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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chega de xenofobia: Até quando vamos fingir que palavras não têm poder?

Juliette Freire rebateu comentário preconceituoso feito por Antônia Fontenelle - Reprodução/ Instagram
Juliette Freire rebateu comentário preconceituoso feito por Antônia Fontenelle Imagem: Reprodução/ Instagram
Clara Fagundes

Colaboração para Universa

14/07/2021 04h00

É a reunião de comportamentos, atitudes e preconceitos que rejeitam, excluem e/ou difamam pessoas motivadas por uma percepção de estrangeirismo causada por sua origem/cultura. Em um país continental e preconceituoso como o nosso, não só estrangeiros sofrem tal violência. Brasileiros das regiões Norte e Nordeste também.

O tema entrou em debate após a apresentadora Antônia Fontenelle usar "esses paraíbas fazem um pouquinho de sucesso e achar que podem tudo" ao se referir a DJ Ivis, denunciado por violência doméstica pela ex-mulher, Pamella Holanda. Quando alertada da xenofobia em sua fala, Antônia reforça o que disse e ainda ameaça quem se ofendeu. Ela insistiu:

"Paraíba é força de expressão, quem faz paraibada, como, por exemplo, bater em mulher."

"Tentam me acusar de xenofobia de novo. De novo? Não cola, porque eu falei que esses paraíbas quando conseguem um pouquinho de dinheiro, acham que podem tudo. Paraíba eu me refiro a quem faz paraibada, pode ser sulista, nordestino? É quem faz paraibada, uma força de expressão."

Preconceito contra nordestinos —como todos— nem sempre aparece de forma assumida. Não. Muitas vezes, aparece assim: nas generalizações bizarras e na linguagem odiosa.

Embora diga que o "paraíba" nada tem a ver com a origem em sua crítica, fica difícil acreditar na incrível coincidência: Iverson é paraibano. Mas e se não fosse?

Associar "bater em mulher" à Paraíba ou a ser "um paraíba que conseguiu um pouquinho de dinheiro" ainda seria um discurso classista, preconceituoso e inegavelmente xenofóbico. Ainda seria reforçar um dos muitos estereótipos tóxicos perpetuados sobre nordestinos: o de que são pessoas agressivas e atrasadas.

Vamos supor que Antônia realmente não soubesse que é xenofóbico usar termos como "paraibada" e "paraíba" de forma pejorativa. O que a leva, assim como tantos outros, a não voltar atrás?

Usar a "força de expressão" preconceituosa é mais importante do que respeitar pessoas? Nas mais de 400 mil palavras da língua portuguesa, só essas conseguiriam descrever um criminoso?

Até quando vamos fingir que palavras não têm poder?

A nossa forma de usar as palavras, a cultura, o que aprendemos na escola, tudo é parte de uma narrativa contada por grupos dominantes. Por isso, falar "paraibada", "baianada", "dia de branco", "retardado" e tantos outros termos preconceituosos é comum.

Por que esses preconceitos são comuns para muita gente. E ser comum não significa estar certo.

Coisas absurdas já foram comuns e precisaram mudar, porque os tempos mudam e a linguagem muda com eles. Até pouco tempo, era comum chamar o cabelo crespo de "duro" ou "ruim". Era uma "força de expressão". Deixava de ser preconceituoso por isso? Não.

Apontar preconceito escancarado não é cultura do cancelamento, Antônia. O fenômeno virou uma desculpa privilegiada para não mudar nada e culpar "os incomodados". Mas a máxima de "os incomodados que se mudem" está ultrapassada.

Exigiremos respeito, sim, mesmo se tal exigência incomodar quem sempre saiu impune.

Afinal, enquanto algumas pessoas estão cansadas de serem "canceladas" (não o suficiente para mudarem, claro), nós estamos cansados de engolir xenofobia e outros preconceitos como coisas "culturais". Que "sempre foram assim". Ah, "só jeito de falar". Essas desculpas já não funcionam mais.

Um aviso: não somos nós que vamos ter que nos adaptar. ??

Os preconceitosos vão. ??

* Clara Fagundes é sergipana, futurologista e comunicóloga. Pesquisadora graduada e pós-graduada na USP, cria conteúdos educativos na internet e faz projetos incríveis com marcas conectadas aos futuros. Ama gente, cinema e escrever.