles.
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